Opinião

Cólera é doença evitável

Luciano Rocha

Jornalista

O recente ressurgimento da cólera em países vizinhos de Angola, embora não deva causar alarmismos, podem, isso sim, prejudicar eventual combate e prevenção à doença, tem de ser encarado como alerta sobre a importância da saúde pública.

08/02/2024  Última atualização 07H00
A cólera deve-se, essencialmente, à falta de higiene, tanto pessoal como de aglomerados populacionais, frequentemente, em ambos os casos, por ausência de condições básicas que impõem o cumprimento de regras que os resguardem daquela doença e da maioria de todas as outras.

O mal é antigo e, contrariamente ao que se possa pensar e apregoar, não se circunscreve aos países subdesenvolvidos, sequer àqueles em vias de desenvolvimento. Ocorre, outrossim, nos ditos desenvolvidos, nos quais há, cada vez em maior número, guetos "habitados” pelos mais desvalidos da sorte. São setas acusadoras à insensibilidade dos muitos que lhes são vizinhos e com quem se cruzam no afã das grandes urbes.

A falta de higiene pública é "epidemia” universal sentida em toda a plenitude que a compõe, na qual os "lixos domésticos” constituem somente uma parcela. Importante é facto, mas, porventura, a menos difícil de combater por os interesses em que eventualmente se escudam serem de menor grandeza. 

Os lixos mais perigosos para a saúde humana passaram a ser os libertados por interesses capitalistas de monta, que lhes atafulham contas bancárias e sufocam vidas, tanto humanas, como marinhas, fluviais, botânicas, pecuárias, enfim, tudo o que o Mundo tem e é devastado em nome do progresso, por ignorâncias e egotismos de uns quantos e respectivos capachos.

Àquele conjunto de acções podem juntar-se muitas mais, entre elas as guerras que os "senhores do Mundo” promovem em nome da paz! Às vidas humana ceifadas por bombas e tiros juntam-se as asfixiadas por fumos venenosos e falta de higiene púbica causadora de enfermidades, como a cólera. O povo sofredor da Palestina, vítima  de uma guerra que não procurou, iniciada há quase meio ano, conhece bem o que é ser obrigado a sobreviver naquelas condições.

Os horrores das guerras conhecem os angolanos bem. Foram obrigados a travá-las durante décadas a fio. O calar das armas foi isso mesmo, a conciliação, o desfazer de enganos, acima de tudo tempo para começar a executar sonhos de um país africano impar num continente vítima de excessivas ambições pessoais, no qual o neo-colonialismo tinha as portas da fraqueza escancaradas.

Os angolanos tinham planos sonhados em tempos de "pausa” nas frentes de batalha contra o opressor;  igualmente nos exílios; também, na clandestinidade interna.

Após o silêncio das armas, a vontade dos que a mantiveram mantinha-se nos três grupos, apesar das divergências naturais motivadas por vivências de lutas distintas. Numa coisa, os integrantes de cada um dos três grupos estavam maioritariamente de acordo: faltavam, meios. Todos juntos eram  muito poucos para tarefas tão grandes.

"Barco parado não ganha dinheiro”, diz o povo. Por isso, os angolanos puseram-no a andar. Nem sempre como deviam, mas como podiam.  Entre calembas e ondas mansas, de se espreguiçarem nas praias, o dongo foi sempre ximbicado. E foi assim, que se atingiram metas. Vencemos crises de diversas espécies, recusámos ajudas que não passavam de ratoeiras, ocupámos, por direito próprio, cargos e lugares em instituições internacionais, sobressaímos a nível desportivo, surpreendemos o Mundo com medidas tomadas, a tempo e horas, durante a pandemia da Covid-19, evitando, assim, num país debilitado, em quantidade, de unidades hospitalares e pessoal médico.

Esta última vitória não pode, todavia, fazer-nos "adormecer à sombra da bananeira”, nem permitir que a arrogância se sobreponha à sensatez, argumentando que quem controlou a Covid-19 não tem de temer a cólera. Quem assim pensa, não sabe o que diz. É que ambas têm um aliado comum: falta de higiene que, nunca é demasiado recordar, depende da vontade e capacidade de quem tem como missão, e para tal é pago, zelar pela higiene pública.

A saúde pública é algo que tem sido secundarizada e Luanda e a província de quem lhe recebeu o nome é exemplo disso. Nem é necessário, munirmo-nos de binóculos. Basta, entre tantos outros exemplos, dar uma volta pela capital. Os contentores destinados a depósitos de lixos doméstico de quaisquer ruas e becos desfazem dúvidas. Quem os remove para tirar os sacos de plástico para os vender tem pressa de chegar a quem os compra. Resultado, os restos - comidas, pensos, cascas, etc - espalham-se pela via pública arrastados por cães e gatos vadios abandonados pelos donos. É que a carestia de vida e o desemprego não se compadecem com "luxos” de animais de companhia.

A saúde pública faz parte do desenvolvimento de qualquer país e não se compadece com displicências

Os eventuais casos de cólera em Angola, surjam eles em quimbos ou grandes urbes, não se compadecem com desculpas. É possível evitá-los. Assim queira quem pode.

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