Opinião

Estado palestiniano “nas mãos” de Biden

Faustino Henrique

Jornalista

Parece excessivo dizer que a criação do Estado palestiniano está nas mãos do Presidente norte-americano, Joe Biden, mas a julgar por uma série de factores, desde os sucessivos vetos, na ONU, à insistência de que a efectivação de tal desiderato deve depender de negociações directas, as fracassadas tentativas de negociações e os acontecimentos de 7 de Outubro levam os Estados Unidos a ganhar consciência da urgência da criação do Estado palestiniano.

21/02/2024  Última atualização 08H02

Ahmad Tibi, político e antigo conselheiro de Yasser Arafat, o presidente da Autoridade Palestina que morreu em 2004, concorda com a ideia segundo a qual os americanos têm uma papel determinante no desfecho do quase secular conflito israelo-palestiniano.

 "O Presidente Biden pode e deve parar a guerra, prevenir a guerra, embora esteja a fazer exactamente o contrário, fornecendo armas a Israel para continuar a guerra”, declarou Tibi, lançando dúvidas sobre se a Casa Branca está,  realmente,  a olhar para um Estado palestiniano ou se está manietada por outros interesses.

Não há dúvidas de que quando se trata da solução para a efectivação do Estado palestiniano, desde há mais de 30 anos, depois das várias rondas de negociações, que legaram duas fórmulas, nomeadamente a Madrid e de Oslo, para resolver o diferendo israelo-palestiniano, os Estados Unidos posicionam-se como o único ente com a faca e o queijo nas mãos. É verdade que o " apoio incondicional” dos Estados Unidos a Israel "belisca” o posicionamento de mediador, na medida em que aliena, inclusive, sectores árabes moderados, mas quer israelitas e palestinos continuam sem alternativa quando se trata de mediação.

Há dias, o Primeiro-Ministro palestiniano, Mohammad Shtayyeh, defendeu a necessidade de uma terceira parte como mediadora, contrariando o que disse o chefe do Governo de Israel, Benjamin Netanyahu, quando este último afirmou que a criação do Estado palestiniano deve ser fruto de negociações directas e sem condições.

Nesta perspectiva, as atenções viram-se para os Estados Unidos, cuja política ambígua de defender a criação do Estado palestiniano e ao mesmo vetar inicitaivas do seu reconhecimento leva muitos a encarar tal posicionamento como expediente para gerir e não resolver, efectivamente, o problema.

Passaram cinco administrações americanas, entre republicanas e democratas, nos últimos 30 anos, com a mesma agenda, relativa ao conflito israelo-palestiniano, à busca da solução dos dois Estados, sem que se tenha efectivado até hoje.

Para algumas vozes, mesmo sob uma perspectiva demasiado dantesca, os acontecimentos do dia 7 de Outubro e todas as suas consequências, até hoje, "forçaram” uma espécie de reagendamento da maka em torno da criação do Estado palestiniano.

Mas, se depender só de Israel, numa altura em que a sociedade tende a radicalizar-se, com partidos políticos inclinados para a direita e extrema-direita que, mesmo sendo minoritários, têm espaço de actuação para fazer cair Governos, quase sempre formados por coligações frágeis, nunca vai existir um Estado palestiniano.

Tendo a "bênção” do poderoso Lobby judaico, Benjamin Netanyahau aprendeu a resistir a todas as pressões vindas, inclusive do Governo Biden, fazendo-se passar por um exímio equlibrista entre o extremismo dos ministros do seu Executivo e as posições dos aliados. No fim-de-semana, o debate no seio do Governo de Netanyahu aqueceu quando foi introduzida a discussão para efeitos de votação sobre uma declaração em torno da oposição oficial sobre o Estado palestiniano.

A votação contra a criação de um Estado palestiniano foi cancelada após oposição da direita, com ministros do partido Likud, de Netanyahu, bem como do Partido Religioso Sionista (RZP) e Otzma Yehudit, que criticaram a linguagem, uma vez que não descartava um Estado palestiniano em termos absolutos.

Netanyahu, hábil como sempre, procura estar bem com os seus parceiros no Governo e os seus aliados mais próximos, como os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, apenas para mencionar estes, mostrando, claramente, que não quer uma colisão directa com a Administração Biden.

Mas os membros da administração democrata, a começar pelo Presidente Joe Biden, o secretário de Estado, Antony Blinken, o Conselheiro para a Segurança Nacional, Jack Sullivan e inclusive o embaixador americano em Israel, já falam abertamente sobre a perspectiva de os Estados Unidos avançarem de forma progressiva com o reconhecimento do Estado Palestiniano.

Em entrevista gravada na quinta-feira para o "60 Minutes”, da CBS, que foi ao ar na noite de domingo, Joe Biden tinha declarado que "Um Estado palestiniano deve surgir imediatamente após o conflito na Faixa de Gaza. É preciso que exista e prevaleça a Autoridade Nacional Palestiniana”.

Mais do que as palavras, o mundo quer e espera que os americanos façam um pouco mais, tenham, efectivamente, alguma capacidade de dissuasão perante Netanyahu que, nesta altura em que a sociedade israelita no geral pende, politicamente, para a direita e extrema-direita, também precisa de sobreviver.

O desafio de Biden é enorme, mas o momentum actual que envolve o conflito entre Israel e o Hamas, o número de mortes, grau de destruição e a generalidade da opinião pública mundial que aponta para a necessidade de um Estado palestiniano, lhe serve como grande aliado para convencer os israelitas de que a sua sobrevivência e segurança, no longo prazo, estará melhor servida com a criação do Estado palestiniano.

Esperemos para ver em que medida Biden, que procura ser reeleito em Novembro, vai ter espaço de manobra para convencer e dissuadir Netanyahu ou se este último vai levar da melhor resistindo à actual Administração Democrata, na expectativa de uma mudança em Novembro, tendo, sempre, como maior aliado o poderoso Lobby judaico entrincheirado na América.          

 
*Jornalista 

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