Opinião

A distância entre a DPA e as autarquias

Adebayo Vunge

Jornalista

Foi aprovada, na semana passada, pelo plenário da Assembleia Nacional, a nova Divisão Político-Administrativa de Angola (DPA), resultando daqui uma ligeira reconfiguração da cartografia do país, que passará a contar com 20 províncias, 325 municípios e 375 comunas a partir de 2025.

04/03/2024  Última atualização 06H00
A proposta não é propriamente nova. Mereceu já aturadas discussões, tendo muitas pessoas contra, mas, igualmente, outras tantas a seu favor.

Em 2021, o Executivo lançou uma consulta pública e a proposta era mais abrangente, pois visava dividir as províncias do Moxico, Cuando-Cubango, Lunda- Norte, Malanje e Uíge.

O ministro de Estado e chefe da Casa Civil da Presidência da República, Adão de Almeida, ao fazer a defesa do diploma no hemiciclo lembrou os deputados sobre a pertinência de relançar o debate, passados mais de um ano desde as últimas eleições. A proposta do Executivo surge agora com novos contornos.

"Passado um ano e meio desde as últimas Eleições Gerais, é hora de voltarmos ao debate. A contínua auscultação e ponderação cuidada sobre vários aspectos levou a que se optasse por priorizar, nesta fase, apenas as duas maiores províncias: o Moxico e o Cuando Cubango”.

Adão de Almeida fez uma defesa escalpelizada dos fundamentos administrativos e da bondade da iniciativa, quando as forças da oposição insistem em considerar este um alibi para a não realização das eleições autárquicas há muito reclamadas no ambiente político nacional.

Mas a defesa do ministro de Estado foi incisiva quanto à questão histórica, geográfica e os desafios da Administração do Território.

Este é claramente um lado da questão, tendo faltado uma maior ênfase ao tema da organização e gestão territorial bem como os desafios que se colocam ao nosso país em termos demográficos. Segundo as projeções anunciadas, em 2050 Angola poderá contar com uma população na ordem dos 68 milhões de habitantes, o dobro dos 34 milhões estimados actualmente.

E se olharmos ao que dizia o Arcebispo Dom Manuel Imbamba, a situação é séria e preocupante. Ou seja, temos uma população que cresce, mas sem capacidade de consumo, sem capacidade de gerar renda, e muito marcada pela pobreza.

Se a solução for economicista, então "estamos paiados” porque estamos a "desconseguir” crescer economicamente em termos superiores ao do crescimento da população. A solução é, quanto a mim, eminentemente política, de visão e orientação do Estado no sentido de desmistificarmos a ingente abertura do País em vários níveis, para que haja investimento massivo do Estado, dos privados e aumento do consumo das famílias. No fundo, um quadro de compromisso político que nos permita admitir opções fora da caixa e dos manuais. Eu gosto de utilizar o exemplo do Presidente Lula, do Brasil, no seu primeiro mandato, no tocante ao combate à fome, a desarticulação da perpetua discriminação racial e desigualdades económicas então reinantes. Precisamos, neste sentido, de líderes e uma visão ousada para a resolução dos nossos problemas.

Não podemos ter um território tão grande e tão rico, mas termos cidadãos a viverem na indigência. Não podemos ter províncias do tamanho de tantos países isolados e outros tantos juntos, mas onde não se consegue circular num perímetro de cem quilómetros com estradas, barcos ou ferrovias em condições.

"Por exemplo, ao nível do nosso continente, quer o Moxico, quer o Cuando Cubango, isoladamente, são maiores do que os 12 países menos extensos do continente juntos. Numa perspectiva isolada, cerca de 20 países africanos são menores do que o Moxico e do que o Cuando Cubango. Dos 27 Países da União Europeia, 19 são menos extensos do que o Moxico e o Cuando Cubango, isoladamente. Parece não haver dúvidas sobre necessidade, a urgência e, sobretudo, sobre os benefícios de se alterar a Divisão Político-Administrativas destas duas províncias”, afirmou Adão de Almeida.

O que muitos receiam é que a abordagem do Executivo em torno da DPA possa colocar em risco, ou melhor, adiar a implementação das autarquias. Parece-me honestamente que uma coisa não inviabiliza a outra, desde que se cumpram as diferentes etapas previstas no roadmap, o que passa por concluir-se em definitivo o quadro legal que lhe dê substância, no lugar de meros discursos e de pura confrontação política, que deveria dar espaço a uma mais aconselhada negociação política e parlamentar.

Questiono-me mesmo se até que ponto as eleições autárquicas permitem ter melhor em conta as exigências de democratização e de legitimidade política? É fundamental não abraçar o radicalismo sob pena dos cidadãos se defraudarem com a ausência de respostas dos políticos, como muitas vezes vimos ocorrer em diferentes Estados, aqui de forma particular aos Estados magrebinos pós-primavera árabe.

Por isso, é bom sempre lembrar que as autarquias podem ajudar a resolver alguns problemas, mas não resolvem tudo e, desde logo, é fundamental que estas estejam dotadas de meios humanos, financeiros e regulamentares. Mais do que isso, percebermos que a partilha do poder não é um fim em si mesmo. Mais importante do que isso é conseguirmos que a governação, seja em que nível for, possa ser mais inclusiva e mobilizadora em termos de participação cívica e popular em dinâmicas que levem em consideração a nossa idiossincrasia, os aspectos culturais e até institucionais, não obstante a reforma que se produzirá.

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