Sociedade

O drama de quem perdeu parente devido à insuficiência renal crónica

Alexa Sonhi

Jornalista

Catarina Nvuila perde uma filha de 33 anos de idade, em Dezembro de 2023, um ano depois de ser diagnosticada com a doença e começado com as sessões de diálise no centro de tratamento do Hospital Militar Principal

17/03/2024  Última atualização 10H03
Em Angola, existem cerca de três mil pessoas a fazerem hemodiálise, o que lhes permite ter uma vida normal, apesar da doença exigir muitas restrições © Fotografia por: Edições Novembro

Rosa Bartolomeu tinha 33 anos, casada, mãe de seis filhos, profissionalmente, tudo corria muito bem. Ela era responsável de uma dependência bancária na província do Uíge, onde vivia com a família de forma calma e feliz.

A par destas responsabilidades, "Rosita”, como era carinhosamente chamada, também fazia alguns negócios, a fim de ter o suficiente para cuidar de toda a família porque, além dos filhos, ela também ajudava a mãe a cuidar dos quatro irmãos, tendo em conta que a progenitora era viúva e desempregada.

Era Rosita que sustentava a casa da mãe, desde a comida, roupa, escola e outras necessidades da família. Pelo dinamismo e determinação de cuidar da família, a mãe, Catarina Nvuila, chamava-a de "o meu marido”, e era um verdadeiro pilar da família.

Bonita, simpática e dona de gargalhadas contagiantes, Rosa Bartolomeu estava no auge da vida pessoal e profissional quando se começou a perceber, de que, alguma coisa não ia bem no seu corpo.

"Por vezes, sentia muita dor de cabeça e tonturas. Mas, pelas ocupações que tinha e a alegria que proporcionava na família, foi levando a vida como se nada estivesse  a acontecer”, contou Catarina Nvuila.

E como doença não se guarda, aos poucos, os sinais foram se intensificando a ponto de Rosa Bartolomeu ser internada de urgência no hospital municipal do Uíge. Depois de vários exames, foi-lhe diagnosticada hipertensão arterial.

Apesar de cumprir à risca a medição para controlar a tensão, os níveis não baixavam e o quadro foi se agravando a cada dia. Com medo, a família achou por bem transferi-la para Luanda, onde foi internada no hospital Militar Principal.

24 horas após o internamento, descobriu-se que Rosita tinha insuficiência renal crónica, acabando por ser indicada para sessões de hemodiálise no centro de tratamento da mesma unidade.

Sem saber explicar como as coisas se agravaram tão rápido em apenas um ano, Rosita viu a vida terminar sem ter tempo de lutar por ela, com tanto dinamismo, como estava acostumada.

Às 23 horas do dia 24 de Dezembro de 2023, Rosita não resistiu, faleceu, vítima de insuficiência renal crónica, deixando muita dor e pesar a mãe, irmãos, marido e aos seis filhos, estando o último com apenas dois anos.

"Perdi o meu pilar. Nunca tinha ouvido falar dessa doença, foi tudo muito rápido, a minha filha emagreceu, tinha muitos soluços, mas não podia lhe dar muita água porque os rins já não funcionavam. Ficava inflamada quase sempre. Sofreu muito, apesar de ter sido uma pessoa muitao boa”, lamentou a mãe com lágrimas nos olhos.

 
Taxa de mortalidade vai de 18 a 20 por cento

Em Angola, a taxa de mortalidade por insuficiência renal crónica é de 18 a 20 por cento, de acordo com o presidente do Colégio Angolano de Nefrologai da Ordem dos Médicos de Angola, José Malanda.

José Malanda explicou que a doença é silenciosa e, geralmente, quando dá sinais, é porque já está num estágio avançado, isso nos níveis quatro e cinco. Mas se a patologia for diagnosticada cedo e começar-se logo com o tratamento, a chance de viver por muitos anos é grande. É o caso de Alberto Pascoal, de 60 anos, tem a doença há mais de 15 anos e faz as sessões de hemodiálise no centro de tratamento do hospital do Prenda.

Alberto Pascoal descobriu que tinha a doença quando ficou internado no hospital Américo Boavida, porque os níveis de diabetes estavam altos. Ao fazer vários exames, descobriu-se que os rins já estavam comprometidos a 95 por cento.

Também sem saber como tudo começou, diz que não sentia nada que indicasse insuficiência renal crónica, até ter os níveis de açúcar no sangue tão altos e ser obrigado a fazer uma bateria de exames.

