Em quase toda parte da cidade de Luanda, bem como em outras cidades de Angola, é comum ver mototáxis circulando. Em busca de melhores condições de vida, Augusto Kalunga viu-se obrigado a se tornar um mototaxista, superando o preconceito de familiares e amigos para garantir o sustento da sua família e cobrir outras necessidades.
O presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Dom José Manuel Imbamba, reconheceu, sábado, no município de Caungula, província da Lunda-Norte, que ao longo dos 22 anos de paz e reconciliação nacional, o país conseguiu alavancar muita coisa, mediante à criação de boas infra-estruturas, tendo apontado a ausência da construção da mentalidade humana como o “elo mais fraco“ nesta importante caminhada para a construção integral da vida dos angolanos.
Os sobreviventes do “4 de Fevereiro de 1961”manifestaram-se “extremamente descontentes” com o estado de degradação do Monumento Histórico do Cazenga.
Numa visita efectuada ao local, onde está erguida uma estátua em memória aos Heróis do 4 de Fevereiro, quatro dos 10 sobreviventes do memorável acontecimento de 1961 não conseguiram esconder a desolação, perante a situação de abandono em que se encontra aquele monumento.
Ao Jornal de Angola, Pascoal Francisco Caifalo, 92 anos, Amadeu Calemba, 83, Engrácia Cabenha, 86, e Agostinho Inácio "Kissekele”, 84 anos, pediram maior atenção para o monumento que simboliza o início da Luta Armada de Libertação Nacional.
Para a Engrácia Cabenha, Rainha do 4 de Fevereiro e presidente da Associação dos Heróis desta gesta, as condições em que se encontra o Monumento não orgulham os que lutaram e muito menos os angolanos, de modo geral.
"Nós pegâmos em catanas para derrubar o regime colonial. E, na altura, lembro que o camarada Presidente Agostinho Neto nos disse assim: vocês que participaram no 4 de Fevereiro, hoje vão dirigir a ODP, que era um dos ramos das FAPLA. Recebemos os primeiros cubanos que chegaram a Angola. Foram momentos inesquecíveis”, lembrou.
A Rainha disse que não se revê na actual imagem do Marco Histórico do 4 de Fevereiro. "Não estamos satisfeitos. Este espaço, que deveria ser de visitas para conhecimento da História, tornou-se num local de brincadeira das crianças. Faço um apelo ao senhor ministro da Defesa Nacional, Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria para que olhe para este monumento”, acrescentou.
Amadeu Calemba, outro nacionalista, considera ser tempo de dedicar maior atenção aos sobreviventes da Luta de Libertação Nacional e honrar a memória daqueles que deram o seu máximo para que Angola conquistasse a liberdade e fosse dono e senhor do seu próprio destino.
"Este é um Marco Histórico e não um local qualquer. A Polícia Nacional está aqui próximo, mas as crianças saem da escola e ficam aqui para brincar, como se fosse um parque de diversão”, lamentou o sobrevivente dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961. Acrescentou que o local de homenagem aos Heróis da Luta de Libertação Nacional deveria merecer outro tratamento.
"Se este local estivesse bonito, o país ganharia dinheiro com isso, porque as pessoas podiam visitar e tomar contacto com a História de Angola”, frisou, chamando à responsabilidade as pessoas que têm a obrigação de velar pela conservação daquele Monumento.
Segundo o nacionalista, nos dias do aniversário do início da Luta Armada de Libertação Nacional, o ideal seria que o acto de celebração da data acontecesse no Marco Histórico. "Mas as condições do local não permitem a realização de qualquer acto com alguma dignidade”, sublinhou.
"É uma pena que isto esteja assim”, lamentou Amadeu Calemba, apontando o dedo indicador para os passeios quebrados e placas de registo dos nomes dos heróis danificadas.
Condições
de vida
Paralelamente à defesa da conservação dos monumentos históricos do país, os heróis da Luta de Libertação Nacional consideram imperioso a garantia de melhores condições de vida aos sobreviventes do 4 de Fevereiro, que já são muito poucos.
Agostinho Kessekele disse não ser justo que a maioria dos sobreviventes não tenha uma casa entregue pelo Estado ou um meio de transporte. "Continuamos a pedir que nos ajudem. Vivemos no mato. Um herói do 4 de Fevereiro vive na mata. Não tem uma residência. Com 92 anos de idade que tenho, o que é que mais posso esperar? Este mês todos se lembram de nós, mas depois de passar a data já não existimos. O que a gente ganha não dá para sobreviver”, lamentou.
Apesar de acreditar em dias melhores, Amadeu Calemba sugere a criação de condições para que os sobreviventes do 4 de Fevereiro deixem de "lutar pela vida”.
"Éramos 3.123 homens. Hoje somos apenas dez pessoas, entre as quais uma mulher. Não há guerra sem mulher e a Engrácia fez parte deste grupo. Estava escondida com guarda-costas, com apenas 12 anos. Era uma menina. Valeu o esforço, porque a escravidão do colono era demais”, confessou.
Pascoal Francisco Caifalo disse estar a viver longe de Luanda, por não ter conseguido um lugar na capital do país. Tem a patente de tenente-general , mas disse que esperava por um "maior reconhecimento”, por tudo o que fez em prol da libertação do país.
"Além da luta pela libertação de Angola, também somos antigos combatentes. Penso que merecíamos muito mais”, referiu o mais velho dos sobreviventes do 4 de Fevereiro, hoje com 92 anos.
"O camarada Presidente Neto disse-nos, certa vez, assim: camaradas, vamos esquecer o passado. Se lembrarmos o passado, não vamos construir a nossa Angola”, lembrou, a finalizar.
Obras da sede da Associação sem fim à
vista
A sede da Associação Heróis 4 de Fevereiro está a beneficiar de obras de reestruturação e melhoramento. A reabilitação teve início em Janeiro do ano passado e, segundo a presidente da organização, Engrácia Cabenha, não se sabe quando as obras terminam.
As obras da sede, situada no Cazenga, incluem a reparação dos compartimentos, pintura e apetrechamento.
Engrácia Cabenha considera não estar satisfeita com as condições das obras, acrescentando que "muita coisa deve ser melhorada”.
"As obras da Associação ainda decorrem e duram desde Janeiro do ano passado. Todas as vezes a gente fala, mas não há quem nos escute. Lançamos sempre gritos de socorro. É muito triste, porque não temos onde trabalhar”, afirmou.
Depois do anúncio de que a sede entraria em obras, disse a Rainha, era expectável que ela fosse durar menos tempo, proporcionando aos membros da Associação Heróis do 4 de Fevereiro melhores condições de trabalho.
"Estávamos à espera que pudéssemos gozar deste privilégio, mas não tem sido assim. Continuamos sem sede para trabalhar e, também, sem casas entregues pelo Estado, com excepção daqueles que, depois, se tornaram ministros”, esclareceu.
Engrácia Cabenha disse, a finalizar, estar na expectativa de que, este ano, a celebração do 4 de Fevereiro, nas actuais condições do momento em que se homenageiam os heróis da Luta de Libertação Nacional, sirva de reflexão para a importância de se inverter o quadro.
"Que nos dêem pelo menos uma casa para morar e um carro, e a patente a que temos direito, enquanto iniciadores da luta pela liberdade de Angola”, apelou.
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