Opinião

As makas no Senegal e os custos da irresponsabilidade política

Faustino Henrique

Jornalista

Antigamente, antes do advento da era democrática, os líderes africanos governavam com a falsa e reconhecida percepção de que eram desejados, necessários e obrigados “pela vontade popular” a exercer um poder que era, na verdade, “legitimado” pelo próprio poder.

14/02/2024  Última atualização 07H05
Com a vitória da democracia liberal, nos anos Noventa, trinta anos depois da prática e consolidação dos processos democráticos, com o conjunto de instrumentos, como as sondagens de opinião, exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos, muitos líderes africanos passaram a governar com informações regulares sobre a sua (im)popularidade.

Em alguns países, as contestações de rua costuma(va)m ser o barómetro credível sobre a asserção avançada antes. Mesmo os que foram e são eleitos democraticamente, precisa(ra)m de fazer jus à onda da vontade popular expressa nas urnas, ao longo do mandato, governando com resultados. Comparativamente a muitas partes do mundo, África continua a ser dos poucos lugares em que se ganham, sucessivamente, eleições legislativas, locais e presidenciais, mesmo governando mal.

No Senegal, cerne desta abordagem, o Presidente Macky Sall, que devia ter aclarado, de forma inequívoca, que não concorreria a um terceiro mandato, alimentou um falso debate nos anos 2020, 2021 e 2023, com os contornos que o país vive hoje, sem nenhuma necessidade.

E vale recuar no tempo para uma devida contextualização e consequente compreensão sobre os contornos da actual crise, explicando que Macky Sall chegou ao poder em 2012, eleito para um mandato de sete anos, como previa a Constituição. Ao longo do primeiro mandato, nos anos 2016 ou 2017, Senegal revisou a Constituição para, entre outros, reduzir o mandato presidencial de sete para cinco anos, realidade que acabou por dar azo ao debate em torno de um eventual terceiro mandato de Macky Sall, depois da reeleição em 2019.

Entre os dois a três anos que se seguiram, quando, no país, emergia o debate com o objectivo de se saber se o Presidente cumpria, à luz da revisão feita que encurtou o tempo de mandato de sete para cinco anos, o segundo e último mandato ou se o primeiro, o Presidente nunca se dignou a esclarecer o que se manteve como um verdadeiro filme de suspense político.

Quando devia aclarar os seus compatriotas, Macky Sall remetia-se ao silêncio, dava respostas ambíguas, dizendo que a dimensão jurídica estava resolvida e tudo quanto se abordava era apenas a componente política do problema.

Há quem alegará que a Constituição senegalesa é clara, mas a opinião pública e a dinâmica das sociedades africanas demonstram exactamente o contrário, razão pela qual importa sempre a última palavra do líder, sem a qual, aqueles segmentos acabam, relativamente ao assunto, desnecessariamente divididos.

Senegal viveu, durante os anos 2020, 2021 e 2023, várias manifestações e tumultos, sobretudo por conta do silêncio alimentado pelo Presidente Macky Sall, com mortes, ferimentos e destruição de bens públicos.

Só em finais de 2023, pouco antes do anúncio da data inicial das eleições, 25 de Fevereiro, fruto de pressões, manifestações, mortes e destruição de bens, é que Macky Sall veio a público dizer, num pronunciamento solene, que não iria concorrer a um terceiro mandato.

Essa manifestação, bem acolhida pelos senegaleses, por um lado, ajudou a amenizar estados de espírito que se opunham, firmemente, ao silêncio e indefinição do Presidente, mas, por outro, agudizou a desconfiança relativamente a um eventual plano B que, quase, que se consubstancia no actual quadro que o país vive.

Mesmo depois de já se ter declarado, no pronunciamento solene que fez, tudo acabou por aprofundar ainda mais a crise, na medida em que o jogo de silêncio que protagonizou e a pronúncia in extremis levou muitos a pensar que o Presidente, cujo mandato termina a 2 de Abril, tinha uma carta na manga.

Depois de decretar o adiamento das eleições, por alegadas contradições entre o Conselho Constitucional e o Parlamento, choveram, igualmente, informações, segundo as quais as motivações tiveram que ver com o facto de o candidato ao poder, o Primeiro-Ministro e delfim do Presidente, Amadou Ba, estar supostamente mal colocado em termos eleitorais, com sondagens a indicar que Bassirou Diomaye Faye, candidato do dissolvido partido Pastef, como independente, liderava as tendências de voto.

Quando podia gerir da melhor maneira o quadro inicial de dúvidas que se tinham levantado com a suposta intenção de concorrer a um terceiro mandato, com um posicionamento inequívoco, quando devia gerir melhor o processo de adiamento das eleições, lançando a bola para os entes legislativos, judiciais e com abertura de diálogo com todas as forças políticas, optou pelo cancelamento inesperado, com todas as consequências que se notam.

Na verdade, essa realidade, em maior ou menor dimensão, é vivida por muitos países africanos, sobretudo naqueles em que o Chefe de Estado exerce o segundo e último mandato, arrastando o debate em torno do terceiro até ao final do mandato e cujo desfecho do suspense é directamente proporcional ao grau de amadurecimento da opinião pública, forças políticas e sociedade civil locais.

Jornalista  

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