Cultura

50 anos dedicados a dançar o Carnaval no Huambo

Estácio Camassete | Huambo

Jornalista

O mais velho António da Silva Neto, mais conhecido no mundo artístico por “Tio Pinchas”, de 80 anos, 50 dos quais dedicados à Cultura Nacional, garantiu que ainda tem energia suficiente para investir todo o saber para que a festa do Carnaval seja uma verdadeira e saudável competição.

09/02/2024  Última atualização 11H05
Grupo carnavalesco Velhas Guardas pretende conquistar o título este ano © Fotografia por: FOTOS DR

"Tio Pinchas”, apesar de se queixar de alguma canseira física própria da idade, disse que sacrifica todo o seu tempo e possibilidades na festa do Carnaval, para que na sua equipa nada falte no "Dia D”.

Velho Pinchas deverá ser o único cidadão na província do Huambo, talvez no país inteiro, que é proprietário de dois grupos de Carnaval, sendo um infantil chamado Rainha Njinga Mbande, e o segundo da classe adulta denominado Velhas Guardas.

Tio Pinchas conta que começou a participar na festa popular em 1974, na cidade de Luanda, de onde é natural, do bairro Prenda, tendo sido um dos co-fundadores dos grupos Ngola Kiluanje e Kabocomeu, do Sambizanga.

O seu grupo Velhas Guardas, disse, foi fundado em 1977, mas sofreu várias mutações. A sua primeira denominação era União Saydi Mingas, depois União Senguessa, União Emprotel, Ecomil, União Paulo Kassoma e por último passou para Velhas Guardas.

Todas essas mudanças têm um histórico ligado às empresas ou às pessoas que de alguma forma ou outra davam algum apoio ao grupo.

As Velhas Guardas é hoje o grupo carnavalesco mais antigo da província do Huambo, com 47 anos de existência, tendo vencido 19 títulos e pretende conquistar mais outros para a sua galeria.

Apesar da idade, Tio Pinchas garante ter ainda muitas novidades para apresentar aos fãs, bem como boa disposição e força para tocar a sua bateria, porque o Carnaval não só está no sangue, como também na alma, adiantou.

Tio Pinchas disse carregar consigo muitas memórias boas do Carnaval na província do Huambo, apesar de admitir que muitos grupos continuam a investir muito pouco na indumentária, mas os Velhas Guardas têm sempre tudo em ordem, como mandam os hábitos e os costumes da terra.

Com um grande espírito de  fairplay, o mais velho António da Silva Neto "Tio Pinchas” deseja muita força aos demais grupos contendores, para que se realize um Carnaval cheio de cor e muita alegria.

Isabel Jepele: a veterana das festas de Carnaval

A outra veterana nas festas de Carnaval no Huambo é a cantora de música tradicional Mamã Jepele, que começou a dançar em 1979, no município do Mungo, quando participava na agremiação infanto-juvenil "Grupo de Pioneiros Organizados”.

Isabel Jepele conta que naquele tempo o Carnaval era dominado pela entrega dos foliões e dava o verdadeiro sentido de festa popular, onde as tradições e o dia-a-dia das pessoas eram retratados com muita alegria e algum humor sarcástico.

Em 1982, a cantora transferiu-se para o município do Bailundo, onde estudava e continuou a dançar o Carnaval no grupo "Lá vem o nosso Carnaval”, que fazia parte do Centro de Alfabetização Municipal, concretamente do Sector da Educação.

Isabel Jepele conta que em 1984 chega à cidade do Huambo e continua a participar na festa do Carnaval e dança, pela primeira vez, num dos grupos da Rua do Comércio, cujo nome diz já não se lembrar.

"O Carnaval, tanto no antigo como nos novos tempos, nunca deixou de ser a alegria do povo, faz parte da nossa cultura, porque as pessoas fazem isso por amor e não tem nada a ver com coisas malvadas ou negativas, como alguns fazem crer”, disse, sublinhando que mesmo o humor sarcástico tem o bom sentido de alertar para o que não vai muito bem.

Depois de passar por vários grupos carnavalescos, hoje Mamã Jepele fundou a agremiação tradicional "Alimba vokimbo”, Sons do quimbo, na tradução do umbundo para português, com o qual continua a participar na festa do Carnaval.

Quanto às diferenças entre o Carnaval de antigamente e do tempo actual, Mamã Jepele diz que, apesar de se registar alguma evolução, no passado havia maior entrega das pessoas e a alegria brotava naturalmente, agora a tendência é de afrouxar o movimento característico desta festa, a dança era apenas no batuque ao vivo, porque  não havia condições para aparelhos de som”, observou.  

Grupo Fogo Negro e a ligação com o bairro Macolocolo

Um outro grupo carnavalesco antigo da província é o Fogo Negro, do bairro Macolocolo, arredores da cidade do Huambo, cujo líder se mostra disposto a inovar nesta edição da grande festa popular.

José António Sapalo disse que o Fogo Negro foi fundado em 1985, exibe os estilos de dança cabetula, sungura e tchisosi. O grupo é constituído por mais de 600 membros, ostentando na sua galeria quatro títulos de campeões e três de vice-campeões.

Antes, conta, o grupo era chamado Esquadrão Muteka, porque no bairro do Macolocolo havia na época um mais velho, antigo habitante da zona, que se chamava Muteka, porque ele incentivava os jovens às práticas culturais, mereceu esta homenagem.

O nome de Fogo Negro surge depois da década de 1990, na época em que alguns membros do grupo durante a dança faziam sucesso com movimentos espectaculares com fogo, colocando petróleo na boca e deitavam ao fogo, levantando as chamas sob fortes aplausos da multidão, daí o surgimento da denominação Fogo Negro.

José António Sapalo lembra de um acrobata do seu grupo chamado Ismael, que no dia de Carnaval andava sobre os cabos eléctricos estendidos nos postes, bem como mastigava cacos de vidro.

"Naquele tempo, o Carnaval era todo original, buscavam-se todos os elementos tradicionais, a música era com base do batuque e agora só se dança kuduro em batidas de trios eléctricos.

José António Sapalo mostra-se preocupado com o futuro do seu grupo e, por isso, fez saber que este ano está muito apostado na formação da classe infantil "Estrelinhas do Fogo Negro”, que vão dar continuidade ao projecto cultural.

Resenha histórica do Carnaval

O historiador Venceslau Kasese destacou três momentos em que viveu o Carnaval na província do Huambo, onde o primeiro tem que ver com as manifestações feitas na época colonial, em que o protagonismo dos negros só se fazia sentir nos bairros da periferia, já que a cidade era o palco dos brancos.

Conta que no tempo colonial o Carnaval não tinha o carácter generalista que tem hoje, era uma comemoração agressiva, muita gente se escusava de sair à rua, para não sofrer cenas claras de racismo.

O segundo momento está ligado à época depois da Independência Nacional, em que se dançava o "Carnaval da Vitória”, que era celebrado no dia 27 de Março, vivido na euforia da liberdade do povo angolano.

Todos os trabalhadores representavam as suas empresas para se manifestarem no Carnaval da Vitória, uma festa participativa, em que o Estado assumia as despesas e todas as alegorias.

O terceiro momento, revela um Carnaval da paz, adaptado à realidade do povo e da cultura nacional, em que se festeja com folia o dia desta maior manifestação cultural, onde as danças tradicionais são livremente manifestadas. Nesta época, o Carnaval deixou de ser realizado numa data fixa, obedecendo o calendário litúrgico, comemorando assim a festa popular na terça-feira que antecede a quarta-feira de cinzas, primeiro dia da Quaresma.

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