Entrevista

“Acima de 70 por cento dos doentes renais no país recebe o diagnóstico de forma acidental”

Alexa Sonhi

Jornalista

Em Angola, cerca de três mil pessoas padecem de doença renal, 2.800 das quais sofrem de insuficiência renal crónica, o que as obriga a se submeterem a sessões de hemodiálise nos 28 centros de tratamento espalhados pelo país. Em entrevista ao Jornal de Angola, o presidente do Colégio de Nefrologia da Ordem dos Médicos de Angola, José Malanda, fala sobre a situação da doença.

14/03/2024  Última atualização 07H10
José Malanda, presidente do Colégio de Nefrologia da Ordem dos Médicos, a propósito do dia mundial do rim © Fotografia por: João Gomes| Edições Novembro

Todos os anos, a Associação Internacional de Nefrologia escolhe um tema que norteia as actividades alusivas ao Dia Mundial do Rim. Qual é o tema para este ano?

De facto, a Associação Internacional de Nefrologia organiza, todos os anos, eventos que visam celebrar a Semana Mundial do Rim, que sucede em simultâneo com o Dia Mundial do Rim, celebrado sempre na segunda quinta-feira do mês de Março. Este ano, acontece hoje, dia 14, e o tema escolhido é: "Melhorar o acesso aos serviços de Saúde e melhorar o conhecimento sobre a doença”. E como esta mesma associação permite que cada país harmonize o tema, tendo em conta a sua realidade, para o nosso país, o Colégio de Nefrologia escolheu o lema "Educar mais sobre a doença do rim para diagnosticar mais”.

E porquê este tema?

Escolhemos este tema porque, para nós, é importante que a população tenha conhecimento sobre os problemas do rim, principalmente os factores de risco que causam as doenças ligadas a este órgão e, como patologias desta natureza, no caso, a insuficiência renal, não apresentam sintomas nos primeiros três estágios, muitas pessoas podem ter a doença e não sentir nada.

Então, com informações sobre a doença, as pessoas vão poder prevenir-se mais, fazer diagnósticos mais precoces e, caso a tenham, poderão começar o tratamento muito mais cedo, evitando chegar ao estágio quatro ou cinco, onde já é obrigatório fazer sessões de hemodiálise regulares ou transplantes para não morrerem.

Pelo facto de não apresentar sintomas nos primeiros três estágios, é sinal de que existem pessoas com insuficiência renal há anos e não sentem nada?

Apenas dois por cento dos doentes renais sentem alguma coisa nos primeiros estágios da doença. A maioria dos pacientes, quando sente alguma coisa, é porque a patologia já está avançada, isso no estágio quatro ou cinco. É uma doença silenciosa, por isso, a informação é importante.

Como define os rins?

Os rins são órgãos internos do corpo humano pertencentes ao sistema urinário, com várias funções, entre as quais, filtrar do sangue todas as substâncias tóxicas e outras não tóxicas que estejam em excesso na circulação sanguínea, incluindo os líquidos (água, essencialmente), formando, assim, a urina e, com isso, eliminá-las.

Existe alguma ligação entre os rins e a pressão arterial?

Os rins têm, também, a função de regular a pressão arterial, através da produção de hormonas diversas dentro de um sistema complexo do próprio órgão que actua nos vasos sanguíneos. Eles regulam, igualmente, o equilíbrio eletrolítico. Porque, no nosso organismo, circulam, dentro e fora das células, vários iões ou minerais, tais como o sódio, potássio, magnésio, cálcio, fósforo, entre outros. O seu equilíbrio é regulado pelos rins. Os mesmos produzem uma hormona, a Eritropoetina, que, junto da medula óssea, activa e regula a produção de glóbulos vermelhos. Então, a outra função será a produção de células do sangue e controlar a anemia. Os rins são, também, responsáveis por regular a fortificação dos ossos, através do controlo dos minerais que compõem a estrutura dos ossos.

Tendo os rins tantas funções vitais, o que vem a ser insuficiência renal crónica?

