Sociedade

Uma vida feita de fé e persistência

Rui Ramos

Jornalista

Oriundo de uma família humilde, Inácio Consengue Mandi nasceu no dia 18 de Janeiro de 1993, no Morro Bento, em Luanda. Filho de Inácio Mandi e de Helena Constantino Cuvina, conta que uma das características de família é a educação.

21/04/2024  Última atualização 10H20
© Fotografia por: DR

Actualmente a viver em Viana, lembra que na infância gostava de jogar à bola, ir à praia no Kaposoca e escamar peixe para levar alguns valores para casa. "Viajávamos nos autocarros de fole de borracha para chegar à praia do Benfica e recolher mabanga, o sustento da família, quando vivíamos no Morro Bento. Muitas vezes andava de canoa”, recorda.

No nascimento, disse, recebeu o nome de Cassaco, porque antes de nascer, a mãe havia tido um outro filho que morreu. "Com medo de perder outro filho, ela e a melhor amiga, na altura, me deram um nome feio: Cassaco”, disse, acrescentando que era o bebé querido da mãe, até nascerem os irmãos gémeos.

Com dez anos, revelou, já fazia negócios. "A minha mãe era a minha fonte de inspiração. Ela fez tudo pelos filhos”, recordou, além de explicar que, quando foi viver em Viana, vendia água fresca no mercado do Luanda-Sul e doces no mercado da Sanzala,  para acudir às várias necessidades de casa. "Era dinheiro para vestir, comprar material escolar e sustentar a família”.

 "Mais tarde, fui obrigado a deixar o negócio em função da escola. Fiz o ensino primário na escola ‘Vermelhinhas’ e depois fui transferido para a escola primária Rainha Nhakatolo, onde efectuei da primeira à sexta classe. Na altura, não gostava de estudar e só me preocupava com a aparência. Fugia das aulas, em especial as de língua portuguesa, porque não sabia ler. Depois fiz o ensino secundário na escola Comandante Loy”, referiu.

 
Perdas

Na infância, disse, era muito ligado ao pai. Quando ele dormia de serviço, afirmou, passava toda a noite a chorar. A vida de todos, recordou, começou a mudar após a morte do pai, em 2012. "Foi um golpe muito duro, não foi fácil superar a perda. Mas a família tornou-se muito unida e sólida”, continuou, acrescentando que consumia álcool dos 17 aos 19 anos, por causa do trauma.

"Meses depois, chegou um momento que tive de reflectir em torno disso. Era um vício que não me ajudava absolutamente nada. Tinha de me definir. Então comecei a me questionar sobre qual o motivo de estar neste mundo, qual a missão da vida. Por isso, deixei de consumir bebidas alcoólicas. É claro que não foi fácil. Era uma nova vida. O primeiro passo era deixar de andar com alguns amigos e aplicar a lei da renúncia, reconstruir os objectivos e ser duro comigo mesmo”, disse, além de lembrar que no dia da decisão aprendeu que há um momento na vida em que devemos puxar de uma cadeira para sentar e perguntar quem somos e aonde queremos chegar.

Hoje, realça, é uma pessoa totalmente diferente, com boas perspectivas, que congrega valores, morais e éticos, e valoriza as pessoas. "Não foi fácil superar todas as barreiras e a rejeição. Mas com fé, determinação, persistência, foco, disciplina e discernimento venci as lutas”.

 
Mérito

Inácio Consengue Mandi conta que entrou para o grupo Liga Missionária na Paróquia Imaculada Conceição, onde começou a superar, aos poucos, a morte do pai. Na altura, adiantou, estudava o ensino médio no Colégio Carmenf, onde recebeu um diploma de mérito. "Fiz um curso de pedagogia em 2015 e comecei a dar aulas no ano seguinte”, prosseguiu, acrescentando que concorreu ao Concurso Público da Polícia Nacional, onde foi admitido.

Numa ocasião, com os irmãos gémeos Domingos Sabalo Jamba e Eduardo Tchoihossi, em 2020, ajudou um amigo vizinho que estava a passar por muita necessidade e com quem criou uma organização filantrópica, o Projecto Fé Inteligente, actualmente denominado Associação Nova Realidade, para ajudar as pessoas mais desfavorecidas. "Hoje a organização é uma realidade”.

Muitos jovens, confessou, já o aconselharam a seguir teologia ou ser padre. "Mas, é difícil. Penso ser catequista para transmitir, defender e divulgar as orientações divinas aos mais pequenos”, acrescentou, além de informar que muitos jovens, especialmente em Viana, o tomam como exemplo em função do trabalho filantrópico que desenvolve. "Sou um trabalhador-estudante. Não tem sido fácil. Todos os dias é um recomeço, porque tenho uma missão com a sociedade e pessoalmente quero terminar os estudos”.

 
Projectos

Logo que termine os estudos superiores, disse, pretende escrever um livro sobre a trajectória de vida. "Ser um líder jovem é uma oportunidade para influenciar positivamente as comunidades, organizações e até mesmo o mundo em geral. Temos a possibilidade de criar transformações significativas e inspirar outros a agir”, realçou.

Quando era mais jovem, prossegue, "tive muita dificuldade para ingressar no ensino superior por falta de possibilidade financeira, mas nunca desisti dos meus sonhos, considero-me uma pessoa corajosa, forte e muito dedicado às coisas quando o assunto é trabalho”.

Actualmente, referiu, se vê como um jovem religioso, humilde respeitoso e batalhador. "Essas qualidades têm sido indispensáveis no percurso da vida”, realçou, além de destacar que hoje a vida é de superação e de agradecimento, por tudo que aconteceu e está para acontecer. "Tenho os estudos como prioridade, mas também me preocupo com as dificuldades das pessoas que me cercam. Sempre corri atrás das minhas metas, mesmo quando o mundo dizia não. Dificuldades nunca foram barreiras. Pelo contrário serviram de lição de vida. Muitas vezes, senti o caminho difícil. Senti-me machucado, fracassado e escorreguei, mas não desisti”, afirmou.

A fazer o curso de Sociologia, no Instituto Superior Politécnico Tocoísta, Inácio Consengue Mandi disse que não tem sido fácil em função do horário e dos transportes. "Todos os dias corro riscos nas paragens, mas não desisto da formação. Hoje pago a minha formação. É das coisas que me faz trabalhar todos os dias, permanentemente, com dedicação e senso de responsabilidade para sustentar os estudos e ajudar os irmãos”, realçou.

Para Inácio Consengue Mandi, tudo é possível quando começamos a ter certeza do que somos e podemos fazer. "Basta amadurecer e crer para acontecer”.

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