Sociedade

Fazenda da Esperança proporciona “nova vida” a toxicodependentes

Carla Bumba

Jornalista

A Fazenda da Esperança, do grupo Esperança Viva (Gev), uma entidade afecta à Igreja Católica, trabalha no acolhimento e reabilitação de pessoas com histórico de dependência química.

17/02/2024  Última atualização 09H25
Familiares e candidatos que aguardam vagas na Fazenda participam em palestras para aprenderem como lidar com a situação © Fotografia por: Paulo Mulaza| Edições Novembro
A organização, com o principal estabelecimento na província do Huambo, tem representações noutras províncias e alguns países africanos, através de vários grupos de apoio.

Na Fazenda da Esperança, as pessoas por reabilitar recebem o nome de fazendeiros e depois de completamente reabilitadas, passam a ser designadas de ex-fazendeiros.

É o caso de Nerivaldo Napoleão, residente em Luanda, que esteve internado na "Fazenda da Esperança”, durante um ano, e contou a sua experiência.

"Entrei na Fazenda da Esperança em 2022 e saí a 17 de Dezembro 2023. Vou completar um ano e dois meses livre do mundo das drogas, concretamente drogas e roubos”, explicou.

Ele conta que a fazenda é uma experiência digna de existência e encorajamento. Ao chegar, foi recebido com abraços fraternos, que há muito tinha deixado de viver.

"No princípio, eu tinha a ideia de que a fazenda era um local apenas denominado como tal, mas posto no espaço, vi que era literalmente uma fazenda, porque o que nós plantávamos e colhíamos era o que servia para a nossa alimentação”, reconheceu.

Na fazenda, aprendeu a viver o amor na primeira pessoa. Quando sentia a falta de algo, tinha sempre alguém para partilhar, até mesmo um simples diálogo, o que considera "muito importante para o processo de ressocialização”. "Fui ganhando esses benefícios que já tinha perdido há bastante tempo. Isso foi muito gratificante para mim. Graças a Deus, livrei-me daqueles vícios todos que tinha”, admitiu.

 Coordenadora regional

A coordenadora regional do grupo Gev em África, Amélia Ucuahamba, informou que a organização trabalha na recuperação de famílias e cidadãos que se encontram no mundo da droga ou vivem com depressão e outros males que levam a pessoa a perder o sentido da vida.

"Essa preparação pode ir de um a três meses,  porque é um processo que leva a pessoa a conhecer profundamente o papel e objectivos da fazenda”, sublinhou.

Nesses três meses, disse, os candidatos que se preparam para entrar na fazenda são submetidos a testes clínicos e depois,  dependendo das vagas, ingressam no estabelecimento.

O Grupo Esperança Viva (Gev), acrescentou, tem representações nas províncias de Luanda, Bié, Benguela, Cuanza-Sul, Malanje, Moxico, Cabinda, Huambo e Huíla.Além da cidade de Benguela, o Gev também está no Lobito.

Neste momento, disse, 30 jovens de Luanda estão preparados para ingressar na  Fazenda, no Huambo, depois de terem passado pelos testes.

Amélia Ucuahamba apelou às famílias cujos parentes estejam numa das unidades da Fazenda da Esperança, em recuperação, para continuarem nas reuniões com o Gev, a fim de aprenderem como lidar com a situação, após o regresso do familiar.

Drama de um pai

Falando sob o anonimato,  o pai de Júlio Zua, que neste momento se encontra na Fazenda da Esperança, na província do Huambo, contou que foi há um ano que a família descobriu que o filho era toxicodependente.

"Devido a alguns comportamentos, quando lhe chamassem à atenção por alguma falha, em casa, ficava todo bravo e respondia de forma muito agressiva”, explica o progenitor.

Contou ainda que, quando o filho furtou um valor muito avultado em casa e comprou uma motorizada, a família pensou que poderia ter sido um mal que viria para o bem, ao alegar que precisava de ser empreendedor.

"Conversámos tanto com ele, pensando que ele iria mudar completamente com a utilização da motorizada como ganha-pão”, lembrou. "Para nosso espanto”, prosseguiu, "depois de alguns dias, assaltou a casa do vizinho e, a partir dali, as coisas complicaram-se”, lamentou.

"Um belo dia conversei com um amigo que também tinha um filho nas mesmas condições e falou-me do grupo Gev, procurámos a organização e passámos a frequentar”, indicou.

O pai de Júlio Zua acrescentou que ele e a esposa começaram a frequentar o grupo em Agosto do ano passado e, depois de três meses, conseguiram a vaga para o filho ingressar na Fazenda da Esperança.

"No ano passado, o grupo realizou um retiro”, prosseguiu. "Eu participei para conhecer a fazenda e ver como está o meu filho e encontrei-lhe numa fase de adaptação”, lembra.

Adolescentes preparados para aderir

António Mateia, 15 anos, pretende deixar de consumir drogas e andar com más companhias. Por isso, os familiares procuraram o grupo Gev  para enviar o filho à Fazenda da Esperança.

"Estou nesta vida do mal há três anos. Quando comecei, tinha oito anos e  aos 10 anos parei por um período. Aos 13 anos retomei. Já roubei várias vezes em casa, mas, graças a Deus, nunca entrei numa cela”, disse.

O adolescente garante que está determinado em sair dessa vida, tendo aconselhado os outros adolescentes e jovens na condição de dependência química, a evitar vícios que,  como disse, "só nos levam a perder a família e, na maioria das vezes, a vida”.

Oportunidades perdidas

Severino Wasso, pai de cinco filhos, perdeu várias oportunidades na vida por causa do alcoolismo. A família fez de tudo, mas chegou uma altura que decidiu lavar as mãos para ver se ele deixava, por si próprio, a vida de alcoólatra.

"Não conseguia ficar um dia sem consumir álcool”, contou, tendo reforçado que "todos os dias, depois do serviço, procurava sempre uma cantina para beber”. "Cheguei a um ponto em que era a bebida que tomava conta de mim”, reconheceu.
O álcool fez-lhe perder a memória e planos para com a própria família.

Decepção amorosa leva ao alcoolismo

Joana Pascoal, de 28 anos, andou no mundo do alcoolismo devido a uma decepção amorosa. Teve um relacionamento durante muitos anos e, de repente, o noivo terminou tudo. Joana Pascoal não viu outro caminho e inclinou-se para o vício do álcool. Todos os dias que saía do serviço, passava por bares e roulottes, com o pretexto de enfrentar a situação por que passava. "Os meus familiares chamaram –me à atenção, mas eu não lhes dei ouvidos, porque achava que estava a fazer a coisa certa. Nós que estamos neste caminho pensamos que tudo o que fazemos é certo, mas não é. Por mais que eu desse um tempo, uma semana depois voltava a recair novamente no álcool”, revelou.

Hoje, Joana Pascoal assume que precisa de ajuda e procura formas de se candidatar à fazendeira, para o processo de reabilitação.

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