Olhando para as funções dos rins, fica fácil definir a insuficiência renal crónica, que é a incapacidade de exercer as suas funções de forma crónica e irreversível. A pessoa com insuficiência renal crónica acumula substâncias tóxicas, líquidos (fica com edema e pode acumular líquidos nos pulmões, afogar-se em si próprio e morrer), tem hipertensão arterial, anemia e doença dos ossos.

Dados mundiais indicam que uma em cada 10 pessoas tem doença do rim. Qual é a situação de Angola?

Bem, antes de falar de Angola, gostava de dizer, que a nível do mundo, cerca de mil milhões de pessoas estão afectadas pela doença e a prevalência de Insuficiência Renal Crónica (IRC), a nível da população mundial, é de 9 a 13 por cento.

Em Angola, actualmente, temos cerca três mil pessoas a fazerem hemodiálise. Deste número, aproximadamente 2.700 ou 2.800 já estão em sistema de diálise regular, a chamada "hemodiálise crónica”. Estes pacientes fazem diálise nos centros onde estão inscritos, realizam três sessões por semana, em dias intercalados e durante quatro horas cada uma. Quer dizer que, durante o mês, o paciente renal crónico deve fazer 12 sessões.

Apenas os pacientes renais crónicos é que fazem hemodiálise?

Não. No processo de diálise, estão também pacientes renais agudos que, por causa de doenças infecciosas, principalmente a malária, desenvolveram insuficiência renal. Estes fazem a diálise em sistema de agudos. A maior parte destas pessoas, quando é atendida atempadamente e tratada adequadamente, consegue reverter o quadro e sair da insuficiência renal aguda e voltar à vida normal, enquanto o paciente com insuficiência renal crónica já não.

Este número de três mil não lhe parece reduzido?

Os números que existem são de pessoas que estão a receber tratamento de nefrologia, principalmente hemodiálise, mas também temos algumas pessoas que fazem diálise peritoneal e algumas foram transplantadas no exterior do país. Estes dados representam apenas a ponta do iceberg, porque é o que conseguimos ver, o fundo é bem maior.

Deve existir um grande número de pessoas com a doença renal que não sabe que tem, por ser uma patologia silenciosa e, como não vai ao hospital fazer consultas de rotina, fica difícil. Quando recebe o diagnóstico, já está num estágio avançado, pronto a fazer hemodiálise. Esta é a nossa maior preocupação.

Nos três mil pacientes em processo de diálise, há crianças?

Sim, e elas representam cinco por cento do total de doentes. A maior parte das crianças está no sistema de diálise aguda, tendo como a principal causa a malária.  Aquelas que recebem o diagnóstico e o tratamento precoce, a maior parte recupera algum tempo depois. Já aquelas em que o diagnóstico é tardio, evoluem para insuficiência renal crónica, fazendo diálise pelo resto da vida.

Neste grupo de crianças, há aquelas que já nasceram com problemas no rim?

Temos crianças a fazer diálise desde a nascença, porque nasceram com má formação congénita do próprio rim, outras têm más formações obstrutivas do Sistema Urinário, levando à acumulação de urina, que causa infecções urinárias de repetição, infecção do rim, que, de forma crónica e não tratada, também podem evoluir para insuficiência renal crónica.

Existem também crianças que, apesar de não nascerem com má formação congénita, têm doenças intrínsecas do rim, as chamadas "glomerulopatias”, em que  elas perdem proteínas pelo rim, a ponto de causarem lesão crónica neste órgão.  Se estas crianças não forem diagnosticadas precocemente, a patologia evolui para insuficiência renal crónica.

Neste caso específico, existem sintomas?

Sim, há sintomas. Crianças que acordam muito, de noite, para urinar, ou com dificuldade de parar de o fazer na cama, mesmo já tendo passado da idade, urinam com muita espuma, acordam com o rosto inchado, ou aquelas que ao longo do dia, enquanto brincam, ficam com os pés inchados, mas desincham quando vão dormir. Todas estas crianças devem ser vistas pelo médico nefrologista, para despistar qualquer doença do rim e, se tiver, começar o tratamento, evitando que evolua para insuficiência renal crónica.

É grande o número de pacientes que recebem o diagnóstico de insuficiência renal de forma acidental?

