Entrevista

“É preciso mão pesada na inspecção da comercialização do trigo”

Ana Paulo

Jornalista

O director -geral adjunto do INADEC ,WassambaNeto, disse que algumas fontes dizem que os operadores económicos estão a utilizar o argumento da subida do preço da farinha de trigo para justificar os altos preços do pão. Mas, para o INADEC esta justificação é insustentável.É importante lembrar que, no final das contas, é o consumidor que paga o preço mais alto, e isso precisa ser corrigido urgentemente.

16/03/2024  Última atualização 11H55
Director-geral adjunto do instituto nacional de defesa do consumidor- INADEC © Fotografia por: Luís Damião|Edições Novembro
Ontem, 15 de Março foi o "Dia Mundial do Consumidor”. Há razões para celebrar?

Sim, a data se reveste de grande importância para persuadir os órgãos decisórios que a questão do consumidor é social, e que deve ser devidamente salvaguardada com a maior responsabilidade possível.

Penso que, quando se estipula uma data comemorativa a nível internacional devemos olhar para a nossa casa, fazer uma introspecção, uma reflexão e ver de que forma, nesse caso particular, temos estado a resolver questões ligadas ao consumidor.

Por exemplo, já lá vai uma  semana  que  estamos a realizar um conjunto de actividades, nomeadamente  campanhas,  entrevistas aos  órgãos de Comunicação Social,  além de reforços nos programas de educação para o consumo e  aconselhamento nas redes sociais.

Vamos ter ainda campanhas de sensibilização nas 18 províncias, palestras no sistema nacional de ensino, entre outras jornadas de reflexão sobre a efeméride  que se  celebra,  anualmente,  a 15 de Março, data  que nasce da declaração do Presidente dos Estados Unidos,  John Kennedy, em 1962, onde elenca quatro direitos do consumidor fundamentais, que à data dos factos eram imprescindíveis:  "Direito à informação”,  "Assistência  Após Venda”, "Protecção dos direitos económicos” e  "Direito à qualidade dos bens e serviços”.

O cliente tem sempre razão, como diz o ditado?

O cliente tem sempre razão, mas não lhe confere o direito de faltar respeito a quem lhe serve. Deve respeitar sempre o princípio da legalidade. Isto porque, nem sempre quando é apresentada a reclamação, o consumidor tem sempre razão. Daí, a necessidade de notificarmos a outra parte para oferecer os argumentos de razão.  Formulamos um juízo de probabilidade e depois precisamos de formalizar um juízo de certeza, ouvir as partes e daí emitirmos a nossa opinião.

No que toca às denúncias e reclamações, quantas foram registadas em 2023?

Em 2023,  recebemos perto de três mil reclamações, sendo 250 por semana.
Porém, 70% dos casos foram resolvidos, os restantes encontram-se pendentes,  por falta de algumas informações que julgamos fundamentais para as suas resoluções.

Por  via do "Call Center” foram  registas mais  de dez  mil telefonemas solicitando a intervenção do INADEC, quer para assistência jurídica, aconselhamento, registo de reclamações e outras de natureza, sobretudo, de indicação de determinadas informações que não dominam.

Actualmente, os angolanos estão mais consciencializados  para a importância do direito do consumidor?

Nos  últimos anos,  tem havido um aumento na consciencialização dos próprios consumidores da importância dos seus direitos, em boa parte, pelo posicionamento do INADEC que tem adoptado medidas para aumentar a consciencialização, promovendo campanhas educativas e programas de divulgação para informar os consumidores sobre os  direitos e deveres.

Quais são os sectores que mais têm recebido reclamações?

Os sectores  de imóveis, seguros, produtos financeiros, ou seja, sectores com  questões complexas  e com pouca informação. Os nossos consumidores têm de ficar atentos porque temos lançado programas e actos de sensibilização a nível dos órgãos de  Comunicação Social.

Muitos são os casos que vão parar as barras da Justiça. Quantos casos deram entrada nos tribunais?

 Temos ainda alguns casos do ano passado encaminhados para os tribunais, para os quais não obtemos respostas, pelo que manifestamos a nossa preocupação pela demora. No entanto, há casos e não são poucos que temos que as partes chegam a um mútuo acordo, por via de mediação de resolução.

Quantas mediações de conflitos foram registadas?

No ano passado,  registámos uma cifra de 912 mediações de conflitos dos quais 70%  já resolvidos , e que resultou na recuperação dos 150 milhões de kwanzas e entrega de outros bens móveis e imóveis à esfera jurídica do consumidor.

 Os restantes casos encontram-se pendentes porque ainda não venceram o prazo estipulado para a resolução dos mesmos. A intervenção foi feita a nível nacional, com destaque  para a  província de Luanda que contou com 80% das restituições, e os restantes 20% estão para outras regiões.

Quais foram os principais casos que levaram à restituição?

Os casos relacionados com a venda de imóvel, restituição de bilhetes a nível das companhias aéreas nacionais (incluindo a TAAG), serviços de distribuição de energia  e  água, oficinas-auto, concessionárias, seguros, produtos financeiros, entre outros.

