Opinião

O nosso local de trabalho deve ser lugar de felicidade e não de frustração

Kumuenho da Rosa

Jornalista

Em Angola, como em muitos países do mundo, o 1º de Maio é feriado nacional e costuma ser celebrado com marchas e comícios, em que se fazem discursos reivindicativos de direitos dos trabalhadores. Não é uma data qualquer.

30/04/2024  Última atualização 06H40

É o dia em que todos os que lutam pela melhoria das condições laborais devem, como se costuma dizer, parar para pensar. É o dia em que se recomenda a reflexão sobre o que ainda falta fazer - e faltará sempre- para melhorar o ambiente laboral.

Espero que em Angola esse ano não seja diferente. Tal como em Portugal, no Egipto ou na China, as reivindicações pela melhoria das condições laborais são parte desta data. 1.° de Maio sem reivindicações é como casamento sem noiva.

Por isso, as centrais sindicais, os sindicatos de uma forma geral, devem mostrar-se, sob pena de perderem a confiança dos trabalhadores e, com isso, verem esfumar-se a legitimidade para os representar perante a sociedade e em particular o patronato.

Mas, não são somente marchas e comícios que costumam marcar o dia 1º de Maio. Costuma-se também realizar reuniões, palestras e seminários onde se debatem como melhor defender os direitos dos trabalhadores, e como melhor interagir com os patrões, que, é preciso dizer-se, não são inimigos, tampouco adversários dos sindicatos.

É normal que estejam em posições opostas à mesa das negociações, mas são parceiros, na medida em que, em tese, a satisfação de um beneficia o outro.Mas também, desde que se começou a confundir trabalho com emprego, cargo com profissão e ofício com função, o 1º de Maio tende a perder o significado e o simbolismo. Do protesto de Chicago que sensibilizou o mundo em 1886, só ficou a história.

Patrões e sindicatos parecem navegar por outras ondas. Na cabeça de muito boa gente, o 1º de Maio já é só feriado nacional. As pessoas estão mais preocupadas em saber se faz ponte - quando o feriado calha numa quinta ou terça-feira-, para uma escapadela num qualquer lugar distante, onde possam esticar as canetas…

Se fizer ponte é uma festa. Dá pra ir mais longe. Esquecer-se um bocado do engarrafamento infernal ou da seca que é aguentar a fila do autocarro. Queria dizer machimbombo, mas corria o risco de não ser compreendido. Queria mesmo chamar machimbombo, aos autocarros que vemos circularem em Luanda, porque é assim que se parecem.

Não importa a qualidade da frota, se é ou não do último grito de uma marca de prestígio internacional, com ar condicionado e bancos em couro almofadados, quando a gestão não serve o propósito de garantir transporte público para quem precisa.

Supostamente, os autocarros fazem parte de um sistema de transportes públicos, que se quer funcional e ao serviço dos cidadãos. Mas, se é para andarem abarrotados, como latas de sardinha, ou pura e simplesmente sumirem no período das 16 às 18h30, que é quando muitos trabalhadores terminam a suas jornadas e têm que ir para casa, então fica mesmo só já machimbombo...

É preciso perceber que se os autocarros funcionarem de forma regular, de dia e de noite, que é como devia ser, os trabalhadores teriam menos um motivo para reivindicar, os patrões menos uma despesa e o Estado menos uma dor de cabeça.

O mesmo com os hospitais onde o Estado põe lá os medicamentos e alguém se recorda que eles também fazem falta na sua farmácia ou no posto de saúde, e depois não há vacinas no sistema público, que era suposto ministrar em crianças e mães grávidas, por exemplo.

A verdade é que, enquanto tivermos dificuldade em ligar uma coisa com outra, será mais difícil compreendermos o esforço de cada um, especialmente do Estado. É disso que tem faltado nas negociações sobre as condições laborais. Os representantes dos trabalhadores não podem ter dúvidas sobre a vontade legítima dos patrões, principalmente se for o Estado, de ver atendidas as reivindicações e superadas as diferenças.

É preciso saber pôr as cartas na mesa. E normalmente, em política perde aquele que não souber gerar a melhor percepção sobre si e sobre aquilo que faz. O Estado gasta uma pipa de massa para garantir serviços públicos como saúde, educação, comunicações e de segurança, mas precisa de saber transformar esses gastos em investimento, para daí gerar capital reputacional. E isso não tem sido feito ou talvez esteja a ser feito mas de forma deficiente.

Talvez seja também por isso que o 1º de Maio passou a interessar tanto a pessoas que são completamente estranhas aos movimentos trabalhistas. Uma coisa é aquele que trabalha, apesar de perder o emprego, mas sai em busca de nova oportunidade. Outra coisa é aquele que tá nem aí…, o chamado kunanga. Para quem não sabe, kunanga é aquele que não trabalha, por opção.

Para melhor ilustrar, permitam-me tomar de empréstimo a personagem Man Kiko, o Imbumbável, do grande Sérgio Piçarra. Aquele que passa horas e horas à sombra de uma árvore e não tem pressa nem preocupação com nada. Pronto, kunanga é tipo o Man Kiko. Agora, imaginem o Man Kiko preocupado, quase em desespero, por causa do 1.º de Maio? É de loucos…

A efeméride deve servir para reflectirmos sobre a situação geral do trabalhador em Angola. As reivindicações por condições laborais são direitos constitucionais e não armas de arremesso no combate político. Professores, médicos, mecânicos, conferentes, agentes aduaneiros, polícias, enfermeiros, pedreiros, estivadores, cantoneiros, bombeiros, enfim, o Man Kiko, também, porque não?

Todos somos poucos para ajudar a melhorar o ambiente laboral. Boas leis, bons contratos, melhores remunerações, condições de trabalho e sociais. O desafio é tornar o nosso local de trabalho um lugar de felicidade e não de sofrimento e frustração. Viva o 1.° de Maio!

            *Jornalista

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