Podemos garantir que acima dos 70 por cento dos nossos doentes em diálise receberam o diagnóstico de forma acidental. Foram fazer consultas, porque tinham outras doenças como hipertensão, diabetes ou algum outro problema, quando se detectou que, na verdade, o problema de base é a insuficiência renal.

Daí o alerta de que pacientes com hipertensão arterial de difícil controlo, que, mesmo fazendo a medicação regularmente, não baixa, por vezes já têm os rins afectados. Os doentes que sofrem de  Acidente Vascular Cerebral (AVC) têm problema de coração, de visão, devido à diminuição da acuidade visual e podem ter, na base, algum problema renal.

Então, um problema no rim pode afectar o corpo todo?

Claramente. A dificuldade dos rins afecta quase o corpo todo e, como os seus vasos sanguíneos estão afectados, ele tem órgãos-alvo, como o cérebro, por exemplo, causando o AVC, cegueira e afecta, também, o coração, causando insuficiência cardíaca, enfarte do miocárdio, que é a principal causa de morte súbita.

A doença renal pode ser detectada por qualquer especialista ou é responsabilidade apenas do nefrologista?

Uma patologia renal pode ser detectada por qualquer especialista. Cardiologista, neurologista ou medicina interna. Por isso, o nosso apelo aos colegas, dependendo das queixas dos pacientes, incluam também, nos pedidos de exames, a ureia e a creatinina, para saberem qual o estado do rim.

Se notarem alguma anomalia, devem encaminhar logo para o nefrologista, a fim de dar o devido tratamento. Porque, cada vez mais, temos pacientes a serem diagnosticados com insuficiência renal de forma acidental, porque foram fazer outra avaliação médica e deram conta de que a base do problema era a doença no rim e são postos já a fazer sessões de hemodiálise.



Há centros de hemodiálise suficientes para atender às necessidades do país?

Bem, a situação da resposta aos problemas do rim, principalmente, a insuficiência renal crónica, em Angola, é melhor do que antes, nomeadamente, do ponto de vista de infra-estruturas. Mas ainda não é melhor do ponto de vista de recursos humanos e da capacidade de resposta de diagnósticos, bem como ao fornecer aos pacientes uma diálise de qualidade para que tenham também uma qualidade de vida.

Quantos centros de hemodiálise o país tem?

São, no total, 28 centros de hemodiálise. Luanda está com 16, nomeadamente, Hospital Militar Principal, Pluribus, no hospital Américo Boavida, Josina Machel, Azancot de Menezes, Maternidade Ngangula, Maternidade Lucrécia Paim, Centro de Hemodiálise do CETEP, Clínica Multiperfil, Girassol, Exército, Hospital Geral de Luanda, Prenda, Pediatria de Luanda, Centro Sol, Centro de Hemodialise da CSE e o Centro de Hemodiálise do Complexo Hospitalar de Doenças Cardio-Pulmonares, Cardeal Dom Alexandre do Nascimento.

E nas restantes províncias?

A província de Benguela tem três centros, no Hospital Municipal de Benguela, Hospital Municipal do Lobito e Hospital Geral de Benguela. O Huambo tem dois, no Hospital Geral do Huambo e Centro de Hemodiálise do Huambo. O Bié está com um, o Centro de Hemodiálise do Hospital Provincial do Bié, a Huíla, um, no Hospital Provincial da Huíla, Moxico, um, no Hospital Geral do Moxico, Cabinda, dois, no Hospital Geral de Cabinda e o Centro de Hemodiálise da província.

A província de Malange tem um centro, localizado no Hospital Provincial de Malange, e o Bengo também tem um, que é o Centro de Hemodiálise do Hospital Provincial do Bengo. No que toca ao número de centros de hemodiálise, melhoramos muito.

Este número de centros de hemodiálise é suficiente?

Não, mesmo assim não chega, precisamos de mais. Eu acho que já estamos em condições de, em Luanda, pelo menos, começarmos já a nos preocupar em construir centros de tratamento nos municípios mais populosos, como Viana por exemplo, porque a mobilidade na capital do país é complexa.

O primeiro grupo de diálises começa as sessões às 6 horas da manhã e muitos pacientes vivem no Zango e Cacuaco. A que horas deverão sair de casa para estar no hospital a tempo e horas? Há necessidade de se expandir mais os serviços a nível dos municípios com maior densidade populacional.