Há relatos do poder das redes sociais no crescimento dos negócios.

Sim. Outra tendência a aumentar são os negócios feitos nas redes sociais, pelo que ampliado a vulnerabilidade dos consumidores, pois a maior parte destas pessoas que propõem negócios não têm domicílios identificados, o consumidor sente-se ainda atraído por esses produtos e a posteriori, essas acções acabam evoluindo para os crimes de burla. Apelamos os consumidores a terem uma certa prudência e aumentarem a sua consciencialização no sentido de não enveredarem pelos operadores económicos, que não ofereçam garantias para a realização de qualquer negócio jurídico. 

Em épocas de recessão económica, o consumo é uma das áreas mais afectadas. Qual é a situação do consumidor angolano?

Daquilo que é a nossa leitura, penso que temos estado a corresponder os intentos dos consumidores, mas talvez, por via de um inquérito se possa realizar e saber de facto qual é o grau de satisfação.

O que está ou deve ser feito para a melhoria do quadro actual?

Para causar impacto, é essencial estabelecer prioridades. A actual Lei de Defesa do Consumidor precisa de ser adaptada à nova realidade. O documento em questão é de 2003, enquanto estamos em 2024, o que evidencia o surgimento exponencial de diversos serviços para os quais a nossa legislação ainda não possui respostas.

Outro ponto importante diz respeito à criação da "Política Nacional de Consumo", pois é crucial estabelecer uma política que defina os princípios fundamentais dos direitos do consumidor. É necessário buscar directrizes internacionais, adaptando-as à nossa realidade social por meio de políticas que verdadeiramente atendam aos interesses do mercado consumidor.

E quanto à aprovação do Estatuto Orgânico do INADEC?

Aguardamos que o mesmo seja efectivado por via da sua aprovação e acredito que os órgãos competentes devem estar a trabalhar  para torná-lo  realidade.

Qual é a sua opinião sobre o poder de compra?

Sentimos que há uma diminuição do poder de compra por via das reclamações que são apresentadas pelos consumidores. Mas, acredito que existe um grande esforço a ser feito no sentido de se mudar o quadro.

Neste contexto, é necessário a intervenção de um trabalho multissectorial, envolvendo instituições responsáveis pela regulação de preços, fiscalização das actividades comerciais e imposição de responsabilidades aos agentes económicos em termos do consumo, conforme previsto no artigo 452º relacionado a delitos económicos. Além disso, a questão da produção nacional é crucial, sendo fundamental aumentar a  nossa capacidade de produção interna e importar somente aquilo que é essencial para suprir as lacunas do que não conseguimos fabricar.
 

O INADEC está menos activo, mas também já não se ouve falar da ANIESA…

Quanto à questão se for uma afirmação, relativamente ao INADEC,  não corresponde com a verdade porque a instituição tem feito o seu trabalho,  a nível dos órgãos da Comunicação Social e da formação tem apresentado publicamente os resultados dos trabalhos.

Por outra, a nível dos municípios também estão a ser gizadas acções, os nossos programas de sensibilização também passam em línguas nacionais. Quer dizer que há uma necessidade de fazer chegar a informação àquelas zonas de difícil acesso.

Outrossim, estivemos a poucos dias nas províncias de Benguela, Lubango, Cuanza-Sul, Cuanza-Norte e Malanje, onde foram feitos diagnósticos acentuados. A acção foi no sentido de fazer o acompanhamento do funcionamento destas regiões a nível do mercado de consumo. É necessário que haja também um maior apoio dos governos provinciais em definirem a questão da prioridade para o seu sistema de governação.

Quais os limites e competências de uma e outra entidade?

Em linhas gerais,  a ANIESA tem a responsabilidade de inspeccionar, fiscalizar as actividades comerciais e a questão ligada à segurança alimentar. O  INADEC tem a responsabilidade de promover as políticas de protecção e salvaguarda dos direitos do consumidor no mercado de consumo.

Aqui, uma coisa é a questão comercial e outra é o mercado de consumo, são questões completamente diferentes, mas como a nossa actividade é transversal , por vezes a questão do consumo pode nascer  ou estar ligada ao comércio, mas chega um limite onde há a necessidade de actuação do INADEC e da ANIESA.

Portanto, daquilo que tem sido a nossa  intervenção no mercado nacional, não temos tido qualquer divergência atendendo o facto de que as nossas actuações têm sido devidamente concertadas e articuladas no sentido de cada um salvaguardar as atribuições  de cada instituição." Penso que isso deve ficar bem claro".

Quem e como se fiscalizam os operadores comerciais?

Essa responsabilidade é atribuída à ANIESA por via do Decreto Presidencial 267/ 20, de 16  de Outubro.


A fiscalização é mesmo higiénico-sanitária, estrutura de preços, habitabilidade do meio e qualidade dos produtos?

