Reportagem

Dia das mulheres na ciência: Conheça as medidas do Executivo para incentivar a participação das meninas

Engrácia Francisco

Jornalista

Engenheira Joana Bulica, 31 anos, assessora para a Área Comercial do Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional (GGPEN), começou a desenvolver paixão pela investigação científica no início da vida académica

11/02/2024  Última atualização 09H32
© Fotografia por: Maria Augusta | Edições Novembro

A engenheira Joana Bulica, 31 anos, assessora para a Área Comercial do Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional (GGPEN) e mestranda em Serviço de Aplicações Espaciais, em França, conta que tudo começou na infância.

Enquanto dava os primeiros passos no mundo académico, começou a desenvolver paixão pela investigação científica. Para a menina, na altura, tudo que tivesse a ver com disciplinas exactas, era o ideal para se estudar.

"Desde bem novinha que tive queda por disciplinas como Matemática, Química e Física. Por isso, sempre desejei trabalhar em áreas que envolvessem essas cadeiras”, lembrou.

Além da curiosidade, a engenheira afirmou que sempre gostou de investigar, de forma a unir o natural ao científico. "Na medida que fui crescendo, comecei a empolgar-me cada vez mais com a ideia de conhecer melhor o que são e como funcionam os planetas, como os satélites artificiais vão parar no espaço e outras coisas mais ligadas à ciência espacial”, declarou.

 
A oportunidade

A Ciência Espacial sempre foi o seu maior sonho. Como não existem instituições de ensino que leccionam especificamente o curso, Joana Bulica teve de se formar em Engenharia de Telecomunicações na Universidade Católica de Angola (UCAN). "A nível dos programas curriculares não encontramos Engenharia Espacial como tal, por isso tive de fazer Engenharia de Telecomunicações”, disse.

Com a abertura do Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional (GGPEN), em 2014, avançou, surgiu a esperança da realização de um sonho.

Prontamente, Joana Bulica candidatou-se para ocupar uma das vagas disponíveis no GGPEN. A jovem acabava de terminar a licenciatura em Engenharia de Telecomunicações com um trabalho final ligado aos satélites. "Estava com um bom projecto, ligado a satélites de telecomunicações e foi então que me candidatei para fazer parte dos quadros do GGPN. Depois do processo de recrutamento, fui seleccionada e comecei, desde então, a fazer parte do grupo de profissionais”, recorda.

 
Dificuldades

Questionada sobre as dificuldades que encontrou por ser mulher, num universo maioritariamente dominado por homens, Joana Bulica explicou que desde o início da formação académica encontrou alguns empecilhos que, com trabalho e dedicação, soube ultrapassar.

"Hoje, temos uma sociedade cada vez mais aberta e disposta a aceitar e ceder os direitos da mulher, a sua emancipação no mundo e, principalmente, na profissão, porque temos as capacidades necessárias para desempenhar bem as funções, independentemente da área”, assegurou.

 
Ganhos

A engenheira disse que, com o lançamento do satélite de telecomunicações, o Angosat 2, uma peça chave para o desenvolvimento tecnológico, o país conseguiu posicionar-se a nível de África, enquanto nação que também está na área espacial. "Com isso, estamos a criar uma estrutura bem consolidada para, no futuro, podermos ser uma Agência Espacial, promovendo e agregando cada vez mais a sociedade no crescimento da indústria espacial angolana”, defendeu.

E acrescentou: "É um orgulho fazer parte do grupo de profissionais que operam os primeiros satélites no país, isso mostra que a nossa dedicação valeu a pena”, declarou, orgulhosa. Por outro lado, Joana Bulica avançou que o trabalho que exerce exige muito cuidado e profissionalismo. "A profissão exige, de nós, muito profissionalismo e concentração, mas fomos bem preparados e formados para garantir o sucesso na operacionalidade e venda dos produtos do Angosat 2”, garantiu. Joana Bulica acredita que para se atingir os objectivos, é necessário engajar as instituições de ensino, envolvendo os estudantes na criação de pequenos satélites, para a posterior virem a funcionar como os de grande dimensão.

"A criação de pequenos satélites não é tão dispendiosa e isso facilita o aprendizado do estudante”, sublinhou, acrescentando que alinhados ao Programa Espacial Nacional (PEN), o Executivo poderá pensar na criação de universidades, inserção de cadeiras e cursos específicos no plano curricular.

O GGPEN, ressaltou, tem a missão, também, de trabalhar em colaboração com as universidades, a fim de promover a educação espacial, através de palestras.

 
Ultrapassar as limitações

O que mais marcou a entrevistada, enquanto profissional, foi o facto de ter conseguido ultrapassar as limitações com o inglês e conseguir a vaga para fazer parte do GGPEN.

"Acabava de concluir a licenciatura na Universidade Católica de Angola e falava um inglês intermédio. Na altura, para as candidaturas de ingresso ao GGPEN, era necessário ter o inglês mais avançado”, conta.

