Especial

Irene, a “Mãe dos Trezentos”

Luísa Rogério

A maternidade gemelar desperta, desde que a humanidade se conhece como tal, curiosidades inumeráveis. Não é difícil imaginar que tudo ao redor se processe em dose dupla. Alegrias, privações de sono, o cansaço que, às vezes, beira o extremo, inquietações e altas doses de satisfação compõem o quotidiano das mães de gémeos. Seguramente, uma das vivências mais gratificantes e desafiadoras que alguém pode almejar. Imaginemos que a experiência se repita.

05/05/2024  Última atualização 12H54
© Fotografia por: DR

Como é ser mãe de gémeos? Em busca de respostas para a pergunta recorrente fomos ao encontro de Irene Maria Miguel. De 44 anos, mãe de seis filhos, pertence ao selecto grupo, de 1 a 2% de mulheres, que tiveram gémeos duas vezes. Detalhe: concebidos de forma natural.

 À primeira vista, a moça que recebe a equipa de reportagem do Jornal de Angola não parece ser a nossa entrevistada. O rosto jovem não deixa transparecer nenhuma marca da idade. Alta, adelgaçada, tem o porte erecto. Ex-modelo de uma das agências pioneiras de moda do país, desfilou até aos 34 anos, quando estava grávida das gémeas. Trabalhou posteriormente na direcção de outra agência, onde ainda colabora como coordenadora do concurso Miss Município de Luanda. "Fui modelo em vários eventos, apareci em cerimónias públicas e, regularmente, no programa de televisão, "Luanda da Sorte”. Hoje sou mais conhecida como a mãe dos gémeos”, diz, assim que nos instalamos no seu apartamento.

Sem combina prévia, Irene nos introduz no ambiente acolhedor do seu lar. A hospitalidade da anfitriã resulta na conversa descontraída que se prolongou algumas horas. O retrato desta mãe de três rapazes e igual número de meninas não caberia na entrevista com guião e tempo pré-definido. Encontrámos as meninas a lanchar na cozinha. Aos poucos, de forma quase imperceptível, se juntaram à mãe. Apesar de não serem idênticas, as gémeas Ayana e Amaya, de 9 anos, são parecidas ao ponto de confundir pessoas menos atentas. Quem mais dá nas vistas é a caçula, Paula, de 8 anos, que resume teorias interessantes sobre envelhecimento e cabelo branco.

A jornada materna de Irene começou aos 19 anos quando ficou grávida pela primeira vez. Veio um rapaz, o Nízio Joelson, 26 anos. Empreendedor, com uma marca de roupas no mercado, o jovem está prestes a constituir a própria família. Irene conta que teve sangramento durante dois dias e muitas dores. Algo traumatizada, fez "juramento”, conforme se diz na gíria. Passaram-se dez anos até voltar a engravidar. Foi abençoada com o Marlom e o Marley, o primeiro par de gémeos. A partir daí conheceu o significado do termo sensações em dose dupla.

A exigência decorrente do tratamento dos bebés incentivou ela e o marido a viverem em casa da mãe durante dois anos. O apoio da família foi fundamental para os primeiros cuidados e o período seguinte. "Um dia a minha mãe viu-me a amamentar os dois ao mesmo tempo. Ensinou-me a criar uma rotina para dar de mamar a um de cada vez, sem muita pressão”, recorda. A aprendizagem foi de extrema valia para lidar com as gémeas, nascidas volvidos seis anos.

Nessa altura acumulava experiência e "foi tudo mais fácil”. Irene destaca a participação do marido em todas etapas da criação dos seis filhos. "É um excelente pai, sempre muito presente”, afirma com o sorriso expressivo. Companheiros no sentido literal do termo, partilham responsabilidades e tomadas de decisão sobre questões familiares. Frequentam a mesma igreja pentecostal, fundada em casa da mãe, no bairro da Coreia, e divertem-se juntos. "Gostamos muito de sair para dançar, principalmente Kizomba, e de outros ambientes. Felizmente, os meninos estão crescidos, podem cuidar das irmãs enquanto estamos fora de casa. Aproveitamos todas as oportunidades para nos divertirmos com as crianças”, afirma.

