Opinião

As universidades angolanas e o ranking

No ano de 2023, concretamente no mês de Março, determinado jornal angolano publicou uma notícia revelando que “Angola não tem universidade entre as 350 melhores de África”. No presente, o mesmo jornal avançou outra matéria com o título: «de mal a pior, Angola sem universidades no “top 400” das melhores de África – “Primeira” Instituição de ensino aparece na posição 401».

18/02/2024  Última atualização 08H10

O assunto suscitou debates entre académicos, dos quais participei, que apontaram os baixos salários e a falta de produção científica como factores que colocam o país em péssimas posições.

Se a instituição classificadora avalia presença (já descontinuada), visibilidade, transparência e excelência das universidades na Web com percentagem para cada item, como relacioná-las com baixos salários e falta de produção académica? Que académicos defendem tal perspectiva?Há em Angola, falta ou baixa produção académica comparando com outras realidades?

Ora, os "baixos salários” não são panaceias, tão pouco podem justificar as péssimas colocações, porquanto, entendo, a questão é mais profunda, tendo que ver com a ausência de uma rede de infra-estruturas materiais, tecnológicas, visão e estratégia de gestão, mas também de qualificação permanente do pessoal docente, investigadores, técnicos e administrativos.

Nem mesmo os altos salários dos professores seriam o phármakon para as péssimas colocações pelo que, tal resposta, aparece como assombro permanente que remedeia, inclusive, a nossa incapacidade de separar e analisar, com clareza, os problemas. Para todos os problemas, as mesmas respostas!

Questionar os rankings e manter o optimismo num ambiente, prática e experiência universitária como a de Angola, pode soar a um elogio à mediocridade e tentativa de manutenção do status quo, o que move a discussão, pois é mais prazeroso o caminho fácil: a denúncia e acusação.

O índice pode justificar a urgência de reformas em Angola que tornem as nossas universidades mais livres, presentes na web, visíveis, transparentes e excelentes, a olharmos para os indicadores da Webometrics.

Muitos dos que partilham, ridicularizam e mancham as universidades angolanas, alguns até perseguindo aproveitamento político da situação, curiosa e provavelmente, nunca pararam para compreender como são avaliadas a qualidade das universidades. Simplesmente viram, leram os argumentos de amigos e colegas, manchete de jornais e atribuíram ao ranking um significado de qualidade, pois a relação suposta «ranking 400 = qualidade, parece directa e inequívoca! A avaliação é, pelo contrário, quantitativa.

Mas, como a Webometrics faz para classificar? Entre mentes, essa era a pergunta que deveríamos ter feito, embora seja mais fácil partilhar a ausência de universidades angolanas, numa clara e intencional alusão, sobretudo de visibilizar a incompetência do Governo, presumo.

Ao invés de partilhar a manchete, não seria ocasião de cogitar, propor-se possibilidades de mudanças, criação de grupos de pesquisas, redes de trabalho, concurso aos financiamentos internos e externos?

Reflectir sobre a filosofia implícita nos rankings, sua articulação com a ordem global, projecto de sociedade digital em sedimentação e os elementos centrais que deixam de fora, como o processo de ensino-aprendizagem, a educação de jovens -futuros responsáveis sociais-, permite vislumbrar a sobrevalorização e colocação excessiva à tónica no produtivismo académico, alimentado por grandes editoras, mas também pela emergência da cultura Pu-blish, com milagres de multiplicação de papers, deixando de lado, os estudantes. E o gesto pedagógico, onde fica, para além da excelência?

Era desejável que, pelo menos, uma das universidades angolanas estivesse entre as 400 "melhores” da África, pelo que, não estando, assistimos à profecias da desgraça no discurso de inúmeros docentes do sistema de Ensino Superior, bem como prognósticos da falência do Estado. A notícia do ranking não desacredita, por sí só, o Estado angolano, mas a todos os intervenientes, gestores, professores, estudantes, currículos, resultados, etc.

Neste exercício analítico-reflexivo, gostaria que fôssemos para além de uma visão redutora e imediatista como esta que esvazia toda a engenharia criativa, esforço pedagógico dos docentes, o sentido de comunidade implícito na relação, «Mestre-discípulos», o engajamento social como o trabalho de extensão universitária realizado alguns anos  pela Escola Superior Pedagógica do Bengo e, sobretudo, a inovação na práxis, o conceito de universidade de instituições tão recentes, mas promissoras e invejáveis como o Instituto Superior Politécnico Sol Nascente-Huambo!

As universidades são mais do que números, definem por práticas e relações complexas, incapazes de serem decifradas por números, por quantificações determinadas por lógicas do universo, exclusivamente tecnológico.

Em última instância, as classificações são as "verdades” inquestionáveis, independente da instituição classificadora, dos critérios de validação e dos valores que a definem. O verbo dobra-se diante do número, expressão "objectiva” de verdade, e nas sociedades de controlo, como ensinou Gilles Deleuze, números são também identidades.

Há muito que filósofos vêm discutindo sobre as instituições e as relações de poder. Não estar entre os números 400 é de uma aflição tremenda, desespero inimaginável, pois urge homogeneizar-se, para ser-se aceite nos modelos definidos de universidade! A sociedade de controle não perdeu sua validade e pertinência.

Os rankings, como critérios de definição de excelência, não são um problema em si. Entretanto, tornam-se quando se transformam de um factor de distinção para instrumento de Governo das instituições.

*Professor Assistente Estagiário da Escola Superior Pedagógica do Bengo

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