Entrevista

“Dos seis mil associados menos de 100 pagam quotas”

Joaquim Neto

Jornalista

A União Nacional dos Artistas e Compositores-SA tem seis mil membros e menos de 100 pagam quotas, estipuladas em 500 kwanzas. O presidente da organização, José Manuel Moreno (Zeca Moreno), lamenta o facto de algumas rádios e agentes de espectáculos não pagarem os direitos aos autores. “Gostaria, também, de aproveitar o momento para fazer, não uma crítica, mas um reparo a muitos jovens artistas que procuram, nas redes sociais, beats de músicas estrangeiras e depois põem uma letra em língua portuguesa, quimbundo ou umbundo e dizem que é música angolana”

02/03/2024  Última atualização 12H47
Presidente da UNAC-SA, Zeca Moreno © Fotografia por: Dr
Como está a UNAC-SA?

A UNAC-SA é uma instituição de artistas que tem cerca de 42 anos e uma implantação nacional,  embora não estejamos formalmente a funcionar em todas as províncias, por razões logísticas. Mas temos artistas em todo o país, que representam as mais diversas especialidades do nosso mosaico artístico nacional, quer estejam ligados à música, dança, teatro ou outras manifestações artísticas.

Acha que a UNAC-SA devia beneficiar de mais apoios?

A UNAC-SA é uma instituição de utilidade pública, ao abrigo da Resolução n°5/04, do Conselho de Ministros, e, como tal, devia beneficiar de apoios mais substanciais, o que não ocorre. Por um lado, por razões de ordem conjuntural e, por outro lado, talvez porque não temos encontrado, em alguns círculos da administração, a sensibilidade necessária para que seja concedido o apoio que as instituições de carácter artístico precisam para desenvolverem as suas actividades, dentro do quadro institucional que está aprovado e nos termos dos seus estatutos e regulamentos.

 

Há estabilidade funcional?

Ao longo destes anos, devo dizer-lhe com toda a franqueza, tivemos altos e baixos, no que toca à nossa organização interna e ao nosso funcionamento. Viveu-se mesmo numa fase de instabilidade, mas há cinco anos que a UNAC-SA atravessa um momento de estabilidade funcional e conquista o espaço que lhe é devido na sociedade, em benefício dos seus associados.

 

Quantos membros tem a UNAC-SA?

Neste momento, a UNAC-SA tem uma base social -ainda estão em curso acções com vista ao apuramento da nossa base de dados- calculada em seis mil associados em todo o país. Estamos em fase de actualização. Implementamos uma nova base informatizada da nossa estrutura de estatística e só depois de termos lançado e comprovado todos os dados poderemos, então, ter o número real de quantos somos e onde estamos. Mas, de momento, este é o número que posso adiantar.  Somos cerca de seis mil, espalhados por todo o país,  entre artistas, compositores, dançarinos, cantores, actores de teatro, encenadores, artistas na área de áudio-visuais, etc.

 

Realizam assembleias regularmente?

Prevêmos fazê-lo, este mês, porque as nossas assembleias gerais, do ponto de vista estatutário, acontecem uma vez por ano. Realizámos as eleições dos actuais órgãos sociais em 2023 e tomámos posse agora em 2024. Teremos de realizar a assembleia-geral o mais rápido possível, que será a primeira assembleia-geral, após as últimas eleições, onde faremos a aprovação do programa de actividades para o ano de 2024 e, também, da proposta orçamental para este ano.

 

Qual é o montante previsto para o vosso orçamento?

A proposta orçamental que vai ser apresentada é uma estimativa, porque não temos uma fonte de receitas segura. Então, vamos apresentar números estimativos e depois vamos à procura de apoios para ver se cobrimos as acções que programámos. O nosso orçamento para 2024 está estimado em 120 milhões de kwanzas.

 

E como é que trabalham?

O Estado, nos termos da Lei do Orçamento, através do Ministério da Cultura e Turismo, deve disponibilizar duodécimos regulares para o funcionamento das entidades de utilidade pública ligadas à cultura.  O grande problema é que os duodécimos não têm sido regulares e, por isso, não nos permite estabelecer um programa nacional de funcionamento da instituição. Não temos uma informação do orçamento anual que o Ministério da Cultura e Turismo tem disponível para nos atribuir.

 

O dinheiro que a UNAC-SA recebe varia de mês em mês?

O valor que recebemos em cada período de 30 dias é variável.  Este mês podemos receber 10 milhões, no outro  cinco milhões de kwanzas, portanto, é  variável.  Não podemos,  com base nestes duodécimos, estabelecer um programa rigoroso a cumprir num determinado período de tempo.

 

O pagamento de salários aos funcionários é regular?

Temos um quadro de pessoal bastante diminuto, embora procuremos dimensioná-lo à medida das nossas necessidades administrativas. Hoje, talvez se faça sentir a necessidade de melhoria do salário dos nossos funcionários que, reconhecemos, tendo em conta os níveis altos de inflação,  são baixos e precisam de ser ajustados. Mas só se fazem omoletes se tivermos ovos e nós não temos recursos,  não temos fontes de receitas regulares, por isso, não podemos embarcar em aventuras de ajustar salários e depois não termos como cobrir.

 

Não têm outras fontes de receitas?

