Em diferentes ocasiões, vimos como o mercado angolano reage em sentido contrário às hipóteses académicas, avançadas como argumentos para justificar a tomada de certas medidas no âmbito da reestruturação da economia ou do agravamento da carga fiscal.
O conceito de Responsabilidade Social teve grande visibilidade desde os anos 2000, e tornou-se mais frequente depois dos avanços dos conceitos de desenvolvimento sustentável. Portanto, empresas socialmente responsáveis nascem do conceito de sustentabilidade económica e responsabilidade social, e obrigam-se ao cumprimento de normas locais onde estão inseridas, obrigações que impactam nas suas operações, sejam de carácter legal e fiscal, sem descurar as preocupações ambientais, implementação de boas práticas de Compliance e Governação Corporativa.
Da boca de um amigo ligado às finanças ouvi que tem sido frequente, na banca nacional,um esquema supostamente recorrente de um misto de despedimentos, promoções, substituições e outras acções que ferem a lógica das boas práticas.
Conta esse amigo que muitos bancos têm dispensado pessoal qualificado, a quem pagavam altos salários, para recrutar jovens sem experiência, no intuito de pagarem a metade, ou um terço, do que remuneravam o despedido. Falou-me de bancos que dispensam os serviços de gerentes ou gestores de contas experientes, para os substituir por algum assistente comercial (operador de caixa) que recrutam num outro banco, apenas com o fito de poupar no salário, pois se o anterior ganhasse por exemplo 400 mil, o novo por vezes nem 200 mil recebe, mas fica satisfeito com a aparente promoção, não lembrando sequer de exigir prémios à dimensão do novo cargo.
Desse alegado esquema, podemos ver um bancário que sai de assistente comercial a gestor particular num banco concorrente, de tesoureiro a subgerente num outro banco, etc. Para o dispensado, será uma injustiça. Para o bancário inexperiente, será uma promoção, por vezes a representar mais 20 ou 30 mil kwanzas no seu salário, mesmo sem poder ainda beneficiar de prémios a que teria direito. Para o banqueiro, foi mesmo o poupar de menos 200 mil por cada funcionário sénior dispensado. Sob o débil olhar do sindicato dos trabalhadores bancários, há ainda aqueles casos de bancos que põem o gerente a responder por mais de um balcão, ou mesmo aqueles que omitem a figura do subgerente, para não falar da quebra regular do "senhor Sistema”, que prejudica enormemente a freguesia, podendo desaconselhar potenciais clientes atransferirem ou depositarem o seu dinheiro no banco.
Se o jovem inexperiente fica inicialmente satisfeito com a promoção, o grau de exigência da profissão o demonstrará a míngua salarial devido ao elevado custo de vida, à exigência da indumentária, da casa, do carro, da creche ou escola dos filhos, do crédito bancário não adequado ao seu novo nível profissional, etc. Se juntarmos a isso as tentações próprias do seu labor (trabalha diariamente com muito dinheiro alheio), perceberemos por que muitos não resistem ao assédio.
Isso é conversa do meu amigo que, com outro que é guarda prisional, me convidaram inclusive a visitar cadeias do país e verificar quantos bancários se encontram enjaulados por razões ligadas à actividade bancária fraudulenta. Logicamente, factos como a insegurança e a incipiente protecção da conta bancária afugentam muitos cidadãos do circuito bancário.
A introdução dessa conversa surge pelo facto de, cada vez mais, se privilegiar o lucro fácil em detrimento de um trabalho profissional mais qualificado. Esse tipo de situações de preferência de mão-de-obra menos qualificada para aumentar o lucro, é frequente em outras áreas, como educação, comunicação social, ensino superior, saúde, comércio, seguros, indústria, etc., onde ocorre com relativa constância em prejuízo da classe média nacional.
Esse é um dos dois motivos da presente pedra no charco. O outro apresento-o no final.
Desafios
da classe média
nacional
A classe média é uma categoria social presente no chamado capitalismo moderno, que convencionou tratá-la como um grupo de pessoas que se situa numa posição intermediária em termos de renda, possuidora de um poder aquisitivo e de um padrão de vida e de consumo razoáveis. Quem pertence à classe média terá, mensalmente, rendimentos entre 7 e 25 salários mínimos e, necessariamente, desempenhará um papel significativo na economia, na cultura e na sociedade, contribuindo para o desenvolvimento do seu país.
No caso de Angola, aclasse médiaabrange uma variedade de ocupações, como profissionais liberais, funcionários públicos, empresários e empreendedores, jornalistas, professores, médicos, oficiais superiores de organismos militares e paramilitares, todos eles cujos rendimentos familiares lhes permitiria suprir as suas necessidades básicas e também desfrutar de algumas formas de lazer e cultura.
Entretanto, segundo a nossa base de cálculos, – até 2022, e conforme o Decreto Presidencial n.º 54/22, o salário mínimo nacional em Angola era inferior a 33 mil Kwanzas por mês, valor que rondavaos 57 euros na ocasião – o mínimo admissível para se pertencer à classe média seria um salário de 231 mil kwanzas mensal, uma renda equivalente a cerca de 258 euros por mês (em Moçambique, são 833 euros; na Namíbia, são 651 euros; em Cabo-Verde, são 882 euros; no Botswana, são 805 euros, e na África do Sulsão 1.480 euros).