Joana Bulica revelou que aquela foi uma fase difícil, pois teve de estudar a dobrar para superar as limitações que a impediam de realizar o sonho. "Foi um dos momentos mais difíceis, porque se não tivesse conseguido ultrapassar as minhas limitações com o inglês, não teria conseguido passar no teste. Com foco e determinação hoje vejo o meu sonho realizado. É importante não desistir, por mais duro que pareça ser”, encorajou.

 
O dia-a-dia

No GGPEN, enquanto assistente de vendas, Joana Bulica disse que o mundo espacial era uma completa novidade, sendo que vinha de uma área da Engenharia que não estava directamente ligada à espacial.

"Já tínhamos a base, mas foi necessário que tivéssemos os ensinamentos ligados à área espacial, para podermos engrenar em algo que era completamente novo e o GGPEN vai fazendo formações contínuas com empresas estrangeiras, para melhor capacitar os técnicos”, disse.


Maior inserção da juventude na Ciência

De acordo com Joana Bulica, o GGPEN é a única entidade a nível nacional que lida com questões espaciais. Porém, há um programa de capacitação que visa promover a ciência espacial a nível das escolas e outras instituições, de forma a preparar os estudantes. "O foco tem sido incentivar os estudantes, dando a conhecer que, em Angola, existe a entidade que cuida da área espacial e se quiserem especializar-se no assunto, será uma mais valia, a fim de fazer crescer o ramo”, sublinhou.

O GGPEN, em colaboração com as instituições de ensino, tem programas para desenvolvimento de pequenos satélites e, assim, incentivar as meninas a fazerem parte, para começarem a trilhar o caminho para, no futuro, virem a ser profissionais nesta área. "Devemos pensar em investir e criar instituições de ensino que abordem especificamente a ciência espacial”, recomendou a jovem engenheira.

 
Oriunda de uma família de engenheiros

Ainda no GGPEN, o Jornal de Angola foi à conversa com a assistente estratégica do director-geral da instituição, a engenheira Solana Saldanha, de 33 anos.

A entrevistada contou que, além da paixão que sempre teve pelas novas tecnologias, vem de uma família de engenheiros. "Para fazer Ciência, é necessário ter dom e paixão pelo que se faz, talvez também por estar sempre rodeada de pessoas que faziam Engenharia, como o pai, a mãe e alguns tios, fui enveredando por aí”, disse.

Formada em Engenharia de Sistemas de Comunicação, na Inglaterra, Solana Saldanha trabalha no GGPEN desde 2016, porque sempre sonhou estar na área das tecnologias e inovação.

"Sou amante de inovação, não consigo ficar parada num único sítio. Gosto daquilo que traz melhorias, procuro sempre optimizar o que for, por isso apaixonei-me pela Engenharia”, revelou.

Solana Saldanha afirmou que quem está na área da Ciência deve procurar sempre inovar. Por exemplo, disse, o ramo da Gestão do Programa Espacial requer muita dedicação e pesquisa. "Ficamos noites sem dormir, realizando pesquisas para conseguir implementar um projecto, porque também estamos a aprender e melhorar a cada dia. Portanto, não é uma área difícil, apenas desafiadora”, assegurou.

A engenheira disse que o facto de ser mulher nunca a impediu de realizar os seus sonhos. "Os ‘não’ que recebi ao longo da minha trajectória fizeram-me chegar até onde estou agora, por isso toda a pedra no nosso caminho deve ser transformada em nova oportunidade”, enfatizou.

Solana Saldanha recorda que, depois de concluir a licenciatura no exterior, ao pedir emprego numa empresa prestadora de serviços na área de telecomunicações, lhe foi recusado o pedido por ser mulher. "O entrevistador ainda gozou comigo, disse que precisaria de limpar antenas e por ser mulher não ia conseguir fazer isso”, conta, acrescentando que ao entrar no GGPEN, o primeiro cargo que ocupou foi o de manutenção de antenas. "Fiz isso sem problema nenhum. Comecei como operadora de projectos, a seguir assistente da área de projectos espaciais e agora estou como assistente estratégica, no gabinete do director-geral”, revelou.

Conselhos

Por isso, acrescentou, aconselho as mulheres e meninas a não terem medo dos seus sonhos. "Sabemos que a complexidade das ciências exactas nos assusta um pouco, mas é necessário tentar, porque tudo se aprende”, apelou. "Se é o que realmente quer, com determinação e  força de vontade se consegue chegar lá. Enquanto mulheres, não somos incapazes, encontramos algumas barreiras ao longo da caminhada profissional, principalmente para aquelas que decidiram constituir família, mas é possível fazer as coisas”, garantiu.

Sonho de engenheira

Delmerita de Carvalho, 50 anos, licenciada em Engenharia Electrónica e Telecomunicações pela Universidade Agostinho Neto, ocupa o cargo de chefe de Departamento de Massificação, Inclusão e Conteúdo Digital do Instituto Nacional de Fomento da Sociedade de Informação (INFOSI).

Natural da província do Cunene, a engenheira conta que desde pequena sonhava em ser engenheira. "Enquanto criança, fazia carros de lata e aviões de papelão com rodas de lata de leite. Fui sempre muito curiosa”, disse.

