Sociedade

A sempre solidária Mamã da Damba

Rui Ramos

Jornalista

Tia Bela é exemplo de mulher lutadora que nunca virou a cara às dificuldades e afirma-se, hoje, como pessoa ainda não vitoriosa, mas sempre em busca do melhor, para si e aos necessitados

31/03/2024  Última atualização 09H54
© Fotografia por: DR

Natural da Damba, província do Uíge, no Bairro da Saúde, hoje conhecido como Bairro do Kinteka, Isabel Mafuta é filha de Mafuta Capitão, funcionária do Hospital de Santa Isabel. Tia Bela, como é conhecida pela boa gente da Damba, sofreu o primeiro golpe da vida com a morte do pai. Na altura, a mãe viu-se forçada a ir trabalhar como lavadeira no hospital local, para sustentar, sozinha, os dez filhos.

Hoje, com um sorriso sereno, conta que, cedo,  frequentou o espaço das irmãs da Misericórdia da Damba, até ir para Luanda, aos 17 anos, como aspirante na paróquia de Nossa Senhora de Fátima (São Domingos), de onde saiu em 1985, para viver no Bairro da Caop, em Viana, com a mãe e os irmãos.

Em 1986, Isabel Mafuta teve a primeira relação amorosa, de que resultou o primeiro filho. Mas o esposo faleceu e viu-se constrangida a travar duras batalhas para sobreviver. Actualmente, tem seis filhos, que a consideram como mãe e pai.

A leccionar o curso de Culinária e Pastelaria no Centro de Formação de Construção Civil, na Vila Chinesa, em Viana, Tia Isabel conta que começou a trabalhar, por indicação de Corina Jardim, directora do Instituto Nacional de Formação Profissional (INFOP), como activista cultural e de animação de pessoas com deficiência no Centro de Reabilitação Profissional de Viana. Corriam, na altura, os anos de 1990. As situações de deficiência eram extensas e graves e tia Isabel chegou a ter, sob responsabilidade dela, mais de 200 pessoas.

Porém, com o passar dos anos, a instituição teve de reduzir a força de trabalho e Isabel Mafuta viu-se desempregada, com quatro filhos, na altura. Para os sustentar, foi lavadeira e empregada de limpeza, até conhecer João António Júnior "J”, que lhe proporcionou um curso de Culinária e Pastelaria, no Hotel Alameda Escola.

Terminado o curso, Isabel Mafuta foi de novo para a luta e conseguiu, em 2002, ser admitida como ajudante de cozinha no Hotel Fórum, lugar em que viria a desistir por não ter transporte de casa para o local de trabalho.

 
Formadora de culinária

Em 2008, é aberto o Centro de Formação da Construção Civil na Vila Chinesa e aproveitando a ocasião entregou as credenciais, de que era formada em culinária e pastelaria e pretendia ser admitida como colaboradora pela direcção, que havia criado um curso aberto à comunidade.

Para ser bem capacitada, fez um curso de Pedagogia Formativa, no Centro de Formação de Formadores, e, assim, passou a formar pessoas da comunidade de Viana, Cazenga, Golfe 2 e da Calemba 2 nas artes de culinária e pastelaria. Hoje, o curso tem a duração de quatro meses e oferece um diploma final aos 60 formandos de cada ciclo.

 
Poupança para os filhos

Como não é esbanjadora, cada moeda que ganha com o esforço, revelou, é contada e sagrada para a educação dos filhos. Puxando os impossíveis para a área dos desafios, Isabel Mafuta mandou a filha Leonor Vissolela estudar em Portugal, onde esta se formou, em Setúbal, como Educadora Social. Até hoje, Isabel Mafuta não sabe explicar onde foi buscar o dinheiro, mas o grande objectivo foi cumprido e Leonor é professora-bibliotecária no Colégio Caju, em Talatona.

A Damba, terra de boa gente, é a menina dos olhos de Isabel, que sofre muito com a pobreza extrema das pessoas, especialmente dos jovens. "A Damba foi abandonada, sofreu muito na guerra e foi deixada à sua sorte”, disse.

 
Kimvuka kya ana ye akundi a ndamba

Para ajudar um pouco a diminuir as dificuldades, um grupo de filhos da Damba criou a Associação dos Amigos e Naturais da Damba (Kimvuka kya ana ye akundi a Ndamba), que tem ajudado, sempre que pode, as crianças, com alimentos e roupa. Isabel Mafuta diz que são poucos os que ajudam e não hesita quando se refere ao exemplo de Tony Sofrimento.

Isabel Mafuta desloca-se, frequentemente, à Damba, mas antes pede a quem possa que lhe entregue alimentos ou roupas para levar. Geralmente, o acto de entrega é em Cacuaco, onde enche o carro com pão "mata enteado” e depois vai distribuindo às crianças pela estrada.

No seu tempo de criança, recorda, a Missão Católica Feminina da Damba formava raparigas em Culinária e Costura. "Mas hoje esse centro feminino está abandonado, as meninas que são recolhidas nada fazem”.

As lágrimas invadem o rosto de Isabel Mafuta quando pensa nas crianças da Damba. "Precisam de batas, cadernos, lápis, livros e comida. Não têm nada, por isso pedimos ajuda”, balbucia, para depois falar do projecto, que ainda é só esboço, de reabilitação da Casa de Formação da Missão da Damba das Irmãs da Misericórdia, para que as meninas voltem a ter a possibilidade de estudar e de se formar.

"Em 2021, no dia 28 de Maio, dia do meu aniversário, ganhei uma festa surpresa dos meus filhos e da minha irmã - comadre - amiga - conselheira Isabel Dolorosa, e também consegui a minha casa, um sonho realizado. É um pequenino apartamento na Centralidade do Capari”, contou, lembrando com tristeza, que, no mesmo ano, o seu quarto filho foi assassinado pelo colega na unidade. "Isso deixou-me muito triste e com depressão. Até hoje, o caso ainda não foi resolvido”, lembrou.

As meninas da Damba estão sempre no centro das preocupações de Isabel Mafuta. "Continuo a lutar, estou a bater às portas da sociedade, para tirar as meninas da miséria. Escrevo cartas às instituições para pedir ajuda na reabilitação do centro de formação feminina das Irmãs da Misericórdia na Damba”, realça.

"Este é o meu grande sonho, por isso, peço apoio à OMA, fundação Ngana Nzeza, fundação Lwiny, vice-presidente do MPLA, Vice-Presidente da República, Primeira-Dama da República, à ministra Teresa Dias e a todas as entidades femininas para me ajudarem a ajudar aquelas meninas que tanto precisam e assim me sentirei realizada se conseguir a reabilitação do centro”, conclui.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Sociedade