O Cacimbo, iniciado, oficialmente, ontem, causou, uma vez mais, aplausos, mas, igualmente, receios em grupos e subgrupos, de várias espécies consoante gostos e necessidades, em qualquer dos casos, sublinhe-se, acentuados nas últimas décadas.
Quando estive no Huambo por mor do Centro Cultural, todas as noites, na suite do hotel aparecia gente para tertúlia. Eram conversas sobre literatura, política, governança local, a escassez de bens de primeira necessidade e nunca faltava, de forma misteriosa, como se tivéssemos medo uns dos outros, sim, a conversa acabava no Tala.
1936. Salão Nobre da Universidade de Salamanca. Uma conferência com a presença da esposa do ditador general Francisco Franco. Estudantes, professores e os falangistas – fascistas espanhóis.
O Orador, Maldonado, bradou um ataque contra a Catalunha e o País Basco, "o fascismo redentor da Espanha saberá exterminá-los.”
Os fascistas já haviam assassinado o poeta Frederico Garcia Lorca. Quando o general Astray e outros falangistas gritaram "Viva a morte abaixo a inteligência”, o reitor, Dom Miguel de Unamuno, bradou: "Este é o templo da sabedoria e eu o seu sacerdote.” A universidade falava. Unamuno mereceu prisão domiciliária. Os falangistas vestiam camisa azul e esticavam o braço direito.
Em Maio de 1968, na Universidade de Nanterre começou um movimento estudantil contra a velha ordem. Nascia um movimento que se transformou num rastilho de contestação mundial contra a velha ordem.
O Maio de 1968 converteu-se num movimento político em França que, marcado por greves gerais e ocupações estudantis, tornou-se ícone de uma época onde a renovação dos valores veio acompanhada pela proeminente força de uma cultura jovem.
A ressaca da guerra da Argélia com "retornados” de extrema direita que se haviam batido contra a independência e a contestação sobre De Gaulle, o então presidente francês e ainda o Vietname invadido.
O líder principal foi Daniel Cohn-Bendit. O movimento reivindicava um ensino melhor, havia anarquistas e marxistas, contestavam as casas de banho separadas, reivindicavam uma sexualidade sem tabus e queriam destruir a "velha ordem” simbolizada pelo presidente De Gaulle, herói nacional depois do desembarque pensado por Churchill, o marinheiro dos charutos.
Espalhou-se para os trabalhadores que invadiram e ocuparam seus locais de trabalho e uma greve que mobilizou dez milhões de trabalhadores franceses.
Este movimento teve reflexos no cinema, na música (por exemplo Caetano Veloso em "É proibido proibir”), na literatura, nos jogos eletrónicos e na televisão.
Paris foi o epicentro para o global de Pequim a São Paulo, de Paris a Dakar, de Praga à cidade do México e de Córdoba a Berlim.
1968 é o ano de Angela Davis e o ano do assassinato de Martin Luther King.A Primavera de Praga também é reflexo do Maio Francês.
Em Portugal, na minha universidade, em Coimbra, o Presidente da República, um fantoche corta-fitas, inaugurava o novo edifício da faculdade de ciências quando o estudante e líder associativo Alberto Martins, de megafone em punho, fez um discurso antifascista e, depois, a malta começou a gritar, palhaço, palhaço, palhaço.
Estava aberta a luta contra o salazarismo. Combates de rua contra a polícia. Eles com balas de borracha e sprays e nós a arrancar com ferros desmonta as pedras da calçada para arremesso.
Um pormenor...Falei em minha universidade porque tinha uma preferência pelos romances de Gorki, principalmente "A Mãe e A Minha Universidade”. Mais tarde, quando soube que Gorki trabalhava para a bófia e meteu vários colegas na cadeia e deportados para a Sibéria, sofri um pesadelo imenso. A vida é assim.
Agora. Na América. Estudantes ocuparam prédio da Universidade da Columbia em protestos pró-Palestina. "Lembrei-me da cantiga: "a alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo.” E eu estou a dar uma de palhaço. Porque o circo está mesmo a pegar fogo por causa das universidades que falam. Pelo menos 39 universidades têm acampamentos.
Mais de 800 prisões, incluindo a de um candidato à Presidência e muitas suspensões, barricadas com tudo o que é possível porque, na terra da democracia e do sonho americano, a polícia agride os estudantes barricados, enquanto um presidente democrata e a União Europeia não levantam a voz contra o genocídio que Israel comete contra crianças, tirando-lhe a água e a comida.
As universidades que falam defendem a Palestina, enquanto o ocidente "civilizado” manda armamento sofisticado para Israel.
Ainda bem que sou de uma universidade que falou e deu início à queda do fascismo em Portugal e as óbvias decorrências até ao 25 de Abril.
O ocidente cristão está movendo uma verdadeira cruzada contra o Islão. O mundo tem dois lados. Eles são os civilizados e os outros são terroristas. E até já há um vocabulário próprio que comentadores doutorados em guerra aparecem todos os dias na televisão a explicar como se faz um drone, como é este míssil e como é outro e aqueloutro como se falassem de comida, como a feijoada da mãe da celebridade do futebol que eu também admiro.
Honra-me a minha universidade que falou. A minha vénia e solidariedade com os estudantes americanos que se manifestam, que se barricam com tudo o que for possível para não serem incriminados por protestarem contra os crimes. A que ponto chegou a humanidade. É crime denunciar genocídios.
O meu abraço às universidades que falam. E a minha tristeza pelas universidades que não falam e apodrecem no silêncio de quem quer um diploma nem que seja comprado…
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