Sociedade

Cancros do olho e do rim: doenças que afectam muitas crianças

Especialistas em oncologia pediátrica alertam os pais para redobrar a vigilância e procurar pela assistência médica tão logo verifiquem algo anormal na criança

05/03/2024  Última atualização 12H35
Instituto Angolano de Controlo de Câncer recebe pacientes provenientes de várias províncias © Fotografia por: Maria Augusta | Edições Novembro

Augusta, de dois anos, tem cancro de Retinoblastoma(olho), vive em Saurimo, província da Lunda-Sul. Tudo começou com uma mancha na vista, que a mãe pensou tratar-se de uma simples nódoa. A família fez os primeiros socorros com medicamentos caseiros, sem resultados. Foi assim que decidiram ir ao hospital, onde lhe foram receitadas gotas que, infelizmente, fizeram a vista piorar, tornando-se vermelha.

O médico assistente, preocupado, viu que não era coisa simples e mandou fazer alguns exames, dos quais resultou como diagnóstico o cancro do olho. Imediatamente, Augusta foi transferida para o Instituto Angolano de Controlo de Câncer, em Luanda, único que pode atender a patologia.

Em Luanda, a pequena foi internada, por causa da gravidade que os olhos apresentavam (inflamação).

Passados cinco meses, começou a fazer quimioterapia, tendo já efectuado dois ciclos, faltando outros dois para completar a etapa.

Augusta está com o tio, à espera que chegue o dia da cirurgia para regressar a casa. A mãe deu à luz há cerca de dois meses e não pode continuar a apoiar filha, mas está a par do estado da pequena.    

 
Retinoblastoma

Já o menino Bartolomeu, de 11 anos, proveniente da província do Bié, veio com a mãe e uma irmã mais nova, que ainda depende do leite materno. Deu entrada no ano passado com um diagnóstico de tumor ocular. Depois de uma biópsia, que consistiu em retirar um pedacinho do olho, confirmou-se que se tratava de um cancro do olho, denominado retinoblastoma.

A chefe do serviço de Oncopediatria do Instituto Angolano de Controlo de Câncer (IACC), Dália Santos, disse que o Retinoblastoma é um dos cancros mais frequentes na instituição. Em relação a Bartolomeu Samisinga, informou que o menino cumpriu, com sucesso, os quatro ciclos de quimioterapia e tem programada uma consulta no IONA(Instituto Oftalmológico Nacional de Angola), para ser avaliado.

A especialista esclareceu que Bartolomeu chegou com perda da visão e a conduta cirúrgica seria a enucleação do globo ocular (retirada dos olhos). "O menino Bartolomeu vai fazer a cirurgia para retirar o olho direito, porque perdeu a visão, e, posteriormente, usar uma prótese e óculos". 

 
Cancro do rim

Sónia, de 4 anos, tem cancro do rim. Começou com um inchaço no lado esquerdo, no ano passado. A mãe, Eugênia Sebastião, conta que pensou que tivesse caído e ignorou por alguns dias. Levou a filha ao hospital por causa da diarreia que não passava. O médico pediu que fizesse alguns exames e notou que alguma coisa não estava bem nos resultados. Solicitou uma TAC (Tomografia Computorizada) urgente para comprovar o que suspeitava.

Passados dois meses, a inflamação aumentou e a menina não conseguia pôr-se em pé. Voltou ao hospital, onde foram feitos mais exames,  resultando no diagnóstico do cancro do rim.  Foi transferida de urgência para o IACC, onde começou a fazer o tratamento.

No dia 7 de Agosto do ano passado, foi operada, com a remoção do rim, recebendo alta depois de um mês.

Alguns dias depois, voltou ao hospital para continuar o tratamento (quimioterapia), porque o cancro criou ramificações. Segundo a mãe, Eugénia Sebastião, tudo está a correr bem.

 
Doenças silenciosas

A médica interna de Oncologia Pediátrica do Instituto Angolano de Controlo de Câncer(IACC), Melitta Máquina, disse que as doenças de foro oncológico são consideradas perigosas e silenciosas. Alertou os pais para redobrar a vigilância aos pequenos sinais que a criança venha a apresentar e procurar pela assistência médica, tão logo verificarem algo anormal.

"Para os casos de Retinoblastoma (tumor no olho) as crianças são encaminhadas para o Instituto Oftalmológico de Angola (IONA), onde são avaliadas e depois mandam para nós. Fazermos os exames e se ainda estiver na fase inicial, verificamos se ainda há a possibilidade de retirar o olho e depois continuamos com o tratamento, mesmo quando há alteração cerebral”.

No caso de Augusta, explicou que o tumor já se encontra num estádio avançado, denominado "estádio 4”, devido ao tratamento caseiro feito na província de origem (Lunda-Sul). Referiu que, enquanto faziam o tratamento caseiro, houve infiltração do nervo óptico cerebral.

