Opinião

“Genocídio”, disse o Tribunal de Haia

João Melo*

Jornalista e Escritor

No último dia 26 de janeiro de 2024, o Tribunal de Haia tomou uma decisão relativa à acusação da África do Sul contra Israel por causa do genocídio que está a ser realizado em Gaza pelas forças sionistas, que deve ser considerada um inegável avanço moral e jurídico internacional.

31/01/2024  Última atualização 06H00
Apesar de não ter ordenado a principal medida cautelar requerida por Pretória - o cessar fogo imediato -, considerou admissível que os actos das forças militares israelitas podem ser qualificados como "genocídio”, exigindo de Tel Avive a tomada de medidas para os evitar. Israel tem um mês para demonstrar o cumprimento da exigência da mais alta instância judicial da Organização das Nações Unidas (ONU).

Diga-se, pois: foi uma meia vitória jurídica e moral e uma meia derrota humanitária.

O significado disso também é duplo: por um lado, a decisão do Tribunal de Haia confirma que o regime sionista de Israel está a perder a batalha da opinião pública mundial; e, por outro, o poder financeiro, mediático e militar do Sionismo continua forte, escudado no apoio assumido dos Estados Unidos, mas também no crescimento da extrema direita no mundo ocidental, únicas razões que explicam o prosseguimento da guerra assumidamente desproporcional levada a cabo por Tel Avive no território de Gaza (militarmente, não há nenhuma explicação para que, ao invés de buscar os grupos do Hamas responsáveis pelos ataques de 7 de Outubro, as forças sionistas bombardeiem e ataquem, de modo indiscriminado, sobretudo civis, com destaque para crianças e mulheres).

A verdade é que o regime sionista acusou o toque (a decisão dos juízes do Tribunal de Haia). A comprová-lo, o Primeiro-Ministro, Benjamin Netanyahu, afirmou, no sábado, 27 de Janeiro, considerado o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto, que a decisão do referido tribunal significa que (cito de memória) "muita gente ainda não entendeu o significado do Holocausto”.

O cinismo não é, no caso, nenhuma novidade, pois esse recurso - posar de vítima, para encobrir e/ou justificar os seus crimes - é verdadeiramente definidor e estruturante da estratégia de afirmação nacional do Sionismo e do Estado de Israel. A própria criação do referido Estado e a sua implantação, pela Grã-Bretanha, no território histórico da Palestina, baseou-se nesse autêntico - vou usar uma expressão popular caluanda – "truque de bandido”.

Mas, a principal manobra de diversão (até prova em contrário, é legítimo considerá-la assim) de Israel e dos seus protectores e mentores é a acusação a doze funcionários da agência da ONU para apoio aos refugiados palestinos - UNRWA - de terem participado nos ataques do Hamas de 7 de Outubro de 2023.

O Hamas, obviamente, desmentiu-o e, quanto à ONU, iniciou imediatamente um inquérito para apurar a veracidade das acusações. É o que deve ser feito em situações do género.

Sintomaticamente, porém, nove países ocidentais não esperaram um dia sequer pelas conclusões desse inquérito, anunciando a suspensão das suas contribuições financeiras à UNRWA. São eles: Estados Unidos, Itália, Canadá, Austrália, Reino Unido, Países Baixos, Finlândia, Alemanha e França.

Sim, caros leitores, entenderam bem: antes de qualquer conclusão, comprovando (ou não) a participação desses 12 funcionários nos ataques do Hamas, os referidos países resolveram, unilateralmente, deixar de financiar aquela agência, criando-lhe assim dificuldades extras para levar a cabo o seu trabalho.

Esses oito países, note-se, são responsáveis por cerca de 80% do financiamento da UNRWA.

Por isso, quer o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, quer o director-geral da agência, Philippe Lazzarini, não pouparam nas palavras para antever as consequências da suspensão do apoio dos países em questão à referida agência: "desastre” e "tragédia”, disseram …

*Jornalista e escritor

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