Opinião

A “guerra por procuração” entre os EUA e o Irão

Faustino Henrique

Jornalista

Os anglófonos usam a expressão “proxy war”, com o sentido do que se encontra entre aspas no título, um cenário em que dois contendores se enfrentam por via dos seus aliados, como ocorre há mais de 40 anos entre os Estados Unidos, que procuram derrubar a actual teocracia que governa o Irão, e este último que procura resistir para expulsar os americanos da região.

07/02/2024  Última atualização 09H31

Os iranianos não se esquecem e lembram-se, com muito ressentimento, da forma como a CIA protagonizou o golpe de Estado, em 1953, contra o progressista Primeiro-Ministro Mohammed Mossadegh, para instalar a família Pahlevi e acelerar o processo de "ocidentalização” que enfureceu os sectores conservadores do país.

Recordam-se , igualmente, os iranianos do apoio aberto dos Estados Unidos a Saddam Hussein, durante o conflito iraquiano-iraniano, de 1980 a 1988, os confrontos na chamada guerra dos tanques petrolíferos e do derrube do Jumbo iraniano pela marinha americana em plenas águas do Golfo Pérsico americano.

Obviamente que os americanos também evocam, com nostalgia e fúria, a forma como não souberam prever o derrube da monarquia dos Pahlevi, a humilhação que passaram com a maka dos reféns, que custou a Presidência ao democrata Jimmy Carter, e o ataque mortal no Líbano, que custou a vida de mais de 200 marines, em 1982.

Daí em diante, a animosidade, a guerra não declarada e o recurso aos entes de cada lado, a resistência iraniana no exílio, Israel e outros grupos extremistas sunitas, por parte dos Estados Unidos, contra o Irão e da parte deste último o uso do Hezzbollah, Hamas, Jihad Islâmica, houthies, resvalaram para o actual clima de guerra por procuração que os dois lados fomentam.

O actual clima de guerra não declarada entre os Estados Unidos e o Irão agudiza-se dependendo do partido que controla a Casa Branca, embora a política externa americana para com o Irão seja transversal às duas formações políticas predominantes na América.

A queda de Saddam Hussein, em 2003, que desfez a natureza do poder iraquiano árabe sunita, segmento minoritário, a favor do maior grupo, os xiitas, identificados com o Irão, acabou por fortalecer o poder e a influência do antigo Império Persa, cujo único aliado árabe é, particamente, a Síria.

O Presidente George W. Bush (2001-2009), republicano, tinha declarado o Irão como parte do "eixo do mal”, ao lado da Coreia do Norte e Iraque, uma retórica política emprestada ao ex-Presidente, igualmente republicano, Ronald Reagan.

O democrata Barack Obama (2010-2017) veio inaugurar uma nova era, inclusive com a assinatura do histórico Acordo Nuclear, em 2015, obstruído pelo sucessor republicano, em 2018.

Na era Obama, Chefe de Estado de  que o actual Presidente Joe Biden foi Vice-Presidente, previa-se uma fase  de elevada cooperação e de uma eventual aproximação que iria cimentar o caminho para uma futura e prolongada "détente”, mas o clima de desconfiança e beligerância é tão alto que os dois países não perdem tempo com recriminações mútuas, acções para minar o papel de cada um na região e manter o actual clima de guerra não declarada, para o gáudio de extremistas nos dois lados. 

Os Estados Unidos acusam o Irão de ser, alegadamente, o "maior patrocinador do terrorismo” na região, com apoio a grupos como Hezzbollah, Hamas, Jihad Islâmica, houthies e uma rede de outros grupos armados xiitas localizados no Iraque. O Irão acusa os Estados Unidos de "ser o fomentador da desestabilização da região”, de atentar contra a soberania, com o apoio incondicional a Israel, de presença militar ilegal na Síria e no Iraque, razão pela qual usa os seus aliados para "pressionar” a retirada da maior potência militar mundial da região.

Sectores radicais em Israel e nos Estados Unidos, depois do ataque mortífero que custou a vida de três militares e o ferimento de 25 outros, na fronteira entre a Jordânia e a Síria, acto reivindicado por apoiados pelo Irão, defenderam que a Administração Biden deve atacar directamente o Irão, em solo iraniano, em vez de ir atrás dos seus aliados ou de militares do Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica na Síria e Iraque.

Biden já explicou que os Estados Unidos poderão, se necessário, atacar directamente o Irão, uma perspectiva que poderá revestir o actual clima de "guerra por procuração” da confrontação directa, de consequências imprevisíveis para a região.

Militarmente, o Irão não tem como enfrentar, em pé de igualdade, o poderio militar americano, mas, assimetricamente, tem capacidade para causar estragos avultados aos seus interesses na região, a começar com ataques ao país que os iranianos entendem como a causa de toda a inimizade entre si, Israel. Depois, seguem-se as bases americanas na região, os porta-aviões,  "destroyers” e até navios comerciais que estão ou estarão todos ao alcance dos mísseis iranianos, além do papel que os aliados no Líbano, Iraque, Síria e Iémen.

Os dois países estão conscientes das consequências de uma eventual confrontação militar directa, razão pela qual nada indica que os Estados Unidos e o Irão se vão envolver em guerra aberta, salvo ataques cirúrgicos americanos e obviamente com respostas, igualmente, limitadas por parte do Irão.

Esperemos que, à semelhança do que aconteceu com o Iraque, em 2003, quando políticos e fazedores de opinião, nos média israelita e americano, "agitaram” para o derrube de Saddam Hussein, a pretexto das infundadas acusações de produção de armas de destruição em massa, não ocorra agora com justificações semelhantes e os políticos no Estados Unidos e Irão, com poder de decisão, aprendam com o que se passou com a invasão ao Iraque.

 *Jornalista

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