A nossa fiscalização é feita por via das reivindicações que vêm nos Livros de Reclamações, logo, a questão que coloca também é da responsabilidade da ANIESA.

Há muitas reclamações sobre as condições em que várias fábricas, cantinas, padarias e outros trabalham…

A inspecção destas actividades também é da responsabilidade da ANIESA, mas se for uma reclamação sobre a qualidade do produto que é feito para o consumidor,  já é responsabilidade do INADEC.

Já agora, há registo destes casos?

Sempre que recebemos uma reclamação que não é responsabilidade do INADEC intervir, reencaminhamos para a instituição de direito, sobretudo quando se trata de  questões ligadas ao fórum laboral e inspecção. A acção é articulada por via de ofícios à remessa desses documentos a instituições de direito.

"O pão que o diabo amassou”

 Alguém escreveu que  olhar para a higiene de certas padarias estamos a comer "o pão que o diabo amassou”…

Também sou consumidor,  não sei dizer quais os critérios que foram utilizados para afirmar de forma categórica essa citação. Mas, temos de reconhecer que existem também pessoas que enveredam por um trabalho de qualidade, principalmente,  a nível das pastelarias e  padarias.

Agora, quem está a incorrer com falta de asseio, higiene e outros componentes que são fundamentais para garantir a qualidade dos bens e serviços, esse pode esperar que os dias estão contados , porque as acções de fiscalização e inspecção continuam a decorrer.

Por outra e ainda sobre o pão, cada vez mais sobe o preço e reduz-se o tamanho (volume). O que se passa?

Todos nós gostamos de consumir pão por hábito e necessidade. Algumas fontes dizem que os operadores económicos estão a utilizar o argumento da subida do preço da farinha de trigo para justificar os altos preços do pão. Mas,  para  o INADEC  esta justificação é insustentável.

É importante lembrar que, no final das contas, é o consumidor que paga o preço mais alto e isso precisa ser corrigido urgentemente. É preciso mão pesada na fiscalização e inspecção na cadeia  da comercialização do trigo.

Como controlar os ajustes de preços?

 Somos da opinião, como já sublinhei, que se crie uma equipa para identificar os problemas e buscar as soluções.

Há ou não especulação nos agentes informais e mesmo nos formais do comércio, indústria e logística?

O INADEC não faz serviços de inspecção, logo, não conseguimos dar esta resposta.

Os fiscais do INADEC fiscalizam mesmo?

Sim, fiscalizam os Livros de Reclamações, isto é, todas as reclamações que são submetidas no Livro  de Reclamações, o selo do Livro de Reclamações é responsabilidade do INADEC por via do Decreto Presidencial 234/16 de 9 de Dezembro, que dá a faculdade da instituição fiscalizar o livro. 

E, como eles são fiscalizados?

Qualquer consumidor que se sentir lesado pela forma de actuação de um dos nossos colegas, tem o INADEC disponível para apresentar uma reclamação sobre a questão, ou pode denunciar também na plataforma onde a instituição está inserida. Mesmo eu que vos falo como um dos directores, se minha prestação de serviço, não for a mais adequada e eu ofender os direitos e interesses dos consumidores, também a parte ofendida tem o dever de reclamar junto do meu superior hierárquico, nesse caso, o ministro da Indústria e Comércio.

Aproveitando a deixa, quantos livros já foram distribuídos e da parte das instituições quantas têm contribuído ou dado resposta?

O manual tem tido muita saída. A título de exemplo,  de Janeiro a Março deste ano já vendemos mais de dois mil Livros de Reclamações, a preço unitário de 50 mil kwanzas. Nessa altura, há uma procura frenética.

Com o lançamento do manual houve melhorias os serviços?

Sim muito, porque cada vez mais os prestadores de serviços têm a necessidade de dialogarem com o  consumidor  e resolver de forma célere os constrangimentos registados.

Isto porque, quando a reclamação chega ao INADEC, por via do livro, há uma série de procedimentos que devem ser  feitos, e que podem despoletar outras situações  que envolve o próprio operador económico. Como os mesmos não querem ser citados nos órgãos de Comunicação Social obriga-os de forma célere responder às necessidades do consumidor, daí que, o manual foi criado para facilitar o diálogo entre ambos. 

Ainda sobre o manual quais são os sectores mais reclamados que nele constam?

É o sector da Restauração, questões relacionadas ao aluguer de salão, serviços de decoração, incumprimento dos contratos, falta de transparência na aplicação dos preços, entre outras situações. A restauração acaba por ser mais reclamada do que os serviços médicos. No caso do sector da saúde, a questão por ser complexa é enviada  à ordem dos Médicos  e à Inspecção que tem apoiado o INADEC.

 Quer aproveitar esta entrevista para dar um conselho ou coisa que o valha a alguém?

Aos operadores económicos e  gestores aconselho a melhorarem a conduta perante o consumidor , porque quem garante a sua sustentabilidade e existência no mercado é o comprador. Um consumidor satisfeito é um negócio ganho e que pode prosperar.

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