Sociedade

Irmã Generosa Canguya: Fazer o bem em Cacuaco

Rui Ramos

Jornalista

Generosa Canguya nasceu há 70 anos no Catetele, Luvemba, Bailundo, filha de Daniel Sikungila e de Francisca Namaletu, camponeses.

31/03/2024  Última atualização 09H21
© Fotografia por: DR

Estudou na Missão Católica do Bimbe das Irmãs do Santíssimo Salvador e em 1970 foi para a então cidade de Nova Lisboa como aspirante da congregação. Mais tarde, por indicação da Congregação, a sua formação religiosa prosseguiu em Portugal e em França e em 1977 professa, deixando de ser noviça.

Irmã Generosa, como é conhecida, permaneceu quatro anos em França para receber formação, e em 1979 regressa a Angola para ser colocada na Comunidade da Praia do Bispo e depois no Dondo, onde fez votos perpétuos, em 1984. Passa por Porto Amboim e depois é transferida para a Paróquia de S. Paulo, em Luanda. Em 1998, há 26 anos, Irmã Generosa reconsidera a sua escolha e decide deixar a Congregação, depois de 22 anos, para abraçar um projecto de acolhimento de crianças órfãs e abandonadas. Obtida a autorização da hierarquia da Igreja Católica, Irmã Generosa ruma para Cacuaco onde inicia, na Ecocampo, em 1999, a sua obra, recebendo as primeiras meninas em situação crítica.

A primeira criança, de 12 anos, foi-lhe trazida pelo pai, após falecimento da esposa, que o deixou com oito filhos em situação desesperada.

A partir daí não mais parou de receber raparigas órfãs, abandonadas ou de famílias com graves carências económicas.

O Lar de Acolhimento da Vidrul, a que chamou Lar da Nazaré, fundou-o num quintal há oito anos e aí passaram a viver 70 raparigas vindas do Huambo, de Malanje, de Benguela, de Viana, do Bengo e até de Ndalatando.

Não é fácil às famílias, na zona da Vidrul, pôr os filhos a estudar pois a oferta em escolas públicas é diminuta. Então Irmã Generosa meteu mãos à obra e edificou a Escolinha de São Francisco Xavier, ainda não reconhecida pelo Ministério da Educação por ser construída com chapas.

Consciente de que a sua obra devia alargar-se à comunidade, irmã Generosa lançou, a pedido das mamãs do bairro, a alfabetização para adultos. Mas não ficou por aí, as mamãs não tinham possibilidade de manter os filhos nos colégios e pediram à Irmã Generosa que criasse uma escola no Lar. E aí está a escolinha, desde 2020, a funcionar com 13 turmas, que neste momento funciona da pré à nona classe.

Ao lado da escola de chapa está em construção uma escola de blocos de cimento, mas as obras são muito lentas e parecem "eternas” por falta de dinheiro. A pressão para acolher durante o dia crianças da comunidade na escola é muita, há pais que chegam a tirar os filhos das outras escolas para os mandar para a Irmã Generosa, cujo sonho são seis salas de aula até á décima classe para apoiar as crianças da comunidade. E a Irmã Generosa sorri quando nos informa que três meninas acolhidas já frequentam o terceiro ano da Faculdade e uma entrou este ano no Ensino Superior.

A escola é a preocupação primeira da irmã Generosa, mas também a formação profissional. Muitas raparigas já saíram do lar e construíram as suas vidas, algumas estudaram em universidades, mas falta neste momento um projecto de formação profissional. Mas também há dificuldades de inserção, há meninas com idades superiores a 18 anos ainda no lar, sem conseguirem um emprego.

"O INAC obriga a que os centros de acolhimento não podem ter jovens com idades superiores a 18 anos, mas estas meninas foram acolhidas por nós ainda crianças, não têm família, para onde as vamos enviar?”, pergunta, preocupada.

A saúde das raparigas acolhidas é também motivo de atenção da Irmã Generosa. "Quando uma menina adoece, o que é habitual, o lar não dispõe nem de medicamentos nem de transporte para um hospital”, refere. O apoio é dado pelo longínquo Centro de Saúde de S. Lucas, na Paróquia de Santo António, em Kifangondo, propriedade dos Padres do Verbo Divino. Também na saúde Irmã Generosa tem um projecto, um Centro Médico, mas a construção está dependente de financiamento.

O auto-sustento do Lar da Nazaré não é fácil. "Um terreno agrícola que tinha na Funda e que dava apoio ao Lar em produtos do campo, foi-me retirado pelo Ministério da Agricultura e entregue a um empresário”, recorda, pesarosa.

Quantas vezes a irmã Generosa acorda e pergunta: «O que vou dar de comer às meninas que não têm pai nem mãe?», mas ela diz que ergue os olhos para o céu e aparece sempre uma alma caridosa a bater no portão com alguma ajuda, "mas as doações são mais frequentes na época de Natal, no resto do ano parece que as pessoas se esquecem de quem necessita”, lamenta.

As 32 meninas abandonadas, órfãs ou de famílias muito pobres que habitam no Lar da Nazaré brincam e circulam no grande quintal à espera das aulas, indiferentes aos problemas que fizeram crescer muitos cabelos brancos na cabeça de Generosa Canguya. Parece um mundo pequeno, aquelas camaratas onde cabem os sonhos dos inocentes, a cozinha de onde vem um aroma que nos faz crescer água na boca, até aquela hortinha lá no fundo do quintal de onde sai algum alimento para que aquelas almas cresçam de forma equilibrada.

Mas o Lar da Nazaré não acolhe só meninas. Neste momento acolhe também cinco rapazes, dos seis aos 12 anos, porque andavam sem rumo, abandonados, e a Irmã Generosa recebeu-os. 

Irmã Generosa deixa um último apelo: "Não menos importante do que as doações em alimentos e vestuário, a escola precisa de mesas e cadeiras, e as meninas precisam de vestuário e de material escolar.”

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Sociedade