Cultura

O estilo musical Tchamba do povo Hungo pode desaparecer por falta de valorização

O estilo musical e dança tradicional Tchamba, da etnia Hungo, praticada pelos habitantes dos municípios Banga, Bolongongo e Quiculungo, na província do Cuanza-Norte, é caracterizado pela harmonia sonora de três batuques que produzem melodias distintas, com o suporte de um chocalho de lata. O estilo musical do povo Hungo pode desaparecer ao longo dos tempos por falta de valorização e preservação.

16/04/2024  Última atualização 09H00
A dança tradicional é praticada com ginga, em que o movimento peculiar das ancas desperta a atenção dos espectadores © Fotografia por: Nilo Mateus | Edições Novembro

Hoje, o estilo é cada vez menos utilizado nas cerimónias tradicionais das comunidades.

A dança típica é rígida, exige traquejo e flexibilidade dos pés à cintura. Para a execução, normalmente cria-se uma roda, em que as meninas ficam de um lado e rapazes do outro. Posteriormente, são executados vários passos como a "Malenga” que significa a escolha do parceiro, permitindo que o cavalheiro ou dama indique o parceiro a seu gosto. A dança é praticada com ginga, em que o movimento peculiar das ancas chama a atenção da assistência.

Segundo o chefe secção da Área Cultural da administração municipal de Bolongongo, Joel Panzo, apesar da singularidade que a referida dança apresenta, muitos consideram-na em desuso por ser antiga e representada com trajes feitos de capim "Tsango”. São, igualmente, utilizados sacos para se produzirem as saias tradicionalmente denominadas por "Muzua”. Existem ainda aqueles dançarinos que preferem usar outros acessórios para deixar os bailarinos mais vistosos.

Os dançarinos podem ainda usar uma máscara com as características do rosto de um leão, como forma de demonstrar a bravura e resistência às adversidades do dia a dia.

Joel Panzo explica que a música Tchamba, cantada em Hungo, língua nacional, foi criada da junção do Kimbundo e Kikongo.  A dança surgiu na década de 60, na região de Kazambula Mambo, zona fronteiriça entre as províncias do Cuanza-Norte, Uíge e Zaire.

O responsável elucida que a musicalidade emitida pelos três batuques, servia de meio de comunicação para despertar e descobrir os compatriotas e guerreiros perdidos nos bosques, fugidos da repressão colonial. O som dos batuques, disse, servia igualmente para convocar a comunidade a participar nas reuniões.

Joel Panzo frisou que por falta de valorização e preservação do estilo, com o passar dos anos, está a perder a essência, principalmente por falta de interesse dos jovens na continuidade. Em algumas ocasiões, é tocado e dançado para dar as boas- vindas aos visitantes.

Danças usadas para os rituais

A região tem diversos estilos musicais como o Kabokele, Ndondela, Mama Mbanda e Bikingui. No caso particular do Kabokele, explicou que é uma dança usada para o ritual da circuncisão dos homens e quando tocada, atraía qualquer médico tradicional da zona para se juntar à cerimónia e a participar na festa.

Joel Panzo informou que está em curso a criação de um projecto para a recuperação e valorização da cultura local, sobretudo das danças e músicas regionais. O programa, garantiu, já foi submetido ao gabinete do administrador municipal de Bolongongo. Para auxiliar, o mesmo conta com as contribuições dos sobas e outros anciões da zona.

"A intenção é, anualmente, durante as comemorações festivas, a exibição dos estilos e danças tradicionais e típicas da região do Hungo”, disse.

O impacto das músicas e das danças tradicionais

O também cantor de música tradicional afirma que por optar pela preservação dos estilos locais, já foi muitas vezes chamado por "parentes de feiticeiros". Mesmo assim, garante, pretende continuar a preservar o estilo como forma de deixar um contributo valioso para o património imaterial musical da província do Cuanza- Norte.

"Gostaria de fazer mais em prol da cultura local, mas estou de mãos atadas por falta de condições financeiras para a gravação de um álbum”, sublinhou. O músico frisou que, actualmente, tem já mais de 30 músicas gravadas que aguardam apenas por um patrocínio para a masterização e gravação do primeiro disco de originais.

"As vezes quando sou convidado para casamentos, as pessoas ignoram-me, devido aos trajes que uso, mas com o embalar das melodias das minhas canções, são os próprios convidados que acabam por reconhecer o valor das músicas tradicionais", lamentou o comportamento de muitos.

Outrossim, observou, o seu trabalho continua a ser mais valorizado nas províncias do Bengo, Uíge, Malanje e Luanda. Para o chefe de departamento para o Sector Cultural do gabinete provincial da Cultura, Juventude e Desporto, Ginilson da Costa, a música e dança tradicional no país carregam consigo valores ancestrais e desempenham um papel crucial na preservação da cultura e identidade nacional.

Para Ginilson da Costa, cantar música tradicional vai além da entoação de acordes musicais. "É preciso conhecer o historial de cada letra e entender quando a canção deve ser exibida publicamente”, lembrou.

Marcelo Manuel | Bolongongo

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