Opinião

Agricultura (ainda) é a base

António Quino

Veio-me a ideia de escrever sobre agricultura ao assistir ao programa televisivo apresentado pelo meu amigo Gustavo Silva, homem apaixonado por ciências agrárias e fiel ao campo como poucos.

07/04/2024  Última atualização 11H56

Angola, esse meu/nosso País, tem um enorme potencial agrícola. É, por isso, um gigante em permanente hibernação. Abundante em terra arável, li algures que possui 35 milhões de hectares de terra arável, além da qualidade do nosso solo e condições climáticas, algo essencial para a produção de alimentos e para o desenvolvimento sustentável de um modo geral.

A África do Sul lidera na zona da SADC, possuindo uma extensa superfície dedicada à agricultura, terras aráveis dispostas para hortas, plantio agroindustrial, culturas e pastagens permanentes. Não é o celeiro da região por mero acaso. Os conterrâneos de Madiba combinaram clima favorável, recursos hídricos, investimentos em pesquisa e diversificação de culturas para se tornarem num dos principais produtores agrícolas do mundo.

O estado sul-africano reconhece a importância dos pequenos agricultores na cadeia de produção alimentar. Por isso,fornece-lhes apoio na estratégia de diversificação de culturas e valorização de produtos locais,estimula o uso eficiente de recursos hídricos e tecnologias adaptadas ao clima, bem como apadrinha programas que oferecem treinamento, acesso a crédito agrícola, assistência técnica e extensão rural.

Assim, quando nos referimos aos milhares de hectares de terra arável, não pretendemos apenas destacar a extensão do território, mas toda essa componente que agigantou a África do Sul.No caso de Angola, a participação da agricultura na economia angolana tem crescido bastante, resultando num aumento da participação da agricultura no PIB de Angola.

O que se lê por distinta bibliografia é que apenas 10% dessa área agricultável está a ser cultivada actualmente, mesmo com a qualidade dos solos e as diversas condições climáticas adequadas para produzir uma variedade de produtos agrícolas necessários à substituição de importações e combate à fome em Angola.

Se o nosso país tem todas essas condições naturais para se transformar numa potência agrícola em África, aproveitando seu vasto território, qualidade dos solos e diversidade climática, o que estará a faltar para o passo seguinte?

 
Algum papel para a educação?

Angola enfrenta diversos desafios no seu processo de desenvolvimento sustentável, com destaque para a diversificação da economia. Com o fito de, com isso, reduzir as desigualdades sociais para um desenvolvimento inclusivo, o Estado tem feito investimentos nos sectores produtivos, como agricultura, indústria, turismo e tecnologia. A isso soma-se a necessidade da melhoria da infraestrutura de transporte, como estradas e portos (facilitaria o escoamento da produção e o comércio entre o campo e a cidade), o permanente combate à corrupção, propiciando um clima de moderna governança, maior transparência, a prestação de contas e o fortalecimento das instituições.

A agricultura continua a ter, em Angola, um papel crucial para o país, concorrendo para a redução da fome e pobreza e na diminuiçãoda dependência do sector petrolífero. Prevê-se uma taxa de crescimentoimportante para a importação de alimentos da cesta básica.

O Governo Angolano tem implementado vários programas para impulsionar o crescimento da produção agrícola e alcançar a autossuficiência alimentar. Por exemplo, na campanha agrícola 2024/2025, a Comissão Económica do Conselho de Ministros e a Associação Agro-Pecuária de Angola (AAPA) deram-se as mãos no sentido de atingirem a autossuficiência alimentar e promover as exportações e a indústria transformadora, através do fomento da produção de bens alimentares de amplo consumo.

Há outras medidas que visam fortalecer a agricultura em Angola, melhorar a segurança alimentar e impulsionar o crescimento económico, como as linhas de financiamento e garantias previstas no Orçamento Geral do Estado e o Programa de Fomento da Produção Agropecuária do Plano de Desenvolvimento Nacional 2023-2027.Mas, será que isso nos satisfaz?

A meu ver, há um elemento que não está a merecer a devida e essencial tonicidade, podendo estar a transformar o conjunto de iniciativas e programas em pequenas chuvas no deserto. Ou seja, as exíguas chuvas que têm impactos significativos nos desertos, pois ajudam a resfriar a superfície da terra e criam parcas explosões de vida vegetal e animal, em terras aráveis e podem provocar consequências nefastas à produção agrícola.