A menina, esclareceu, ficou internada por três meses. Teve alta em Dezembro, voltou em Janeiro com convulsões, como consequência da infiltração cerebral e estava internada para a estabilização clínica.

"Tendo em conta a gravidade da paciente, que tem o cérebro afectado, tudo pode acontecer, porque quando a ramificação das células compromete o cérebro e o sistema nervoso central, é delicado”, reconheceu.

Melita Máquina explicou que a paciente está a responder bem ao tratamento, teve baixa da hemoglobina, vómito, diarreia, como efeitos colaterais da medicação a que está a ser submetida. "Tendo em conta a condição social, preferimos mantê-la aqui para continuar a ser avaliada e manter a estabilização do quadro clínico”, esclareceu.

Sobre a menina Sónia, que tem cancro de Neuroblastomas (rins), a médica disse que respondeu bem ao tratamento, por isso fez-se a operação, retirando-se o rim, enquanto prossegue com o tratamento. Actualmente, regista-se uma progressão da doença, porque o tumor ramificou-se até aos pulmões. "É uma criança que também inspira cuidados, mas, a família solicitou um relatório médico para ir para o exterior do país. Neste momento, está internada por causa da anemia, enquanto fica à espera para ir acabar o tratamento fora do país”, informou a médica, alertando que o "paciente oncológico não se considera totalmente curado”. "Pode ter cancro numa outra parte do corpo, precisa de ser acompanhado constantemente", sublinhou.


Aumento de casos

A directora Clínica do IACC, Isabel Sales, considerou preocupante o aumento do cancro do olho e do rim, que são os tumores que mais predominam nos pacientes dos zero aos cinco anos, que chegam ao hospital.

No ano passado, disse, registaram-se 30 casos. A maioria dos pacientes procurou ajuda no estado avançado da doença. "Muitos chegam com olhos no nível crítico e expostos à perda de visão”, lamentou.

"Dificilmente sobrevivem. Vêm ao Instituto no estágio quatro, o último da doença. Fazemos de tudo para reduzir  o excesso da massa para terem acesso à cirurgia, mas, infelizmente, muitos não resistem e acabam por morrer", disse.

Segundo a directora Clínica, não se sabe, ao certo, a causa do cancro em crianças. Nos adultos, esclareceu, existem muitos factores de risco, como fumar, excesso de álcool, estilo de vida e, em alguns casos, a hereditariedade, em menor percentagem, e as causas ambientais.

 
Sinais do cancro do olho

Os sintomas do tumor do olho, explicou, começam por afectar a retina, que é a responsável pela visão. A mãe nota que as vistas da criança começam a perder a coloração, como se tivesse olho de gato. A área mais escurecida, frisou, começa a ficar esbranquiçada, e, à medida que o tempo passa, começa a progredir, até afectar o sistema nervoso central, o que pode levar à cegueira. "O tratamento, às vezes, é a extracção do olho”, disse.

 
Cancro do rim

Segundo a médica, o  Neuroblastomas (Wilms ou Rim) é um tumor abdominal. A mãe, ao dar banho à criança, percebe que tem uma massa dura no abdómen, sendo confundida, muitas vezes, com baço.

A directora clínica esclareceu que a Oncopediatria tem capacidade de internar 21 crianças.

O tratamento do cancro, disse, é cirúrgico, dependendo da localização e do tamanho da lesão. "Estamos a falar da quimioterapia e da radioterapia, que são os procedimentos que podem ser direccionados para reduzir os tumores e encaminhar para as cirurgias", informou.

A médica criticou comportamentos de algumas famílias influenciadas por terapeutas tradicionais e algumas seitas religiosas, que levam ao abandono do tratamento, alegando que há doenças que não são tratadas em hospitais. "Muitos acabam por ir à revelia e não voltam para acabar o tratamento”, lamentou.

"Temos pacientes internados e que a família pede para ter alta, levam para casas escuras(recurso à feitiçaria), igrejas, etc. Procuramos influenciar, sensibilizar sobre as consequências que podem advir dos seus actos, mas sem sucesso", lementou a directora clínica.

Áreas do Instituto

O IACC conta com os serviços de Oncologia Clínica, que trata os tumores malignos no adulto,  Cirurgia Oncológica, que vela pela cirurgia de todos os tipos de cancro,  Psicologia, que dá o suporte psicológico aos familiares, pacientes e funcionários, Radioterapia, responsável pelo tratamento de radiação ionizante, Imagiologia, onde são feitos diferentes exames, Ecografia, Raios X, TAC, Mamografia, Patologia,  que dá o diagnóstico do cancro através das biópsias, e o serviço de Oncopediatria, destinado ao tratamento dos tumores pediátricos.

Na fase infantil, segundo Isabel Sales, os cancros mais frequentes são as Leucemias, Linfomas Retinoblastomas, tumores do sistema nervoso central, Neuroblastoma (Wilms), Ósseos, mas o que predomina é o tumor do olho (Retinoblastoma) e do rim (Wilms).


Sandra da Silva e Madalena Quissanga

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