Sociedade

Angola regista mais de mil casos de cancro por ano

Alexa Sonhi

Jornalista

A data foi institucionalizada a 4 de Fevereiro de 2000, por iniciativa da União Internacional de Controlo do Cancros (UICC), órgão afiliado à Organização Mundial da Saúde (OMS).

04/02/2024  Última atualização 09H21
Cirurgião oncologico Fernando Miguel, director do Instituto Angolano de Controlo do Cancro © Fotografia por: DR

O espelho sempre foi a atracção de Irene Pinto. Ela podia passar vários minutos a observar-se e nunca se aborrecia. Gostava dos seios dela arredondados, firmes e com mamilos pontiagudos. Nem a idade nem os quatro filhos que teve alteraram a boa forma dos seios.

Apesar de ter amamentado os quatro filhos até aos dois anos de idade, isso não a inibiu de sair de casa, várias vezes, sem sutiã, pois a firmeza e beleza dos seios davam-lhe segurança.

Entretanto, aos 40 anos, Irene Pinto começou a sentir algumas picadas no seio direito, que se intensificavam durante o período menstrual. Ela ignorou os sinais, convencida de que o corpo da mulher tende a comportar-se de forma diferente em alguns momentos.

Dois anos depois, o seio direito começou a ficar dorido e maior em relação ao outro. Foi nesse momento em que o esposo a aconselhou a ir a um médico. Como vivia no bairro Rangel, em Luanda, dirigiu-se ao Hospital Américo Boavida, onde foi observada e encaminhada ao Instituto Angolano de Controlo do Cancro (IACC).

No IACC, Irene fez vários exames, incluindo mamografias e anatomia patológica. Num período de 15 dias, recebeu o diagnóstico final: cancro da mama em estágio dois.

Irene Pinto, que não aceitou ser fotografada, conta: "O meu mundo desabou naquele momento. De repente, tudo ficou escuro, as coisas começaram a girar e senti que estava a morrer. Fiquei fora de casa por uma semana – sem especificar por onde andou -, não conseguia comer, só chorava, porque estava convencida de que morreria logo, deixando meus filhos ainda pequenos".

Com o apoio da família, principalmente do esposo, Irene aceitou a doença que, até hoje, lhe causa sofrimento. Ela seguiu a medicação à risca e, para evitar que o câncer se espalhasse pelo corpo, teve que fazer o que mais temia.

"Eles retiraram os meus seios, aquilo que sempre tive de mais lindo no meu corpo. Minha vaidade acabou. Hoje, uso enchimento no sutiã, mas pelo menos continuo viva para cuidar dos meus filhos, apesar de não ter mais seios", lamentou com lágrimas nos olhos.

Irene Pinto lutou por quase oito anos contra a doença e, apesar de praticamente ter vencido o câncer, continua a fazer consultas de acompanhamento no IACC a cada três meses, para evitar que a doença ressurja, pois, muitas vezes, isso acontece.

Cerca de 10 milhões de pessoas morrem no mundo

Assim como Irene Pinto, muitos pacientes com câncer sobrevivem quando a doença é diagnosticada precocemente, nos estágios um e dois, e quando o protocolo de tratamento é seguido até ao fim.

No entanto, infelizmente, isto não é o que acontece com a maioria dos pacientes, como revela o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), que aponta cerca de 10 milhões de pessoas que morrem todos os anos devido a diferentes tipos de cancro.

De acordo com os dados da OMS, o continente asiático lidera a lista, com cerca de 50% do total mundial. Ao todo, a Ásia concentra 9,5 milhões de casos de cancro diagnosticados, seguido pela Europa, com três milhões de novos casos resultando em 1,3 milhões de mortes por ano.

No continente africano, onde está Angola, os números também são alarmantes. Cerca de 1,1 milhão de novos casos de cancro ocorrem todos os anos, resultando na morte de cerca de 700.000 pessoas.

Segundo a OMS, os cinco tipos de cancro mais comuns são os da mama, pulmão, colorretal, próstata e pele.

Instituto de Controlo do Cancro precisa de mais 200 médicos

O Instituto Angolano de Controlo do Cancro (IACC) precisa de mais 200 médicos para atender à demanda de pacientes de todas as províncias do país, em busca de tratamento para várias doenças oncológicas. O apelo foi feito pelo director-geral do hospital durante a entrevista concedida ao Jornal de Angola por ocasião do Dia Mundial do Câncer, que se comemora, hoje.

Segundo Fernando Miguel, actualmente, o IACC conta apenas com 35 médicos para atender cerca de 500 pacientes que procuram a unidade diariamente.

O director do IACC explicou que esses profissionais estão divididos nas áreas de oncologia clínica, clínica, radio-oncologia, cirurgia oncológica, onco-pediatria, anatomopatologia, hemato-oncologia, psico-oncologia e dosemetristas. Ressaltou que, por ser a única unidade do país a tratar doenças oncológicas, há necessidade de mais profissionais nessas áreas para que o trabalho seja feito de forma mais eficiente, evitando as listas de espera, que, por vezes, agravam o estado dos pacientes.

Também mencionou que o tratamento do câncer é principalmente ambulatorial, onde o paciente faz quimioterapia ou radioterapia e volta para casa, sendo internados, apenas, os casos mais graves. O IACC tem capacidade para 71 camas, e quando todas estão ocupadas, alguns pacientes são internados no Hospital Josina Machel ou no Hospital do Prenda, como parte de uma parceria existente entre as unidades de saúde.


