Opinião

Marcas destes tempos

Luciano Rocha

Jornalista

Estes tempos novos, feitos de segundos, que constroem minutos, antecessores das horas que, umas sobre as outras, originam sucessivamente dias, meses, anos, voam velozes como jamais, numa correria sufocante de sentimentos promotores de injustiças reflectidas em egoísmos.

28/03/2024  Última atualização 07H00
Guerras e intempéries são marcas indeléveis destes tempos novos, paradoxalmente tão idênticos aos mais remotos de antanho, nos quais a coragem se media pela força física, como a de qualquer outro animal, não pela inteligência.

O Mundo de hoje, que devia ser espelho do desenvolvimento associado ao bem-estar, em crescendo, da humanidade, está, pelo contrário, abarrotado de exemplos de crueldade patentes em todos os continentes, sem excepções, para não haver quem se possa gabar...

O assalto, recente, a uma sala de espectáculos na capital russa, onde aparentemente quatro elementos de um grupo  radical  islâmico assassinou, indiscriminadamente, mais de cem pessoas, entre elas, crianças,  com tiros de metralhadoras e lançamento de granadas, a par de cocktail molotov -  de boa memória, símbolos de lutas pela liberdade, agora abastardados por mãos a soldo de obscuras conveniências - é um exemplo do que podem crueldades e egoísmos humanos.

O que de mal fizeram aqueles que se propuseram passar parte de uma tarde a ver e ouvir, em Moscovo, uma banda rock, género musical nascido nos Estados Unidos, mas depressa espalhado pelos cantos do Mundo? E aqueles que, acentue-se, resolveram levar os filhos crianças em vez de os deixar num infantário ou com uma ama? O que lucraram com isso executores materiais do crime e quem os incumbiu da matança? Interrogações, apenas isso, para já. O tempo há-de encarregar-se da resposta e de destapar a verdade.

Até lá, todavia, hão-de continuar a entrecruzarem-se cinismos em "empolgados e sentidos” discursos ou mensagens de circunstância. Em qualquer dos casos, com as habituais ressalvas de "independentemente da nossa posição”. "Não vá o diabo tecê-las” e serem mal interpretados pelos que lhes suportam cargos, vaidades, fatiotas, viagens, toda uma vida que jamais perspectivaram. Nem nos mais fantasiados sonhos acordados... 

O que sucedeu em Moscovo naquela sala de espectáculos - e duas horas depois nas imediações na Embaixada portuguesa, neste caso sem vítimas humanas -  foi e continua a ser, mais de uma semana depois, assunto obrigatório na programação diária nos principais órgãos de comunicação social de todo o Mundo, especialmente no Ocidente. Não somente com hipotéticos novos dados sobre a tragédia, como tema de debates. De repente, especialistas em guerras passaram a sê-lo em terrorismo! E se narrações e comentários ao conflito armado que opõe Rússia e Ucrânia já começavam a afastar leitores, radiouvintes e telespectadores por repetitivos, a chacina à sala de espectáculos de Moscovo veio a calhar, salvo seja, para a recuperação de audiências. Até porque a carnificina na Faixa de Gaza já incomodava. Pelo menos,  causadores da tragédia e dilectos apoiantes.  

O cenário de horrores, cujas  personagens são mulheres e homens, de todas as idades, a par de crianças. Os únicos crimes que lhes podem ser atribuídos é terem fome e suplicarem por comida, sede e impedirem-nos de a saciar; medo e não os deixarem fugir; sono e terem-lhes destruído casas nas quais nasceram avós; estarem doentes e bombardearem-lhes hospitais.

O eventual leitor pode, neste momento, estar a perguntar aos botões da "camisa de trazer por casa”, sobre as demais desgraças que  fustigam  o  Globo e tem razão. Mais, comprova não fazer parte da maioria que se "está nas tintas” para o quer que seja, desde que não o belisque. Sequer é necessário olhar para fora do Continente que nos acolhe e do qual, cada vez mais, muitos de nós se afasta, mesmo sem sair dele.

Os exemplos de dramas de toda a ordem em África repetem-se e multiplicam-se, mas continuam sem despertarem a atenção não apenas de quem os causa, como, o que é tão grave ou mais, da maioria dos que a tiveram por berço.

Moçambique, por exemplo, debate-se, há anos, com o problema, entre tantos, da intolerância religiosa por parte de seitas islâmicas extremistas que vêem noutras doutrinas e em quem não as afronta encarnações do demo, que é preciso exterminar. 

Alguns dos invasores vêm de longe, atravessam mares  e florestas, espalhando o terror em nome, garantem, de um deus estranho que lhes exige sangue, lágrimas e vidas em troca da felicidade eterna num paraíso de virgens e farra constante.

Aquelas acções reflectoras das ignorâncias do Século XXI, que devia ser o da ciência conducente à felicidade humana, motivam, ao invés, atrasos sociais e económicos num país, neste caso Moçambique, que sofreu até há poucas décadas o ferrete do colonialismo. Além disso, tem sido sucessivamente fustigado por contratempos comuns a África, muitas vezes tendo por trás, as mãos de ex-ocupantes.

Os problemas internacionais de hoje não se circunscrevem - e se assim fosse já eram excessivos - ao massacre ocorrido numa sala de espectáculos de Moscovo, à guerra entre Rússia e Ucrânia, à chacina de muçulmanos indefesos.

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