Por conta de algum ajuste da pauta aduaneira, concretamente relacionada com a taxação dos produtos de uso pessoal, nos últimos dias, a Administração Geral Tributária (AGT) esteve, como se diz na gíria, na boca do povo. A medida gerou uma onda de insatisfação e, sendo ou não apenas a única razão, foi declarada a suspensão daquela modalidade de tributação, nova na nossa realidade.
Persigo, incessante, mais um instante para privilegiar o sossego. Para a parte maior da raça humana, pondero tratar-se da necessidade que se vai evidenciando quando a tarde eiva as objectivas da vida. Rastos de águas passadas há muito direccionam o moinho para a preciosidade do tempo.
Na sequência da minha última abordagem sobre a qualidade do debate parlamentar, tomando a talhe de foice a discussão sobre a Lei da Divisão Político-Administrativa, ocorre-me um episódio que vivenciei enquanto repórter, numa missão à província do Zaire.
Com o Bens Famoso, Moisés da Silva, Mota Ambrósio, Anselmo Pedro, Clemente António e outros camaradas de trincheira, formámos um dos grupos de profissionais da comunicação social a quem coube palmilhar aquela província para a melhor radiografia possível às obras de reconstrução de infra-estruturas económicas destruídas durante o conflito militar.
Era o nosso terceiro poiso, num conjunto de mais de 10 províncias que tive a oportunidade de vivenciar a realidade pós-conflito.
Partimos da capital, Mbanza Kongo, visitámos Soyo, Tomboco e Nzeto. O Cuimba ficou de fora, porque fomos avisados pelo general Pedro Sebastião, então governador provincial, que não havia condições para chegarmos lá de carro.
Ocorre-me partilhar a experiência do Nóqui, porque me parece estar a faltar alguma coisa na narrativa sobre a importância e eventual relação causa e efeito, entre os temas divisão político-administrativa e autarquias em Angola.
Na realidade, estamos em presença de dois processos que podem coabitar ou correr sem que um atrapalhe o outro. Ou seja, um processo não tem necessariamente que anular o outro. Defender o contrário é deixar-se cair na armadilha do facilitismo e ver problema onde, de facto, não existe.
Tecnicamente estamos em presença de uma decisão política baseada no entendimento de que é necessária, pertinente e inadiável a aceleração do processo de desconcentração, por via da DPA, considerando vários factores, que vão desde a aproximação de serviços às populações, à necessidade de garantir a ocupação efectiva de parcelas de território transformadas em zonas de ninguém.
Por outro, temos a descentralização ou transferência de poder para outra pessoa jurídica (autarquias), tema que tem dividido opiniões e alimentado uma falsa polémica.
Algumas vezes juntei a minha voz àquelas que defendiam (e defendem com razão) que, em relação ao tema autarquias locais em Angola, os Deputados devem fazer mais e, talvez, melhor. Isso se considerarmos que o pacote legislativo autárquico está emperrado na Assembleia Nacional.
Várias vezes ouvimos o Executivo dizer que a bola estava do lado do Legislativo. De facto, parece um contrassenso esperar que seja o Executivo a fazer, quando são os Deputados que estão em falta. Propor, discutir e aprovar as leis que ainda faltam, compete ao Parlamento.
É fácil apontar o dedo a quem governa, porque tem a responsabilidade de exercer o poder, administrar a respublica. Mas, quem faz oposição, porque aspira governar um dia, precisa de estar minimamente preparado. As eleições autárquicas, como bem se vê, não andam guardadas no bolso de ninguém, pelo que não faz sentido tratar-se desse assunto como se fosse o quintal de uma só pessoa.
Votando ao Nóqui recordo que, três a quatro anos depois do fim da guerra, muitas crianças frequentavam o ensino primário em escolas de Matadi, região do Baixo Congo. Muitas famílias viviam literalmente divididas. Pais e filhos, irmãos, moravam em extremidades opostas do rio Congo. Aliás, recordo-me do dia em que fomos até à fronteira.
Estava muito calor e, para nos refrescarmos, compramos uns pacotinhos de água purificada, que era vendida do lado congolês. Estava escrito "Fabriqué au Congo”, num azul carregado. Engraçado. Pagámos mesmo em kwanzas. A vendedora ficou muito satisfeita.
Regressados à sede da vila, precisei de ligar para Luanda, para saber notícias dos meus e tranquilizá-los. Usei o telemóvel do nosso anfitrião, o senhor Administrador municipal. Achei estranho que do outro lado da linha me perguntassem de que país estava a ligar. Só depois me dei conta que não estava lá a voz simpática da senhora da Unitel. Era rede congolesa, Não havia lá Unitel, tampouco Movicel.
Além do único meio pessoal que tinha para comunicar com o mundo, o anfitrião ofereceu-nos uma refeição quente e cama com lençóis limpos e frescos para toda equipa. Não havia hotéis nem hospedarias.
Depois de 2002, um dos primeiros empreendimentos edificados no Município do Nóqui foi uma maternidade. Construída de raiz e muito bem equipada, a maternidade municipal acabou com uma prática muito comum na época, que era a das famílias irem ter os seus bebés na RDC.
Aquela situação, explicou-nos o Administrador, além de baralhar as contas da natalidade no município, também tinha implicações migratórias. Para evitarem mais dificuldades na hora da matrícula escolar, muitos pais não hesitavam em registar os seus filhos recém-nascidos como cidadãos congoleses.
O retrato do Nóqui, ainda que de há muitos anos, é igual ou semelhante à realidade actual de muitas regiões do país. Se naquela altura houvesse eleições municipais, tenho poucas dúvidas se elas não seriam ganhas por um autarca de Matadi. O nosso querido anfitrião, feito um rei sem roque, por mais boa vontade que tivesse, tinha o seu destino político traçado.
Penso ser essa a lógica de quem defende a aceleração do processo de desconcentração administrativa, ou seja, levar os serviços públicos como educação, saúde, comunicações, água e energia eléctrica, o mais próximo possível dos cidadãos, resolvendo, no mesmo pacote, o problema da ocupação efectiva do nosso território, da fixação das populações nas áreas de origem e salvaguarda da soberania nacional.
Neste momento é isso que está em debate na Assembleia Nacional. Aguardemos igualmente expectantes pelas propostas de Lei sobre a Organização das Autarquias, que inclui não apenas a forma de provimento dos órgãos autárquicos, mas uma série de outros elementos que fazem acontecer as autarquias locais em Angola.
Que os senhores Deputados façam o seu trabalho. Usem da iniciativa legislativa, respeitando a Constituição e o Regimento da Assembleia Nacional. Preparem-nas como deve ser e submetam-nas, para que, a seu tempo, sejam votadas e aprovadas. Mas hoje, meus senhores, o que está sobre a mesa é a proposta de lei da nova Divisão Político-Administrativa da República de Angola.Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, diz o ditado.
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