Mais centros de tratamento

Aquele responsável referiu que faz parte do plano do Executivo a construção de mais centros oncológicos pelo país. Luanda vai ganhar outra unidade do género no município de Cacuaco. Também vai ser construído um hospital oncológico regional nas províncias de Cabinda, Huíla, Huambo e Malanje. Tudo isso está em consonância com o Plano de Desenvolvimento Sanitário do país, com o objectivo de se evitar que os pacientes com cancro se desloquem longas distâncias em busca de tratamento médico, que por regra é demorado, levando de cinco a 10 anos.


País com taxas muito altas da doença

Assim como outros países do mundo, Angola continua a registar taxas muito altas da doença. O director-geral do IACC, Fernando Miguel, afirmou que, dos 1.500 novos casos de câncer diagnosticados, anualmente, pelo Instituto, cerca de 80% já chegam nos estágios três e quatro, onde pouco ou quase nada pode ser feito para os salvar.

Fernando Miguel, que é cirurgião oncológico, explicou que, dos 1.500 novos casos de cancro, a liderança é da mama, com 25%, seguida pelo colo do útero, com 19%, e pela próstata, com 7% dos casos, em adultos.

Em relação às crianças, o médico oncológico destacou que os tumores de retinoblastoma (olho), rim, leucemias (cancro da medula óssea), linfomas (câncer do sistema linfático) e tumores de sistema nervoso central lideram a lista.

O director-geral do IACC também explicou que, dos 1.500 novos casos de cancro detectados, 150 são crianças que já estão em tratamento em uma área específica para cânceres pediátricos.

Sobre a demanda no IACC, Fernando Miguel informou que o instituto atende, em média, cerca de 500 pacientes por dia, entre doentes e aqueles que aparecem pela primeira vez para fazer rastreio.

 
Medicamentos

Fernando Miguel explicou que o IACC nunca registou falta de medicamentos, tanto comprimidos quanto máquinas de quimioterapia e radioterapia. Todos os pacientes que precisam têm beneficiado desses recursos.

Vale ressaltar que o tratamento do cancro é caro e prolongado, geralmente, leva de cinco a 10 anos para que o paciente seja curado. Com tanta demanda de pacientes vindos de todas as partes do país, a instituição, que tem tanta procura, depende exclusivamente do Orçamento Geral do Estado.

O director do IACC frisou que o tratamento do cancro, na sua maioria, é feito em regime de ambulatório. As pessoas recebem a medicação no hospital, no caso das quimioterapias e radioterapias, e depois vão para casa. Apenas os casos graves são internados, e a instituição tem capacidade para internamento de 71 camas.

 
Número de óbitos

Questionado sobre o número de mortes causadas pelo câncer, Fernando Miguel respondeu que, em média, o IACC regista um óbito por dia. Além disso, acrescentou que há a problemática do abandono no tratamento, cuja taxa ronda os três por cento.

"Isso tem aumentado as chances de muitos casos terminarem em óbito. Por isso, é meta desta unidade oncológica formar ativistas que ajudem a disseminar a informação na sociedade, para que as pessoas tenham o hábito de fazer rastreio, mesmo sem ter sinais da doença, porque o combate ao cancro não pode se limitar aos profissionais de saúde", disse o médico.

Segundo Fernando Miguel, do ponto de vista da conscientização da população sobre a doença, "o país está mal". A par disso, acrescentou que, além das unidades de saúde, todos devem estar envolvidos para se evitar que o número de casos aumente.

 
Definição da doença

O cirurgião oncológico define o cancro ou tumor maligno como o conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células que se dividem rapidamente. Essas células agrupam-se formando tumores, que invadem tecidos e podem invadir órgãos vizinhos e até distantes da origem do tumor, processo conhecido como "metástase" e a principal causa de morte por cancro.

Fernando Miguel explicou que há mais de cem tipos diferentes de cancro que afectam os seres humanos, mas nem todos os tumores são cancerosos ou malignos. Existem também os tumores benignos, que não se espalham pelo corpo.

De acordo com o médico oncológico, ao contrário de vírus como o HIV, que tem pouca variação, o cancro não é assim. Nesta doença, as células não herdam necessariamente as mesmas características da célula-mãe.

"À medida que as células vão se proliferando, ganham volume e apresentam características diferentes das células num mesmo paciente. Portanto, se elas forem diferentes, é pouco provável que um único tratamento consiga atacar todas elas. Daí ser muito difícil curar um caso já avançado de cancro", alertou o médico.

 
Prevenção e sintomas

O director do IACC aconselha as mulheres em idade fértil a fazer o exame de Papanicolau para verificar o estado do seu colo do útero, caso tenham a infecção pelo vírus HPV (Vírus do Papiloma Humano), que é transmitido por via sexual. A doença pode ser tratada quando diagnosticada cedo, evitando, assim, o desenvolvimento do cancro. Daí a importância de ter apenas um único parceiro sexual para se evitar a transmissão deste vírus.

Fernando Miguel informou que, em breve, o Executivo vai disponibilizar, nos hospitais, a vacina contra o HPV, que previne o cancro do colo do útero. Esta vacina é administrada às meninas dos nove aos 14 anos de idade.

O cancro tem como sintomas o surgimento de uma massa cancerígena, sangramento anormal, tosse prolongada, perda de peso inexplicável, mudança nas funções intestinais, entre outros.

O Dia Mundial do Cancro foi criado em 4 de Fevereiro de 2000, por iniciativa da União Internacional de Controlo do Cancro (UICC), órgão afiliado à Organização Mundial da Saúde.

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