Sociedade

Jovem da Kibala lutou contra a adversidade e fez licenciatura

Rui Ramos

Jornalista

Lucinda Hebo Manuel Miguel nasceu em 1992, há 32 anos, na Kibala, província do Kwanza-Sul, quarta filha de Luis Miguel Sabalo, técnico de análises clínicas, e de Maria Manuel, professora rural. Por motivo da guerra, Lucinda Miguel foi forçada, ainda muito jovem, em 1998, a viajar para Luanda, acompanhada das suas tias e irmã mais velha.

16/03/2024  Última atualização 12H05
Lucinda Hebo Manuel Miguel © Fotografia por: Edições Novembro

A vida na Kibala, naqueles tempos, era muito difícil e instável, as populações viviam amedrontadas e encurraladas pela guerra. Em Luanda, Lucinda Miguel ficou 3 anos, entregue pela família ao acolhimento de outra família que a tornou empregada doméstica para todo o serviço, com apenas seis anos.

A jovem Lucinda Miguel era forçada a vender fardos, além de receber constantes maus tratos e impedida de estudar. Lucinda Miguel não podia regressar à casa paterna não só devido à guerra, mas também à pouca idade e ao isolamento a que estava confinada em Luanda.

Mas um dia apercebeu-se de que o pai estava em Luanda, onde viera comprar uma bicicleta. Então foi ajudada a procurá-lo, numa paragem de autocarros, às escondidas da senhora que era a sua patroa, num momento em que fazia o serviço doméstico, pelo qual não recebia qualquer remuneração. Era 2001 e o pai de Lucinda Miguel regressava à Gabela. "Entrámos em muitos autocarros à procura do meu pai, eu tinha 9 anos, estava desesperada e chorava muito sem a minha família", lembra Lucinda Miguel.  "Descoberto" o progenitor num autocarro, este insistiu que Lucinda Miguel devia permanecer em Luanda por causa da guerra. A "patroa", ao ver que Lucinda Miguel tinha "fugido" de casa, foi à sua procura ao terminal de autocarros. "A senhora entrou no autocarro para convencer o meu pai a deixar-me em casa dela, mas mudou de ideias, com raiva, e entregou-me uma sacola com poucas peças de roupa." Assim, Lucinda Miguel parte para a Gabela, com 9 anos, e lá frequenta a 2ª e a 3ª classes nas escolas das Capelas/Templos, "porque não havia possibilidade de estudar em escolas com melhores condições".

  Em 2003, com o abrandamento da guerra, os pais decidiram voltar para a Kibala, terra natal, onde Lucinda Miguel teve a oportunidade de frequentar a 4ª classe numa escola da Missão Católica, mas, devido às sequelas da guerra, não havia carteiras, janelas nem quadros. As crianças sentavam-se em latas e bancos rudimentares e estudavam como podiam, sem material escolar. A escola ficava a mais de 3 quilómetros da aldeia Cabezo onde a família vivia. "Eu percorria a pé todos os dias mais de 6 quilómetros para ter acesso à educação." Na classe seguinte, a distância aumentou. As quintas classes eram leccionadas na sede municipal, e da aldeia para lá eram 12 quilómetros. "Mas como eu queria estudar, sempre fui persistente e era pontual, sempre no quadro de honra." Devido à distância, os pais decidiram comprar um pequeno terreno na cidade e aí construíram dois minúsculos e rudimentares anexos. "Aos 12 anos eu, acompanhada pelo meu irmão de 14 anos, abandonámos a casa dos pais para vivermos longe, nesses anexos." Na altura, a zona era deserta e Lucinda Miguel e o irmão foram os primeiros a habitá-la.  Continuando a frequentar a 6ª, 7ª e 8ª classes, terminando estas classes, Lucinda Miguel decide dar novo rumo à sua vida. Lucinda, desde muito cedo frequentava a igreja, onde integrava o Grupo dos Vocacionados.

Em função do grupo frequentado, em 2008, com 16 anos, decide ir viver no município do Balombo, na casa das Irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, onde frequentou a 9ª classe, com o objectivo de terminar lá o ensino médio.  Mas no município só havia PUNIV e Lucinda Miguel, em 2009, é transferida para Luanda para encontrar uma escola em que os cursos não fossem PUNIV. "Acordámos às 3h da manhã e chegámos ao local ás 4h e as inscrições tiveram início às 9h." Lucinda Miguel inscreveu-se na escola ICRA, fez o teste e ficou aprovada, frequentando o ensino médio em Luanda, sozinha, de 2009 a 2012, no último ano sempre com classificações no "quadro de honra" e então surgiram duas oportunidades de trabalho, uma no CICA-Conselho das Igrejas Cristãs em Angola, e outra no INP-Instituto Nacional dos Petróleos. Lucinda Miguel opta pelo CICA, e no ano seguinte ingressa no Instituto Superior João Paulo II da Universidade Católica de Angola, onde concluiu a licenciatura em Serviço Social. Durante os quatros anos de licenciatura, esteve sempre no "quadro de honra" e trabalhou sempre no CICA.

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