Opinião

Perdidos no Dubai

Soberano Kanyanga

Jornalista

Desde a sua primeira ida, há já bons pares de anos, que Mangodinho se negava em contar as suas peripécias nos Emirados. Hábil inventor e contador de cenas, de sua boca já saíram das mais ousadas às mais arrojadas narrativas, umas verdadeiras, umas de ouvir contar e outras ainda paridas pela sua fecunda imaginação de filósofo de aldeia rural, mas nunca se atreveu a contar ou escrever sobre a vida nos Emirados.

19/05/2024  Última atualização 10H14

O sol que os recebeu naquele dia de descanso semanal obrigatório era rebelde. Isso mesmo. Nos céus azuis, parecia envergonhado, mas o calor que passava era de 36 graus ou mais. Mangodinho, palito na boca, a picotar nos dentes cariados os pedaços de pão que comera no avião, ia acompanhado de Lito, amigo há já nove anos que conheceu no trabalho.

Chegaram bem. Felizmente. O destino era Dubai, aquela terra rica e deslumbrante, que há cerca de cinquenta anos foi território seco e arenoso de pobres pescadores e montadores de camelos, um nada comparado às nossas bwalas aos olhos de hoje.

- Ó mano, vamos ainda ao Mall procurar algo para comer. - Convidou o Lito que se dizia apossado de fome.

Andaram pelo imenso shopping uns bons quilómetros à procura de restaurante. Melhor, prevenindo-se de uma possível distração que os levasse a não reconhecer o ponto de saída, Lito e Mangodinho decidiram, antes, recolher as coordenadas geográficas via Google. Nisso, o pensamento foi simultâneo e até pareciam ter sido inspirados por um deus daquelas terras recomendadas ao Ismael da Bíblia e Corão.

Cima a baixo, ora pelas escadas rolantes, ora pelas escadas normais que se achavam largas, limpas e arejadas, percorreram o gigante shopping em busca de pitéu que acabaram encontrando quando já forças inexistiam para mais andar.

- Epá, vamos comer o que houver. Já não tenho pernas para mais procura, nem energia que permita mais espera. - Disse desta vez, Mangodinho acossado por uma dorzita na perna defeituosa.

Lito, homem de massa muscular a apontar os cem ou mais quilos, concordou jogando o seu corpo pesado sobre a cadeira que se achava ao lado.

- Would you mind giveusthe menu, please?! - Indagou Mangodinho, ensaiando o seu inglês aprendido na "South” em SeaPoint.

- I’msorry. It'sourbreaking time to pray. We’llbebackat 6h30. - Informou o jovem garçom (waiter na língua internacional que eles se esforçam em aprender e atender os visitantes de longe).

Mangodinho e Lito entreolharam-se.

- E agora? - Questionou Lito.

- Bem, eles estão no Ramadão. Se é break time deve ser geral. Só temos uma saída que é aguardar.

Com um lago artificial pela frente onde canoas e pequenas embarcações de recreio desfilavam, os trinta minutos voaram e deram lugar a um impressionante espectáculo de jactos de água e luzes projectados piscina abaixo.

- Epá, esses gajos estão longe, meu mano. - Admirou Lito a gaguejar.

- Temos de registar isso e mostrar aos miúdos lá na ngimbi para começarem a sonhar com o futuro que para os outros já é presente. Admira-me como é que os outros fazem arquitectura futurista e nós, nas nossas escolas de arquitectura e engenharia civil, recuamos ao período helénico, clássico-romano, gótico e outras antiguidades. – Respondeu Mangodinho, algo filosófico.

O momento levou-o ao tempo em que estudou e era apaixonado pela história das civilizações e filosofia.

Não demorou para que o waiter lhes desse o pitéu que devoraram com um apetite de quem vive escassez prolongada.

Barriga atendida, relógio avançado na hora, corpo reclamando repouso de uma viagem que tinha ainda milhares de léguas pela frente, a decisão estava tomada: regressar ao hotel pelo caminho gravado nos telefones.

Entre recordações de letreiros e pessoas que se revezaram nas lojas e entroncamentos, caminharam um longo caminho que mais se parecia labirinto. O Google os levava para os mesmos lugares, sem nunca encontrarem a porta de entrada do hotel. Foi depois de já não restarem forças nos pés, nem comida no estômago que decidiram parar um daqueles carritos eléctricos que ajudam os idosos e as crianças a chegarem mais cedo ao destino, pedindo que os levasse de volta ao oculto hotel.

Lito, anglófono reconhecido e com muitos anos de Damaralândia, passou à frente da tentativa.

- Good afternoon, Sir! Please can you ride us to the Hotel? Welosttheway. - Diligente, filho alheio, o homem mandou-os subir como faz com os velhotes e crianças cansados de tanto caminhar.

- Come on. - Atirou sorridente.

Não é que a entrada traseira ficava a não mais de trezentos metros? Há momentos em que não basta dominar a língua universal e o caminho do Google. É preciso ser viju também!

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