Opinião

Deputados de “verbo rasgado”

Carlos Calongo

Jornalista

PP : para o entendimento deste texto, a expressão “verbo rasgado” significa a forma pouco polida como alguns deputados à Assembleia Nacional expõem os seus argumentos de razão em debates parlamentares, como se fosse a ratificação de que, na política, tudo vale.

24/03/2024  Última atualização 06H00
Como que o cumprimento do provérbio segundo o qual "Deus escreve certo por linhas tortas”, na passada quinta-feira, 21 de Março. Isso porque, sem programar e porque não é minha prática, atendendo ao choque entre a realização das plenárias e o chamado do ofício, dei por mim a ouvir a transmissão radiofónica da reunião Plenária da Assembleia Nacional que, dentre muitos assuntos, abordou e aprovou a Proposta de Lei de Combate à Actividade Mineira Ilegal, sobre a qual falo mais adiante.

Por hora, faço nota negativa à postura da deputada que, em momento de discussão e aprovação da acta de uma sessão de trabalho realizada no mês de Janeiro, quando o assunto andava em torno da conformação de presenças e ou ausências justificadas ou não a reunião da qual se produziu a acta em referência, decidiu iniciar uma abordagem paralela sobre uma alegada violação a uma compatriota nossa, em Malanje.

Amplamente deslocada, com o sentimento de provocação ou desconhecimento procedimental- pois é assim que entendi- a deputada foi, felizmente, situada pela presidente da Assembleia Nacional que, de forma urbana, sugeriu que a parlamentar, caso julgasse oportuno, voltasse ao assunto no momento adequado.

Confesso já ter assistido, em situações anteriores, à introdução de temas em abordagens extraordinariamente deslocadas, como se de uma tentativa de busca do show, para não preferir a expressão madoísmo que, por vontade própria, se introduziu no léxico da oralidade luandense.

Até compreendo a intenção, na base do supra aproveitamento, baseado no facto de as sessões serem tele e rádio difundidas, conforme mandam os instrumentos legais sobre a matéria.

E é justamente em função desta componente de transmissão, que me ocorre sinalizar outras notas que marcam a postura pouco urbana com que muitos deputados se expõem, comportamento que me obrigam a rejeitar tratá-los como meus dignos representantes.

Useira e vezeira são as manifestações de actos de incivilidade que roçam o atropelo da ética e decoro parlamentar, bem reguladas em documentos próprios. À margem da casa de leis que é, por excelência, o local de trabalho dos deputados, estes, com as devidas excepções, demonstram não estarem preocupados com o "verbo rasgado”, nem com o efeito perverso que as suas colocações podem ter no exterior da casa da leis, onde também habitam os seus consanguíneos, muitos deles em idade de formatação social.

O que dirão, por exemplo, os filhos de deputados que, a coberto da pretensa representação do povo, deleitam-se em rasgar o verbo, com o simples propósito de achincalhar os colegas dos partidos opostos, recorrendo ao uso de uma linguagem pouco coloquial, repugnante até aos  olhos do cidadão menos interessado com estas coisas de política!

A Constituição da República de Angola estabelece, no Artigo 143.º (Sistema eleitoral), o modo de eleição dos deputados nos seguintes termos: 1) Os Deputados são eleitos por sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico pelos cidadãos nacionais maiores de dezoito anos de idade residentes no território nacional, considerando-se, igualmente,  como tal os cidadãos angolanos residentes no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares.

No número 2, acha-se que " Os Deputados são eleitos, segundo o sistema de representação proporcional, para um mandato de cinco anos, nos termos da lei. Até aqui, estando tudo bem certo, alguns deputados acham-se no direito pleno de promover a deselegância, em nome de pretensa representação do povo, que para mim não é tão eloquente quanto se pensa.

Porém, os deputados adeptos do verbo rasgado devem perceber que lhes foi atribuído um mandato sob o expectro de um véu com que os eleitores vão à urna, porquanto, o formato eleitoral fundamental não permite que o eleitor, salvo as raras excepções, conheça  o verdadeiro sentido do termo, os integrantes da lista dos partidos, para além dos candidatos à presidente da república, vice-presidente e uns outros poucos colunáveis da lista.

Estarrecedor é, também, assitir àquele festival de dislates a ser aplaudido pelos colegas de bancada, que agem como se tratando de alunos da escolinha do professor Raimundo, numa acção por via da qual tentam colocar no mesmo aterro todos os telespectadores e rádio - ouvintes, com o selo de "bobos da corte”.

Meus caros deputados, por favor, elevem o debate parlamentar, com a expressão de linguagem de respeito. Não preciso fazer nenhum desenho para recordar que a violência das palavras é um acto com consequências gravosas, sobretudo porque, repito, as sessões parlamentares são transmitidas em directo, com todas as consequências daí decorrentes, ao ponto de o show pretendido poder ser transformado na queda indesejada.

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