Sobre o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, Delmerita de Carvalho contou que, enquanto frequentava a 8ª classe, tinha um professor cubano de Física que a inspirou a continuar com o sonho. "O professor leccionava a disciplina de forma espectacular, com experimentos, por isso passei a gostar de Electricidade”, revelou.

Para dar sequência aos estudos, na altura, ela pretendia estudar no Instituto Médio Industrial de Luanda (IMIL), mas não foi possível. "A idade mínima era 16 anos, mas eu só tinha 15 anos, por isso tive de estudar Ciências Exactas num Instituto Politécnico e depois seguir Engenharia na Faculdade”, explicou.

 
Trajetória

Depois de ingressar no INFOSI, em 2006, no extinto INATEL(Instituto Nacional de Telecomunicações), área de VSAT precisamente no Centro de Operações da HUB SkyEdge 1, em 2016 aconteceu a fusão do INATEL e CNTI e surgiu o INFOSI. "Tive a sorte de estar numa equipa de trabalho que privilegia a competência. Portanto, com dedicação, disciplina e compromisso tenho tido o reconhecimento dos meus colegas”, sublinhou.

De acordo com Delmerita de Carvalho, o mercado da Ciência e Tecnologia está numa dinâmica de inovação constante, por isso é necessário à profissional desta área capacitar-se através de formações e certificações. "Já há mulheres de mérito de elevada competência. Precisamos de mais mulheres que abracem a carreira, façam testes vocacionais para definição do perfil e, com certeza, estarão no caminho certo”, sublinhou.

Actualmente, continuou, existem profissionais no país de elevada competência. Tem-se notado de forma progressiva e igualitária mais oportunidades e meritocracia para as mulheres, o que é uma grande valia para a igualdade de género.

"O Executivo tem criado, cada vez mais, condições estruturais para o ingresso de mulheres no mercado da Ciência e Tecnologia. Temos bons exemplos de mulheres a serem formadas nas melhores universidades do mundo, no âmbito de um programa do Executivo com periodicidade anual. Mas, ainda é necessário que se crie, no início do ciclo formativo, metodologias educacionais para incentivo das mulheres nas áreas das Ciências Exactas, bases necessárias para que haja profissionais preparadas para a demanda”, concluiu.


Sobre a data

O 11 de Fevereiro foi instituído pela UNESCO e pela ONU-Mulheres como Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, com o objectivo de fomentar o papel de mulheres e meninas na Ciência.

A efeméride foi formalizada, mais tarde, através da Resolução 70/212 da Assembleia Geral das Nações Unidas, a 22 de Dezembro de 2015.

O dia destaca o papel importante que as mulheres têm na produção de conhecimento científico e a sensibilização da sociedade  para a importância de derrubar barreiras, impostas pela desigualdade entre géneros no acesso à educação e carreiras, na área das Ciências Exactas.

A igualdade de género é uma prioridade global da UNESCO, e o apoio a jovens meninas, a sua formação e habilidades plenas para fazer com que as suas ideias sejam ouvidas, impulsionam o desenvolvimento e a paz.

Executivo promove iniciativas para aumentar o acesso à educação

A ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria do Rosário Bragança, afirmou que o Executivo angolano tem em curso várias medidas para apoiar a participação das mulheres na Ciência, com iniciativas que visam aumentar o acesso à educação, quebrar os estereótipos do género e proporcionar oportunidades de orientação.

A governante, que discursava na sexta-feira, durante o acto central alusivo ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, que hoje se assinala, reconheceu que persiste a desigualdade de género na Ciência. Defendeu, por isso, ser necessário avaliar os resultados e impacto desta desigualdade, para reformular ou criar novas medidas.

Maria do Rosário Bragança considerou as mulheres cientistas como modelo inspirador para meninas e jovens mulheres. Aconselhou, por isso, as mulheres a prosseguirem os seus estudos e carreiras nas áreas das Ciências de Tecnologia e Engenharias de Matemática, desafiando os estereótipos e preconceitos que ainda limitam a participação das mulheres naquelas áreas.

Segundo a ministra, a "sub-representação das mulheres na Ciência” é, por um lado, um sério obstáculo à promoção do progresso e do desenvolvimento sustentável em vários sectores, assim como um sinal de alerta e de reforço da necessidade de se promover uma maior inclusão das mulheres nos processos de tomada de decisão e nos papéis de liderança na comunidade científica.

De acordo ainda com Maria do Rosário Sambo, capacitar as mulheres para a ciência não é apenas uma questão de justiça, mas também fundamental para desbloquear todo o potencial da investigação científica e maximizar o seu impacto na sociedade.

A ministra revelou que dados da Organização das Nações Unidas indicam que, em 2018, em todo o mundo, 33 por cento dos investigadores científicos eram mulheres.

Luísa Victoriano | Malanje   

A efeméride, considerou, constitui uma oportunidade para mostrar as contribuições das mulheres para os progressos na Ciência, Tecnologia e Inovação.

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