Economia

Canal do Cafu ajuda a atenuar efeitos da estiagem no Cunene

Elautério Silipuleni | Ondjiva

Jornalista

A ausência prolongada de chuvas que se verifica, este ano, em quase toda a província, ameaça as colheitas de cereais da presente campanha agrícola 2023 -2024

23/04/2024  Última atualização 08H16
Ao longo da vala, predominam cultivos como tomate, beringela, pimenta, feijão e milho © Fotografia por: Edições Novembro

O abastecimento para rega e dar de beber aos animais com água do Canal do Cafu estão assegurados em zonas dos municípios de Ombadja, Cuanhama e Namacunde limítrofes à vala, que possui uma extensão de 160 quilómetros. A infra-estrutura consegue armazenar até 30 mil metros cúbicos de água e, actualmente, está à volta de 75 por cento da sua capacidade máxima, quantidade mais do que suficiente, no dizer de especialistas, para um perímetro de rega de 133 hectares, onde predominam culturas como  tomate, beringela, pimenta, feijão e milho, e trabalham mais de 53 agricultores.

Mas, a província não se  deleita por igual. A ausência prolongada de chuvas que se verifica este ano, em quase todo o território do  Cunene, está a ameaçar  as colheitas de cereais da presente campanha agrícola 2023/2024 em toda a região, com grande realce aos municípios de Curoca, Cahama, Ombadja e Cuanhama.

Na localidade de Lupembe, comuna do Humbe,  a 40 quilómetros da vila de Xangongo, município de Ombadja, os dias são de sol escaldante.

Estamos virados para o Sul, sentados em  bancos  construídos com desperdíçio de pele de boi.  Henriques Mbwale aponta o dedo para o céu.  "Ainda temos um pouco de forças para trabalhar a terra e não dependermos apenas do que os nossos filhos nos dão, mas infelizmente a natureza muitas vezes parece estar contra nós, é um esforço em vão”, disse o camponês de 60 anos, dono de uma lavra  de três hectares, que este ano tinha planos para colher tomate, cebola, milho e massango,

E nem mesmo os meses de Janeiro e Fevereiro, propícios a excelentes colheitas, foram de bonança para este camponês com seis  empregados. "Não caiu chuva suficiente e a lavoura ficou comprometida. Dos três hectares consegui lavrar cerca de um e meio, mas grande parte do campo não germinou”, explicou. "Assim que lancei a semente à terra, a chuva sumiu”, acrescentou com o sobrolho franzido.

"De Novembro a Dezembro lancei algumas sementes à terra, mas não se desenvolveram e muito menos atingiram a floração”, lamenta Segunda Hamuyo, camponês da mesma localidade, a comuna do Humbe.

O grito de socorro chega também da comuna de Nehone. Artur Jorge, camponês nessa localidade, pertencente ao município de Cuanhama, evocou que além da fraca colheita, há também falta de água para o gado. "As represas para retenção não acumularam água, o que vai repercutir  negativamente   na vida da  população do campo e dos seus animais”, atira desconsolado.

 
A infestação de pragas

Uma desgraça nunca vem só. A sabedoria popular portuguesa encaixa-se perfeitamente na situação que está a ser  vivida no Cunene. Além da seca que assola a província, uma nova calamidade se veio adicionar: a infestação de pragas, destacando-se o matrindindi, besouro discoidalis e a lagarta.

Com o intuito de reduzir os danos, o Governo local implantou equipas de combate às pragas nas áreas mais afectadas, especialmente contra o matrindindi, utilizando técnicas de controlo biológico.

Nas comunidades de Humbe e Mucope, a praga do matrindindi é endémica e, nos últimos anos, se espalhou para as áreas fronteiriças ao município da Cahama. Enquanto isso, no Curoca há relatos de lagartas e outros gafanhotos não voadores.

Henriques Mbwele, dono de mais de 45 hectares de terras, destacou que este ano a sua produção foi baixa devido à irregularidade das chuvas. "O pouco que consegui produzir está  a ser  prejudicado pela praga do matrindindi, o que pode comprometer a safra toda”, disse o agricultor de Lupembe, Humbe.

Jeremias Ndapela, outro agricultor, mas da comunidade de Mukope, também viu as  suas plantações a serem invadidas pela praga. "A maioria das lavras da região está  a ser afectada pelos insectos”, desabafou. A situação já perdura há quatro semanas. As autoridades agrícolas de Ombadja estão a mobilizar recursos para combater o problema, receosos de que  assuma proporções alarmantes.

Durante a reportagem do Jornal de Angola era evidente a correria dos agricultores para salvar o pouco de cereal remanescente nas plantações e evitar a perda total da produção. "Os insectos estão  a atacar dia e noite as plantações”, afirmou Ndapela.

 
Mitigação

A Direcção da Agricultura, Pecuária e Pescas está actualmente a  implementar um plano que envolve a mecanização da preparação dos solos, a aquisição oportuna de sementes e outros equipamentos para garantir a segurança alimentar local.

Além disso, prevê estabelecer protocolos de parceria com institutos de investigação agronómica e académica, com foco na pesquisa, ensino e extensão, visando promover actividades de teste de variedades de culturas de ciclo curto para determinar a adaptação ao meio ambiente e à qualidade dos solos diante das mudanças climáticas na região e mitigar a escassez alimentar. A aquisição de uma área ao longo do canal  do Cafu para um campo experimental e demonstrações de técnicas agrícolas, bem como o incentivo aos peque- nos produtores para participarem em projectos-piloto de crédito para motocultivadores dentro dos pacotes financiados pelo FADA, são outros pontos-chave em destaque para levar a cabo.


 
Carlos José
"Cerca de 40% da área cultivada nesta safra está comprometida”

Qual é a percentagem da área cultivada já comprometida?

Aproximadamente 40% da área cultivada, nesta safra, está comprometida, devido à escassez de chuvas, temperaturas elevadas acima do normal, resultando em alta evapotranspiração, juntamente com a infestação de pragas, principalmente o matrindindi, besouro discoidalis e lagarta.

 

Qual era a previsão de colheita para este ano?

A previsão de colheita para esta temporada agrícola era de mais de 278.683,28 toneladas de diversos produtos, mas devido à seca haverá um impacto negativo na produção.

 
Quantas famílias já foram prejudicadas até à presente data?

Durante a II Reunião Ordinária do Governo Provincial do Cunene destaquei que, devido às precipitações irregulares, mais de 151.286 famílias, que dependem da tracção animal, nos municípios do Curoca, Cahama, Ombadja e Cuanhama, foram prejudicadas.

 
Que outros factores contribuíram para a  fraca colheita?

Atraso na recepção das sementes de massango, massambala, feijão e milho.

Além da escassez de chuva, os agricultores estão a enfrentar também o problema da infestação de pragas.
As safras serão significativamente menores. Até agora, os danos são incalculáveis e podem aumentar, já que não houve registos de chuva para solucionar a situação. Muitas famílias camponesas plantaram em áreas elevadas, sem acesso a sistemas de irrigação.

 
Há, também, quem defenda a diversificação e a introdução de novas culturas. Concorda?

Com certeza. Especificamente, a mandioca e a batata-doce são sugeridas como fontes alternativas de alimentação e resistência às mudanças climáticas. Além disso, apoia-se a facilitação do financiamento para actividades agrícolas dos agricultores locais, bem como o aumento dos serviços de extensão rural para compartilhar conhecimentos e novas tecnologias. Isso se dá no contexto da expansão das Escolas do Campo de Agricultores (ECAAs), implementadas pelo IDA e parceiros, com projectos co-financiados por SREP, FRESAN, FAO e CODESPA.

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