Cultura

Histórias de poligamia no contexto rural

Estanislau Costa | Lubango

Jornalista

Entre a tribo Handa, que habita nos arredores do município de Quipungo, situado a mais de 120 quilómetros a Leste da cidade do Lubango, Ombanda há muito passou a ser um pressuposto de produtividade, dignidade, prestígio social, honra e, fundamentalmente, um princípio cultural.

17/03/2024  Última atualização 11H22
© Fotografia por: Estanislau Costa| Edições Novembro

Francisco Tyengelela há décadas que se acostumou a ser um dos primeiros a se deslocar à lavra. Consta que as suas raízes são de gente abastada, detentora de animais diversos, com realce para aves e gado bovino, caprino e suíno, resultantes do árduo trabalho que envolve garotos e adultos. Os vizinhos das aldeias próximas não hesitam em afirmar que o kimbo de Tyengelela"tem feitiço ou uma força sobrenatural que cuida de tudo”, por nunca terem passado fome.

Testemunhas referem que o tio de Tyengelela já era alguém, com duas mulheres bem tratadas e com muito sucesso. O seu sustento e da sua prole provinha de várias manadas e do campo de cultivo. Um dia desses, Tyengelela faltou à lavoura para encontrar-se com Ndombole, rebento dum outro camponês, não tão rico como o seu tio.

Faz dezasseis meses que um maldito raio caiu numa das casas da sanzala e matou Joaquim Kambonde, tornando o jovem Tyengelela num herdeiro abastado, pela razão do falecido ser seu tio. Sob sua responsabilidade estavam mais de 300 cabeças de gado bovino e dezenas de caprinos, suínos, galinhas, patos e pombas.A sua primeira relação, aos 22 anos de idade, não teve pernas para andar. A menina Ndipulya, 17 anos, teve duas situações desconfortáveis com os familiares de Joaquim Kambonde. Não chegou a ter filhos e, como se não bastasse, era tida como uma mulher preguiçosa.

Por isso, só quando completou 27 anos de idade, e por ter perdido o dinâmico e conselheiro tio Joaquim Kambonde, Tyengelela teve uma nova relação, que também serviu para amenizar a sua dor persistente e o vazio que existia no convívio familiar.

Completam o cenário, o facto do falecido ter deixado duas noivas, sendo uma novinha e outra já com certa idade. A mais nova optou por abandonar a sanzala e retornar à sua família, localizada nos arredores do município de Cacula e tentar uma nova sorte.

 
Filhos nas cidades

Francisco Tyengelela, hoje com 63 anos de idade, vive com 11 netos com idades inferiores a 12 anos. Os filhos habitam todos em zonas urbanas. A maioria prossegue os estudos, mas outros já têm a vida feita, sendo alguns professores, militares e seguranças privados, enquanto outros trabalham por conta própria.

Tyengelela dá agora o seu máximo para reproduzir a renda familiar, agora com três mulheres, das quais a mais nova é a Nankali, rapariga muito fina, alegre e trabalhadora. Na verdade ela também teve os seus desaires. É mãe de dois filhos cujo pai, negociante de gado bovino e caprino, há sete anos que nunca mais deu sinal.

O casamento tradicional foi com pompa e circunstância. A cerimónia durou seis dias. Convidados de vários kimbos marcaram presença. A seca, pese embora seja um mal de que enfermam determinadas localidades das províncias da Huíla, Namibe e Cunene, facilitou a vida de Tyengelela, que soma,  actualmente, três mulheres e 28 filhos. Está feliz e prefere respeitar os valores culturais da poligamia no grupo etnolinguístico Nkhanka-Nkhumbi. Segundo ele, "o importante é dar boa vida a todas as mulheres e filhos”.

 
Tyvangulula arranja mais uma esposa

As cinco pessoas eram poucas para cuidar do rebanho. Por exemplo, os porcos dão mais trabalho para alimentá-los e cuidar da limpeza das pocilgas, principalmente na época seca. Nihova pediu a Tyivangulula para arranjar mais uma mulher com vista a auxiliar nos trabalhos domésticos.

Para o efeito, percorreram 20 quilómetros até ao kimbo vizinho da Nankali, sete anos mais nova que a esposa de Tyivangulula. A sugestão foi de Nihova, que a conhecera num efiko (festa da puberdade) há 10 anos. Na investida, fez-se acompanhar de uma tia, da viúva Nangula, do seu primo Tyivanja e da primeira esposa, Nihova.

A jovem pretendida, com 21 anos de idade, possui, de facto, uma estrutura frondosa. Admirável ao ponto de serem poucos a resistir à tentação. Com um andar ritmado, ela vinha da apanha- da  lenha vestida de mpoleko, com o peito coberto de missangas amarelas e vermelhas, seios pontiagudos.

As tranças eram típicas, embelezadas com ngundy (pomada típica vermelha). Uma kimbala com massarocas, matila, lombi, e, mais acima, um feixe de lenhas, auxiliada pelas duas mãos. Ela se aproximava lentamente do kimbo. Ainda na cintura, tinha uma corda de palha que suportava uma cabaça de 10 litros de água, acarretada de uma ximpaca já com alguma água acumulada face às chuvas que caem nos últimos dias.

A sua ignorância levou a se despreocupar em saber dos motivos da presença de um grupo familiar no quintal. Vandulyeka, da equipa de visitantes, a viu se aproximar. Estupefacta com o porte da futura mulher do primo, cedeu imediatamente à proposta da tia, para que a jovem seja mesmo a segunda esposa de Tyvangulula.

Este encontro quase hipnotizou as duas famílias, e, para minimizar os ânimos, Vandulyeka desatou aos gritos. A gritaria não representava tristeza. Mas sim alegria, porque, finalmente, o primo Tyivangulula conseguiria uma nova companheira que impunha respeito e, antes de tudo, era obediente.

A nova dama oferecia garantias de recuperar o que as outras duas mulheres de Tyvangulula já não conseguiam fazer. Aliás, diga-se em abono da verdade, as duas esposas já sentiam o peso da idade. Afinal, eram 20 anos de convivência marital e árduo trabalho no campo e na criação dos animais.

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