O Colégio de Nefrologia sente que há esta sensibilidade por parte do Governo?

Sim, existe esta sensibilidade. Temos conversado com o nosso principal parceiro, que é o Ministério da Saúde, e notamos muita compreensão. A conversa é contínua e, inclusive, a nossa posição sobre a instalação de centros de tratamento para as províncias que mais enviavam pacientes em Luanda foi ouvida e estas foram as primeiras a receber centros de hemodiálise, como é o caso de Benguela, que hoje tem três centros de diálise.

E sabemos que faz parte do plano Estratégico do Ministério da Saúde para 2023/2024 construir um centro de hemodiálise no município de Viana, por este representar 40 por cento de todos os pacientes em hemodiálise do país. Não sabemos se a construção já começou, só o Ministério da Saúde pode nos informar, mas a resposta que tivemos foi positiva, Viana terá um centro de tratamento renal.

Qual o número de profissionais especializados em Nefrologia?

Temos aproximadamente 62 médicos nefrologistas. Deste número, 47 são nacionais e 15, estrangeiros. Estamos com um número melhor do que tínhamos antes, porque já temos escola de Nefrologia em Angola. Os principais centros de formação são o Hospital Militar, a Clínica Multiperfil, Girassol, Sagrada Esperança e o Hospital Josina Machel.

Quantos médicos  seriam precisos para se trabalhar de forma folgada?

O ideal seria que cada médico nefrologista tivesse entre 30 a 50 pacientes, principalmente em diálise.  Porque, hoje, ainda temos médicos a atenderem entre 150 e 200 pacientes. Há centros de hemodiálise que só funcionam com um médico e este atende os 300 pacientes que lá fazem tratamento. Temos médicos recém-formados com menos de cinco anos de experiência e que trabalham em quatro províncias, ficam uma semana em Luanda, outra em Benguela, depois Huambo, Huíla e vão andando assim por falta de mais profissionais.

Então, há províncias sem médicos nefrologistas?

Já chegamos a ter situações em que não tínhamos médico presente durante seis meses na província do Moxico e no Huambo. Os centros de hemodiálise funcionavam só com enfermeiros. Até que o Ministério da Saúde conseguiu trazer especialistas cubanos que foram alocados nesses centros. Logo, a necessidade de mais médicos é muito grande, até para ajudar a identificar a parte da população que tem a doença.

"Cada sessão de diálise está orçada entre 600 a 700 dólares” Quanto um paciente em diálise custa, em média, ao Estado?

Cada sessão de diálise está orçada entre 600 a 700 dólares e o paciente deve fazer três sessões por semana, que totaliza 12 por mês. Se o doente tiver anemia, que são mais de 90 por cento dos casos, precisará fazer uma injecção semanal, quinzenal ou mensal de uma hormona chamada "eritropoetina” ou as suas variantes, que devia ser produzida pelo próprio, mas já não o faz devido à sua deficiência. Esta hormona é que estimula a medula óssea a produzir glóbulos vermelhos e custa caro.

Qual é o valor desta hormona de substituição que os pacientes devem receber?

Só uma ampola deve custar até 150 dólares. E, além da sessão, o paciente precisa de um bom valor nutricional. Para isso, deve comer antes, durante ou depois da diálise, tem de ter transporte do centro para o levar e trazer, sempre que fizer as sessões. Tudo isso pode rondar à volta de 400 dólares/mês que, multiplicado ao ano, é muito dinheiro. Os custos com os pacientes renais são muito altos.

"O transplante renal não reduz o número de pacientes em diálise” Nos últimos tempos tem havido um interesse de americanos descendentes de famílias que saíram de Angola como escravas…

Sim. Há uma diáspora ancestral que são os americanos descendentes de famícano um quarto dos milhares de produtos abrangidos no âmbito desta oportunidade.

O sector económico e comercial da nossa missão diplomática tem estado a realizar encontros com a Secretaria do Comércio americano. Eu próprio tenho estado a conversar com senadores americanos para perceber como é que países como o nosso podem tirar maior partido do AGOA.

A que conclusão chegou?

