Sociedade

A guerreira do peixe e da solidariedade

Uma mulher de 51 anos, com os olhos cansados de quem enfrentou inúmeras batalhas, mas com um sorriso que transborda esperança, destaca-se em meio à agitação do mercado informal. Todos os dias, ela dedica-se incansavelmente à venda de peixe, não apenas como meio de sustento, mas como um acto de amor pela sua família. A história de Maria Cecília Ngola, uma mulher guerreira, é um testemunho de força, resiliência e determinação, que merece ser contada e celebrada.

14/03/2024  Última atualização 11H47
Maria Cecília Ngola, enfrentou inúmeras batalhas © Fotografia por: DR
Há mais de 30 anos, Maria Cecília Ngola, mais conhecida por Avó Cecília, natural de Caluquembe, província da Huíla, dedica-se  à prática da venda de peixe, no maior mercado informal de Oshomukuiyo, arredores da cidade de Ondjiva, província do Cunene, onde reside actualmente.

Avó Cecília é considerada como uma das melhores peixeiras de Ondjiva. O seu percurso no empreendedorismo começou em 1989, no Namibe, com a venda de bebidas de fabrico caseiro, extraídas da cana de açúcar, para sustentar os quatro irmãos menores, depois da morte do seu pai.

Mas, devido às dificuldades enfrentadas pela família na altura, Avó Cecília, acompanhada de uma tia, partiu para o Lubango, em 1990, onde estudou até a 6.ª classe. Em 1991, por conta do custo de vida, teve de abandonar os estudos e regressar ao Namibe. Avó Cecília disse que, devido à morte do seu pai, teve de largar os estudos muito cedo para se dedicar aos negócios.

Depois de contrair um relacionamento marital em 1992, o esposo, enfermeiro de profissão, foi transferido para a província do Cunene, uma etapa que a impulsionou para a área do empreendedorismo. "Quando cheguei ao Cunene, numa primeira fase ,não tinha a intenção de ficar, mas depois de descobrir que o negócio do peixe era rentável, acabei por residir definitivamente aqui", confidenciou.

Avó Cecília revelou que já comercializou o produto nos mercados da Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico. Conta que antes de ser peixeira,  foi zungueira, vendendo banana, laranja e roupa do fardo, actividades que foram durante algum tempo o sustento da sua família. "Em 1993, quando começámos  a vender peixe no Cunene, não era fácil conseguir o produto. Às vezes não comprávamos, davam-nos de graça, no Namibe, e aproveitávamos para escalar e ir revender em outras províncias. Agora é tudo ao contrário. O peixe agora chega até Cunene e à Zâmbia. Estou há cinco anos sem a necessidade de viajar para ir buscar o peixe e isso ajuda o nosso negócio", contou.

Para adquirirem o peixe do negócio, esclareceu, recebem sem pagar, uma certa quantidade de caixas, e depois de venderem é que entregam o dinheiro ao fornecedor, ficando com o lucro que rende entre 5 a 10 mil kwanzas. A continuidade neste negócio é uma garantia: "Já não vou desistir porque já tenho 51 anos e não tenho mais nada para fazer. Do pouco que sai, serve para as panelas em casa não ficarem vazias", frisou.

Peixeiras juntam-se em associação

A Associação de Peixeiras do Mercado de Oshomukuiyo vai ser constituída nos próximos dias e Avó Cecília é uma das impulsionadoras. O objectivo é de proteger os direitos da classe e criar parcerias com diversas organizações. Segundo Avó Cecília, há muito que se pensou juntar as vendedoras em associação, para melhor defesa dos seus direitos.

Ela disse ainda que o projecto está elaborado, carecendo apenas da sua legalização. Cada associada deverá pagar uma taxa mensal de 100 kwanzas. Com os valores das contribuições, esclareceu, pretende-se ajudar as vendedoras a ultrapassar algumas dificuldades como doenças, liquidação de dívidas de empréstimos contraídos pelas peixeiras para o início do negócio e que depois da venda não conseguem fazer a devolução, principalmente aquelas que vieram de outras províncias e que acabam por ficar impossibilitadas de regressar à terra de origem.

Deu o exemplo da morte do filho de uma colega do grupo, cujas despesas foram suportadas com o fundo da associação das peixeiras. Este acontecimento, recorda, foi um gesto que incentivou as vendedoras a aderir à agremiação.

Solidariedade

Avó Cecília é uma pessoa de grande coração nos seus actos. Presentemente, tem sob sua responsabilidade cinco filhos adoptivos, sendo duas raparigas com idades compreendidas entre 16 e 18 anos, e três rapazes, sendo um de 35 anos, com problema de cegueira. Em sua casa de quatro quartos, residem um total de 15 pessoas. Em 2021, recorda, ingressou na igreja Profética do Mundo, onde encontrou uma senhora viúva, mãe de 3 filhos, que viviam ao lado do templo, desprovidos das condições básicas.

A situação comoveu-a, e a convidou para passar a viver em sua casa, apesar do pouco rendimento que tinha. "Eu lhe disse que, onde comem os meus filhos, os teus também podem, então acolhi-a, com mais um casal de filhos órfãos que vivem comigo há mais de 10 anos.” Avó Cecília lamenta o facto de os jovens não estarem a dar seguimento aos estudos, há três anos, por falta de vaga e associado aos documentos de registo.

Avó Cecília, apesar da sua idade, tem como sonho construir uma casa para acolher crianças menores que circulam a mendigar nos vários pontos da província do Cunene, em consequência da fome e seca que afeta o sul do país.

Homenagem

Aquando da Edição provincial do Top dos Mais Queridos da RNA, em 2021, Avó Cecília recebeu um diploma de reconhecimento pelos seus feitos no empreendedorismo feminino. Segundo ela, foi surpreendida com o convite que recebeu da direção da RNA no Cunene. "Eu estava na igreja a dar o culto às mães da sociedade e vi a directora da Rádio a chegar, fui ao seu encontro. Ela disse que me vinha convidar para desfilar, representando a mulher negociante ao nível do Cunene. Foi muito gratificante para mim", confessou.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Sociedade