Certa vez, numa meno papo com o Eng.º Isaac dos Anjos, no Luena, olhávamos para um vasto campo fértil e, na sabedoria de mais velho, disse-me que, aos angolanos, o valor e prática agrícola deviam ser ensinados desde a infância. Não o compreendi então. Acho que nem o Dr. Figueiredo Mateus, que também estava na prosa, terá percebido o alcance daquelas palavras.

Hoje por hoje, ouvindo o Gustavo Silva pelo ecrã da TPA, procuro materializar a voz do mais velho Isaac dos Anjos: ensinar sobre agricultura desde a infância fornece conhecimento prático, mas também promove valores essenciais para uma vida saudável e consciente.

Aprender sobre agricultura desde a infância traz benefícios importantes, como a conexão mais profunda com a natureza, o conhecimento sobre a origem dos alimentos que consomem, a aquisição de habilidades práticas, como plantio, colheita, cuidado, responsabilidade e paciência no tratamento das plantas e o respeito pelo trabalho dos agricultores.

Já o dissemos que é possível ensinar princípios básicos sobre a agricultura desde o ensino primário. Com um plano de aulas dinâmico e inovador em disciplinas como Estudo do Meio, Geografia, Educação Musical, Língua Portuguesa ou Matemática, pode-se levar os alunos a criarem mini-hortas na escola, praticar o plantio de sementes, trabalhar sobre a importância da água, nutrientes e luz solar para o crescimento das plantas, levar os meninos a visitar estufas ou pomares na vizinhança da escola, criar músicas ou jogos que ensinam sobre a agricultura, produzir redacção sobre alimentos e/ou plantas.

Essa abordagem inicial logo no ensino primário traria sequência noutros níveis com aprendizagem virada para a abordagem da agricultura de diversas maneiras pedagógicas, dependendo do nível de ensino e do foco. Desde cedo, o cidadão aprenderia que a agricultura é gratificante, mas exige dedicação, esforço, planeamento e conhecimento. Aprenderia que há famílias que vivem da venda dos produtos que cultivam no campo, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza. Aprenderiam a transformar pequenos espaços de terra em brutais fontes de produção de alimentos para a sua subsistência.

A escola pode transformar o campo num amigo inestimável da criança. No futuro, como adulto, agradecerá por, desde cedo, despertarem nela a curiosidade e o respeito pelas actividades no campo. Como seríamos hoje se ontem crianças aprendêssemos sobre práticas que preservam o solo, a água, produzem alimentos e as que protegem o meio ambiente?

 
Profissionalizar os trabalhadores do campo

Numa perspectiva mais profissionalizante, a formação em agricultura é um campo de estudo e prática que visa preparar indivíduos para actuar no sector agrícola. Tal como defende o sistema brasileiro de formação nessa área, precisamos de olhar para a formação profissional numa perspectiva mais economicista (capacita técnicos para o uso eficiente de recursos, aumentando a produtividade e o valor económico da terra e das tecnologias aplicadas); mais da componente física (conhecimento especializado que ajuda a adaptar práticas agrícolas às condições climáticas, à qualidade do solo, à qualidade das sementes, à qualidade dos fertilizantes, etc.), e mais da humana (quadros capazes de inovar e implementar técnicas avançadas que garantam a sustentabilidade e o progresso do sector agrícola).

No capítulo da formação do formador, no currículo de formação de professor do lº ciclo do ensino secundário podia incluir-se cadeiras ou conteúdos ligados à agricultura, ou incluir no plano programático de alguma cadeira já existente. Isso proporcionaria a orientação da vocação profissional no aluno que, na complexidade de opções para a vida, em consciência teria diante de si três eixos para a modernização do sector agrícola, que lhe tornaria um profissional mais competente e capaz de atender a demanda de uma população cada vez mais exigente: desenvolvimento de habilidades (conhecimento técnico necessário para operar equipamentos modernos e adoptar métodos de cultivo eficientes), inovação e produtividade (promove a implementação de técnicas que aumentam a produtividade e a sustentabilidade das práticas agrícolas) e gestão e empreendedorismo (ensina princípios que ajudam o profissional a gerir melhor os seus negócios e a explorar novas oportunidades de mercado).

Um outro entretanto que se deve considerar na real valorização da prática da agricultura como um padrão no currículo escolar é que a sua prática pode ser uma ferramenta poderosa no combate ao êxodo rural.

Ora, se o êxodo rural é influenciado por factores económicos, sociais e ambientais, que provocam o tal processo de migração de pessoas do campo para a cidade, quando devidamente planeada e apoiada, medidas como a mecanização e a tecnologia no campo, a desconcentração fundiária e a implantação de micro-indústrias transformam a vida no campo como uma oportunidade para emprego de muitos que buscammelhores condições de vida e bem-estar nas cidades.

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