Chegamos à conclusão que é preciso contratar os serviços de consultores angolanos para virem aos Estados Unidos da América e perceber os padrões de produção aceitáveis neste mercado e depois darem formação aos nossos produtores e exportadores, ou em sua substituição, esta formação pode ser dada aos agentes do Estado. O retorno do

Os custos não seriam reduzidos caso se optasse pelo transplante?

Primeiro, precisamos de esclarecer que o transplante renal não reduz o número de pacientes em diálise. Segundo, o transplante renal não substitui a diálise, existem pessoas que transplantam sem iniciar diálise (transplante prepectorio), há pacientes que já o fizeram e podem precisar de dialisar, outros que já transplantaram, perderam o rim transplantado e voltaram para a diálise. Quer dizer que uma coisa não substitui a outra.  O transplante e a diálise são métodos de substituição do rim. O transplante não zera a lista de pacientes em diálise, porque os doadores podem ser vivos ou falecidos, logo, nunca vai haver rim suficiente para transplantar o número de pessoas dialíticas, sendo muitas delas jovens.

Qual é a média de idade dos pacientes em diálise no país?

Diferentemente de outros países, em que a média de idade dos pacientes em diálise é acima dos 70 anos, em Angola, a média é de 25 a 35 anos. São pessoas muito jovens e em idade produtiva. O transplante é bem-vindo e deve vir já, porque vai ajudar muito todos estes jovens a voltarem à sua rotina de vida normal, que é estudar bem e trabalhar sem qualquer impedimento. Queremos muito que estas pessoas transplantassem.

Se o transplante é tão necessário, porquê a demora, uma vez que a lei já foi aprovada há alguns anos?

Depois de um projecto de lei ser aprovado pela Assembleia Nacional, precisa de ser regulamentado e isso é que queremos que aconteça. Porque serão definidas quais as pessoas que precisam de ser transplantadas e quem deve ser priorizada. Não se deve deixar em aberto que alguém com cunha venha a ser transplantado antes do primeiro da lista.

A regulamentação vai, também, determinar quem deve ser doador, se são falecidos com morte cerebral ou pessoas vivas e que tratamento deve ser dado a quem tem morte cerebral antes da extração do órgão. É necessário haver proibição de venda de órgãos, porque, se assim não for, vamos ter abertura de negócio de órgãos, que colocará em risco a vida de muitas pessoas.

A par disso, deverão existir outras estruturas de apoio ao processo de transplante?

Claramente. Tem de haver laboratórios devidamente preparados para diagnosticar se a pessoa é ou não compatível com o dador, quer seja vivo ou morto (morte cerebral). Estes são laboratórios de alta complexidade. Como vamos cuidar do paciente para não rejeitar o órgão, onde vamos medir a quantidade de remédio exacta (imunossupressores) para evitar que haja rejeição?

Estes imunossupressores são muito caros, cada medicamento pode custar 80 a 150 dólares e os pacientes podem tomar dois a três por dia, durante anos. Será que já há condições para isso no país?

Qual é o tempo de vida útil de um rim doado?

Este é outro aspecto a ter-se em conta. Os pacientes transplantados precisam de ser seguidos antes, durante e depois do transplante, até onde der. Porque o rim transplantado tem um tempo de vida útil. Se for doador falecido, o órgão pode durar de 10 a 15 anos, de doadores vivos, dura de 25 a 30 anos, depois disso, entram novamente na fila ou no processo de diálise.  Enquanto o país não tiver tudo isso regulamentado, não se pode iniciar os transplantes, porque será um risco muito grande.

A lei prevê o transplante de qualquer órgão?

Esta é outra questão a considerar, porque a lei aprovada é sobre transplante de órgãos (geral). Nós, os nefrologistas, temos que trazer esta discussão do nosso lado, fora do transplante da córnea, fígado ou de outros órgãos. Todas estas coisas precisam de ser bem discutidas. Mas, vamos tentar trabalhar de forma mais intensa com os nossos parceiros, nomeadamente, o Ministério da Saúde, Assembleia Nacional e Conselho de Ministros, para os tentar sensibilizar, a fim de chegarmos à materialização do transplante sem correr outros riscos.