Já houve tempos em que esses 231 mil kwanzas tinham a sua relevância na capacidade aquisitiva de quem o auferia, tendo chegado a equivaler a dois mil e trezentos euros. Não é assim hoje, pois esse rendimento mensal de um indivíduo que, pela sua categoria ou posição sócio-profissional, deve pertencer à classe média (caso de professores, jornalistas e mesmo médicos), não supera sequer 300 euros por mês.
A desvalorização do kwanza em relação ao dólar é um dos principais factores que contribuem para essa situação actual e que coloca a classe média angolana aquém de outros países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) ou dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), se compararmos, por exemplo, o salário de um docente universitário com o seu par na mesma categoria em Moçambique, Namíbia, Botswana, Cabo-Verde ou África do Sul.
Dessa base de cálculo para a classe média em Angola, exceptuo funcionários de certas empresas, como petrolíferas, AGT, Unitel ou banca, cuja renda permite-lhes, inclusive, beneficiar de crédito à habitação em Portugal, onde fazem aplicação dos seus salários, encontram estabilidade financeira, segurança, saúde e, sobretudo, melhor formação para os seus filhos.
É inegável a importância da classe média no desenvolvimento de Angola, como o é noutras grandes nações. Devido ao seu poder aquisitivo e de consumo, torna-se um pilar da economia, pois contribui para a estabilidade financeira, geração de empregos, consumo de bens e serviços diversos, desde educação e saúde, lazer, cultura e participação política e social activa na vida do país, pois são detentores de maior instrução, informação e, inclusive, consciência cívica.
Além de que muitos empreendedores e inovadores surgem desse grupo sócio-económico, cada indivíduo da classe média é um potencial empregador, desde a empregada doméstica, o segurança, o motorista, o jardineiro, o lavador de carro, o explicador dos filhos ou ATL, etc. De igual modo, ela demanda serviços e produtos que impulsionam a necessidade de mão-de-obra, desde um simples trabalho de remodelação da residência à reparação do carro ou manutenção dos aparelhos de ar condicionado em casa. Os grandes centros comerciais também confirmam a importância dessa classe.
Ou seja, se a classe média não prospera, não há circulação de dinheiro, não há criação de mais postos de emprego à dimensão do expectável e há um entrave no crescimento de sectores como comércio e serviços. Pelo contrário, quando a classe média prospera, o país beneficia-se num todo.
É, por isso, imperioso que se invista em políticas que promovam a ascensão da classe média, algo essencial para um desenvolvimento sustentável e inclusivo do país. Tal como consta da cartilha do governoem exercício inerente ao desenvolvimento, inclusão e igualdade de oportunidades, o Executivo angolano anunciou que assenta a melhoria das condições de vida no reforço da qualidade do capital humano, pelo que há toda a necessidade de se proteger melhor o emprego (a nova Lei Geral do Trabalho vem nessa lógica), em defesa da mão-de-obra qualificada.
Um grande desafio colocado ao Estado, no geral, e à classe média nacional,em particular, está relacionado à estagnação dos rendimentos, ao aumento do custo de vida e à vulnerabilidade financeira. Mas, para mim, o maior de todos os reptos está ligado à valorização do Kwanza, cuja instabilidade permanente tem provocado graves consequências para os cidadãos, desde o encolher do seu poder de compra, impacto nos seus investimentos (muita volatilidade cambial), ao desincentivo à poupança e ao planeamento financeiro familiar.
Perante um quadro tão desafiante, além de a equipa económica do Executivo atribuir-se a competência de estabilizar a moeda, a banca comercial também deve participar mais no fomento da cultura de poupança e de investimento, oferecer mais produtos e serviços financeiros adequados às necessidades e capacidades do cidadão, nomeadamente crédito, poupança, investimento, seguros, etc.
À classe média também cairia bem ouvir a tomada de algumas medidas que podem contribuir para a sua prosperidade, como programas acessíveis de aquisição de bens duráveis, como imóveis ou veículo (por meio de parcerias, linhas de crédito específicas ou taxas de juros bancários daquelas quenão promovem o endividamento) e de apoio a Micro e Pequenas Empresas(gerariam empregos e ajudariam a assegurar a diversificação económica sustentável, inclusiva e liderada pelo sector privado).
Quanto ao que falámos no início do esquema supostamente recorrente na banca nacional de um misto de despedimentos, promoções, substituições e outras acções em desfavor de quadros qualificados, estamos igualmente preocupados com o efeito cascata nefasto, que advém dessa atitude reprovável, e chamar a atenção aos reguladores e fiscalizadores, porque isso pode redundar numa certa instabilidade sistémica no sector e incitar efeitos significativos para a economia nacional e, consequentemente, na vida das pessoas.
Com o Kwanza forte e a banca estável, a classe média estará em melhores condições de contribuir para o crescimento económico do País, porque terá um maior poder de compra, melhorado acesso a crédito e empréstimos, facilidade nas transações financeiras e até apoio ao empreendedorismo.
Portanto, está lançada a pedra no charco.
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