Sociedade

A mensagem positiva do Kuduro

Rui Ramos

Jornalista

Na música conhecido por “Stona, o Mensageiro”, António Miguel Francisco nasceu em Luanda no dia 27 de Julho de 1994, filho de Apolinário Domingos Francisco e de Vitória Miguel António.

07/04/2024  Última atualização 10H47
© Fotografia por: DR

"Vivemos em vários bairros de Luanda, porque os meus pais não tinham condições para aquisição ou construção de casa própria. Os meus pais faziam tudo para que tivéssemos uma vida melhor, mas foi muito difícil”, contou.

Um dos momentos tristes na infância, lembrou, foi a perda da irmã, que nasceu depois dele. "Deixou-nos muito abalados, porque morreu em circunstâncias muito tristes, precisamente por falta de sangue no hospital. Por isso, apesar de pequeno, eu já dava conta de algumas situações”, prossegue.

Em 2002, disse, mudaram de residência, pois, recorda, no espaço onde moravam, no bairro Huambo, em Luanda, o proprietário tinha vendido a casa, mesmo com eles a residirem nela. "Nem sequer fomos avisados por ele. Fomos surpreendidos pelo novo proprietário que deu o prazo de menos de uma semana para deixarmos o local”.

No Catinton, o novo destino, relembrou, não foi fácil encararmos as humilhações de viver numa casa de renda, dado o comportamento prepotente do senhorio. Apesar das dificuldades, avançou, os pais conseguiram-no colocar numa escola. Em 2018, concluiu o ensino médio na escola Monte Sinai, no Rocha Pinto, no curso de Ciências Físicas e Biológicas”.

O 2.º ano do ensino médio foi feito no período nocturno e apesar de muito arriscado, devido à insegurança, foi, para ele, desafiador. "Saía da escola às 22h e devido à enorme dificuldade de transporte, muitas vezes caminhava a pé até a casa, passando por zonas onde havia becos, com o risco de me deparar com delinquentes. Os meus pais não dormiam sem que eu chegasse a casa. Do mesmo modo que o irmão mais velho”.

António Miguel Francisco conheceu o mercado muito cedo, não para comprar alimentos, mas para vender e ajudar nas despesas de casa. "Vendia petróleo e auxiliava o meu irmão mais velho a vender bolachas e outros produtos que adquiria no mercado do Parque, no Rocha Pinto”.

Venda de discos

Em 2012, António Miguel Francisco acordava muito cedo, para ir comprar discos piratas no mercado do Kikolo e depois os vender no bairro. "Muitas vezes, perdia neste negócio, porque havia discos que vinham sem músicas e não tinha como trocar de volta, dada a distância. Quando voltava novamente ao Kikolo, nem sempre encontrava as pessoas que me vendiam os CD. No bairro, era muito conhecido fruto da venda de discos, porque éramos poucos no negócio.”

 
Carreira artística

"Tudo começou em 2013”, disse, ao recordar quando começou a cantar no estilo Kuduro. "Decidi seguir esta carreira, depois de tanto acompanhar o meu irmão, que fazia parte de um grupo musical. Ele foi a minha primeira fonte de inspiração, pela forma como cantava”, lembrou, acrescentando que a primeira música gravada foi "Diga não à droga”.

Um ano depois, tornou-se DJ, paixão que surgiu de forma espontânea no bairro. Por iniciativa do amigo Diniz Paulo Neto, DJ Dom K, passou a tocar e conseguiram, os dois, ganhar prestígio no bairro. "Depois comecei a cantar a solo durante anos e juntei-me ao grupo Dream Black Music. Juntos lançamos um EP, com estilos diversos. Mas, anos depois decidi voltar a cantar a solo.”

Hoje, como kudurista, destacou, tem dois sucessos: "Me dá uma ideia”, em que apela à população para não abraçar a prática do aborto, e "Malamba da Vida”, no qual fala de várias situações negativas que ocorrem actualmente na sociedade. "Com esta última música, fiquei em primeiro lugar, no ano passado, num concurso da rádio”, adiantou.

Para firmar o nome no mercado artístico, referiu, contou muito com o suporte da Mundu Line. "Agradeço muito o apoio de todos, pois sozinho não chegaria até este ponto. Não quero ser mais um. O sonho é ser um artista que marque a diferença e traga novidades ao público, com uma imagem positiva. Na vertente que sigo, tenho muitas referências, como Delero King, Dj Naile e Russo K”.

A mais recente música, revelou, já está disponível nas plataformas digitais, um tema feito em homenagem à mulher zungueira.

Em relação à discriminação como kudurista, António Miguel Francisco disse que já sofreu bastante e ainda continua, porque muitos pensam que por ser um individuo activo na Igreja não podia fazer este estilo. "Outros acham que o estilo é para marginais. Temos de mudar este conceito.”

Actualmente, avançou, há kuduristas com nível académico alto, que ajudam outros cidadãos a fazer a formação, que apostaram no empreendedorismo e levam a imagem de Angola lá para fora. "Por isso, valorizemos o estilo e criemos as bases para que seja um ritmo consumido a nível internacional”, apelou.

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