Qual é a taxa de mortalidade por insuficiência renal?

Temos uma taxa que ronda à volta de 18 a 20 por cento. É muito alta. Mas esta taxa de mortalidade também não é bem clara, porque há pacientes que morrem de AVC, tendo como base problemas do rim, tal como acontece com os enfartes  pessoas a fazerem enfartes e outras doenças. Muitas vezes, só se dá conta quando se faz autópsia.

Como se previne a doença renal?

A prevenção baseia-se no conhecimento dos factores de risco, por exemplo, quem é familiar de alguém que tem doença renal crónica, como pai, mãe, irmãos, tio, avós, a probabilidade dessa pessoa vir a desenvolver a doença é grande. Então, deve fazer consultas de Nefrologia de forma regular, pelo menos, uma vez ao ano.

E as pessoas com diabetes ou hipertensão arterial também devem ter o mesmo cuidado?

As pessoas com diabetes ou hipertensão arterial têm altíssimo risco de desenvolverem insuficiência renal crónica. Estas devem ter o seguimento do médico de medicina interna, endocrinologista ou de cardiologia, mas, pelo menos, uma vez por ano, devem, também, consultar o nefrologista.

As pessoas que não têm diabetes ou hipertensão, mas têm na família histórico dessas doenças, precisam de ir ao médico para medir os níveis de açúcar e a pressão arterial com regularidade. E, nos exames, incluírem a ureia e a creatinina, a fim de se detectarem possíveis anomalias no rim e começar o tratamento muito mais cedo.

 A mudança de estilo de vida pode ajudar a prevenir a doença?

É fundamental. Deve-se ter hábitos mais saudáveis, como praticar exercícios físicos, consumir pouco sal, açúcar, gorduras e procurar descansar bem à noite.

Se na fase inicial a doença renal não apresenta sintomas, no estágio mais avançado, o perfil é o mesmo?

Nos estágios mais avançados, isso é, nos níveis quatro e cinco, os sintomas mais comuns são a nictúria, que  faz a pessoa acordar várias vezes durante a noite para urinar, mesmo sem ter bebido muita água, urina com muita espuma, como se fosse um copo de cerveja, em que a parte líquida fica por baixo e a espuma em cima, a hipertensão de difícil controlo, faz-se a medicação, mas não baixa, pés inchados ao fim do dia e não só, rosto inchado pela manhã, urina com sangue, vómitos, perda de apetite, tonturas, palpitações, dificuldades de respirar, convulsões, mau hálito, como se fosse cheiro de urina a sair pela boca, névoa urémico (a pele fica como se estivesse a descamar), coceira que não passa, mesmo com medicação.

A intoxicação medicamentosa pode causar insuficiência renal?

Pode, sim. As pessoas que fazem muita auto-medicação correm estes riscos, porque existem remédios, como os antibióticos e alguns analgésicos, como o ibuprofeno, bastante comum entre nós, que são tóxicos e prejudicam o rim.  No caso daqueles que já têm o rim afectado e precisam de tomar antibiótico por alguma doença, esta medicação deve ser bem calculada e ajustada. Com a auto-medicação não será possível medir e isso vai causar, sim, uma toxicidade do rim, levando à falência deste órgão.

Existem também chás que têm efeitos medicamentosos, mas, infelizmente, por não sabermos quais as doses certas a serem usadas, as pessoas tomam de forma errada e acabam por intoxicar o rim.

O consumo excessivo de água mineral causa pedras no rins?

Não. Isso é um mito. Beber água é fundamental e as pessoas devem beber um litro e meio ou dois litros por dia. A água mineral só é proibida para aquelas pessoas que já têm pedras nos rins ou que, geneticamente, são propícios a formá-las.

Além das pedras nos rins, algumas pessoas podem tê-las formadas nas vias do fígado, pâncreas, vesícula biliar, entre outras. Estas devem fazer um exame chamado "perfil metabólico da urina”, onde se descobre quais são as substâncias que influenciam o aparecimento destas pedras. Se notarem que estas substâncias são causadas pelos minerais existentes na água mineral, a pessoa deve ser proibida de bebê-la. Caso contrário, não há problema algum, pode-se consumir esta água normalmente.

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