A UNAC-SA tem apenas duas fontes de receitas. O arrendamento de uma parte do nosso edifício, que rende míseros kwanzas mensais,  cujo valor só serve para pagar salários, e a quotização dos associados,  que é bastante irrisória, porque, dos associados - e isso passa-se connosco, mas também com outras organizações que, em princípio, deviam viver das quotas, embora tenhamos na base de dados cerca de seis mil -,  menos de cem pagam quotas, que é de 500 kwanzas por mês. Então, é uma fonte que não garante sustentabilidade da organização e temos feito das tripas coração para sobreviver.

 

 A UNAC-SA concede algum apoio aos artistas?

Esta é outra questão. A UNAC-SA, por vocação estatutária, não é uma agência de espectáculos. Os artistas associados devem ter as suas próprias fontes de receita, sem contar com a UNAC-SA, porque a organização não é para este fim.

A UNAC-SA serve para a defesa dos direitos dos autores e conexos. Estamos a trabalhar neste sentido. Devo dizer-lhe que, nos quatro anos que aqui estamos, já distribuímos direitos de autor duas vezes,  a mais de 200 artistas. Estamos a preparar-nos, agora, para fazer uma terceira distribuição.

 

Como é que este processo funciona?

Os direitos de autor em Angola fazem parte de um processo novo. Mas, também, os rendimentos são ainda muito baixos, por razões que explico: primeiro, muita gente se furta a pagar os direitos aos autores,  as pessoas que fazem festas, os agentes de espectáculos, etc. Por outro lado,  ainda notamos, com alguma preocupação, que muitos dos nossos meios de comunicação social ainda não estão a contribuir, pagando os direitos dos autores, exceptuando a Rádio Nacional, por exemplo, que o faz, mas, verdade seja dita, paga quantias irrisórias, por razões também orçamentais. Em segundo lugar, infelizmente e isso é que entristece, os nossos companheiros das rádios e outros órgãos de comunicação social não estão muito empenhados na divulgação das obras produzidas por autores angolanos. Em muitos casos dão primazia a obras de autores estrangeiros e isso é penalizador em dois sentidos.

 

 Os órgãos de comunicação social não promovem a identidade nacional?

A nossa própria identidade não é promovida e, assim sendo, não será conhecida e, não sendo conhecida pelas novas gerações, que são as consumidoras das músicas e das peças de teatro, etc, como só lhes é dada a possibilidade de consumirem obras estrangeiras,  isso cria uma certa deturpação da nossa identidade cultural.

Há jovens angolanos que, hoje, se revêm mais em culturas estrangeiras do que na sua própria e nós somos responsáveis por isso,  porque não lhes damos a possibilidade de consumir aquilo que é nosso, portanto, este é um factor que desincentiva o consumo das nossas obras. Temos, primeiro, que defender o que é nosso, porém, infelizmente, não é isso que acontece em muitos casos.

 

Ou seja, as nossas rádios dão mais primazia à música estrangeira?

Às vezes é mais fácil ouvirmos uma música brasileira, americana ou cabo-verdiana nas nossas rádios. E não estou apenas a referir-me ao grupo Rádio Nacional, estou a referir-me a todos os órgãos onde, de tempos em tempos, é mais provável passar uma música estrangeira do que uma angolana, como a do Elias dya Kimuezo, por exemplo. Portanto, é um problema que temos  e tenho dito que não é que os nossos radialistas recebam instruções formais dos seus órgãos no sentido de passarem mais as músicas deste ou daquele. Uma vez ou outra é a nossa própria auto-censura, a nossa própria insensibilidade.

 

Como é que as novas gerações estão?

Quero aproveitar o momento para apelar à consciência das pessoas que lidam com esta matéria, no sentido de promovermos mais o que é nosso, porque, desta maneira, estaremos a valorizar a nossa arte. Gostaria, também, de aproveitar o momento para fazer, não uma crítica,  mas um reparo a muitos jovens artistas que procuram, nas redes sociais, beats de músicas  estrangeiras e depois põem uma letra em língua portuguesa, quimbundo ou umbundo e dizem que é música angolana.

 

Isso preocupa-lhe?

Sim. O rock pode ser cantado por um angolano, não devemos ser chauvinistas ao ponto de não admitirmos que outras culturas possam coabitar e enriquecer a nossa, porém, temos que ter consciência que o rock não é um género de música angolana, que o jazz não é um género de música angolana,  embora possa ter raízes africanas, que o pop não é um género de música nacional,  pode ser cantado por um angolano, a letra até pode ser de um compositor angolano, mas o género, o ritmo, etc, não é nosso. É o ritmo que define a música. Temos muito que fazer, no sentido da valorização da nossa cultura, dos nossos ritmos, da nossa forma de pensar e de agir. Temos muito que fazer e o caminho é para frente.

 

Como é que analisa a situação do Semba?

O Semba jamais morrerá. Aliás, há um trabalho meritório que está a ser feito pelo Ministério da Cultura e Turismo, no sentido de elevar o Semba a património imaterial nacional. É tarde, porém, antes tarde do que nunca e encorajamos o Ministério a continuar nesta senda, no sentido de o Semba estar inscrito internacionalmente como património dos angolanos.

 

E o que tem a dizer em relação ao Kuduro?

O Kuduro também deve seguir o mesmo caminho porque, de facto, são coisas que nasceram aqui e, por essa razão, devem ser preservadas. Hoje vemos, no mundo, muitos jovens que querem aprender a dançar a Kizomba  e o Semba e isso é muito bom. Temos é que patentear estes géneros de música de Angola, de maneira a nos valorizarmos, por um lado, mas, por outro, para não perdermos esta nossa criação a favor de outros países.

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