"A minha vida mudou completamente. Devido à doença, fui despedido na empresa, em casa eram muitas brigas que acabei por me separar da esposa, vivo de favores em casa do meu irmão, aqui mesmo no bairro Prenda, só para não perder as sessões de diálise”, lamentou.

Alberto faz as sessões três vezes na semana, a partir das seis horas da manhã, e está nessa rotina há mais de 15 anos. Por vezes, com o agravar da situação fica internado cinco dias ou mais. 

"Mas, como nos últimos dias estou mesmo a cumprir com as orientações dos médicos, nunca mais internei e, graças a Deus, estou a sobreviver. Alguns colegas que não tiveram a mesma sorte, acabaram por morrer, mas, graças a Deus ainda estou aqui”, sublinhou.


Centro do hospital do Prenda atende 400 doentes

A semelhança de Alberto Pascoal, muitas pessoas vivem com insuficiência renal, há anos, porque foram diagnosticadas cedo e, também, começaram com o tratamento, ao cumprirem rigorosamente todas as restrições impostas pelos médicos podem viver muitos anos.

A chefe do Serviço de Hemodiálise do hospital do Prenda, Lígia Lima, em entrevista ao Jornal de Angola, disse que, actualmente, a unidade controla 400 pacientes renais, deste número, três são crianças, estando a mais nova com 15 anos.

Lígia Lima explicou que, dos 400 pacientes que o Centro assiste, a maior parte tem insuficiência renal crónica. E o número tende a crescer porque, todos os dias, chegam novos doentes, provenientes de várias unidades hospitalares da capital do país.  Neste momento, acrescentou a médica, estão internados 17 doentes, quase todos muito jovens, porque, ao chegar ao serviço de Nefrologia, têm logo necessidade de fazer hemodiálise.

Questionada sobre os motivos que levam muitos pacientes jovens a entrar logo no sistema de diálise, a nefrologista disse que ainda não se fez um estudo prévio para se descobrir as reais causas.

"Mas creio que, na base, estará alguma doença intrínseca ao rim, por não ter sido diagnosticada e tratada atempadamente, evolui para insuficiência renal crónica, um quadro completamente irreversível”. Lígia Lima frisou que, além dos pacientes renais crónicos, o centro também assiste os doentes renais agudos, que com apenas duas semanas ou até um mês de hemodiálise, o quadro é reversível, voltam à sua vida normal.

A título de exemplo, disse, são os doentes que desenvolveram insuficiência renal causada pela malária, disfunção múltipla de órgãos, sepses ou no pó cirúrgico. Nesse caso, prosseguiu, depois de algumas sessões de diálise, habitualmente recuperam-se.

Segundo a médica, a literatura diz que os indivíduos que desenvolvem insuficiência renal aguda, a posterior, dependendo em parte dos factores de risco, podem desenvolver doença renal crónica.

 A chefe do serviço de Nefrologia do hospital do Prenda sublinhou que os pacientes renais crónicos devem ter restrições, tanto alimentares como líquidas, para se evitar a retenção dos líquidos no organismo.

"Porque, como os rins já não funcionam bem ou não exercem função alguma, fica difícil retirar estes líquidos sem o processo de diálise. Eles fazem o tratamento três vezes na semana, logo, a quantidade de líquidos a serem ingeridos deve ser bem doseada para que o organismo aguente até à próxima sessão”, acentuou.

 Por isso, prosseguiu Lígia Lima, a abordagem do doente renal crónico deve ser sempre multidisciplinar, estando envolvidos o nutricionista, para dar apoio às restrições hídricas e alimentares, e os psicólogos, que ajudarão a cuidar as emoções dos pacientes.

 A especialista em Nefrologia realçou que, depois de receberem o diagnóstico, muitos pacientes são despedidos na empresa, são descriminados pela família, inclusive, muitos são postos na rua, passam por várias dificuldades, que muitas vezes são apoiados pelos profissionais do centro, para se alimentarem e apanhar o táxi.

Lígia Lima explicou que, para o tratamento, os doentes renais são divididos em dois grupos e em dias pares, que são segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, e nos dias ímpares que são terça-feira, quinta-feira e sábado. Todos fazem três sessões por semana, totalizando 12 por mês. As mesmas começam às 6 horas da manhã e duram quatro horas, o que lhes permite ter uma vida saudável e normal, apesar da doença ser crónica e exigir muitas restrições.

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