 "Nós também gostamos”, interrompe Paula, a mais "nova do conjunto” que se confunde com as gémeas caso não se preste muita atenção aos detalhes. Irene explica que a caçula é sobrevivente de uma gravidez de quadrigémeos. Tema para outra narrativa envolvente da super mãe. Especifica que só se apercebeu da gravidez aos três meses e três semanas. "A minha mãe disse uma irmã que também tem visão espiritual disseram que eu teria quatro bebés, mas não levei muito a peito. Fiquei mais preocupada ao ver a barriga a crescer. Assustei-me ao saber que estava novamente grávida”.

A reacção decorreu do facto de as gémeas terem apenas um ano. "Não fiquei contente, estávamos na centralidade do Kilamba há dois anos e a passar por algumas dificuldades. Com mais um filho a vida já se tornaria complicada, imagina com quatro. Eu teria praticamente seis bebés”. A outra preocupação estava relacionada com o serviço, "principalmente porque eu tinha ficado algum tempo sem trabalhar. Estava na Hadja Models. Pedi repouso quando fiquei grávida, depois retomei, só que não estava a conseguir conciliar o trabalho com as gémeas”. Entretanto, perdeu os outros bebés. Não obstante as fortes contracções a partir dos seis meses e meio, ela suportou as dores, "a Paula e aqui estamos”. 

 Foi mais ou menos nessa fase que passou a ser chamada "Mãe dos Trezentos”. Bastou uma comadre, "esposa do Akwá tratar-me dessa forma uma vez para ficar assim conhecida”, afirma. Irene sente-se privilegiada por ser mãe de gémeos e por ter seis filhos. "Para mim, ser mãe significa ser uma pessoa protectora, sempre presente para os filhos. Sou amiga, sou a melhor conselheira e o pai também”. Nessa fase da conversa, os gémeos Marlom e Marley já tinham regressado das aulas de educação física. Tomaram banho, lancharam, fizeram os deveres escolares e, cumpridas as tarefas domésticas, foram descansar.    

Limpíssimo e arrumado, o apartamento de Irene não parece ter crianças pequenas. O segredo, segundo a "Mãe dos Trezentos” reside em educar os filhos no sentido de respeitarem regras e terem disciplina, naturalmente, sem deixarem de brincar. Garante que a família não conta com o apoio de secretárias domésticas, além da senhora que passa a roupa a ferro. "Cá em casa cada criança tem tarefas distribuídas. Faço a minha parte e os oriento com vista a ganharem sentido de responsabilidade desde pequenos ”. O mais velho, a residir fora do país desde o ano passado, colabora à distância sempre que pode. Ainda que seja para ajudar a mãe a localizar um aplicativo no telemóvel ou a efectuar operações nas redes sociais. O sorriso a seguir a constatação evidencia a velha máxima segundo a qual as mães são todas iguais, só mudam de endereço.

 A celebração do Dia da Mãe constitui motivo para Helena Miguel homenagear as suas mães. A biológica, falecida pouco antes de completar 55 anos, em 2010, e a adoptiva que cuida dela e dos irmãos desde Dezembro do mesmo ano. A primeira ultrapassou obstáculos gigantescos para cuidar dos filhos, após a separação do marido. Reconstruiu a vida do zero, assegurando a subsistência dos filhos. Infelizmente não viveu para os ver realizados. A morte da mãe deixou-a num estado depressivo. Aí conheceu a outra mãe, igualmente pastora da igreja. "Via nela o espírito da minha mãe biológica. Se tiver algum problema recorro a ela e juntas vamos em busca de soluções. Agradeço sempre a Deus porque me tirou uma, mas deu outra mãe”.    

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Especial