Em diferentes ocasiões, vimos como o mercado angolano reage em sentido contrário às hipóteses académicas, avançadas como argumentos para justificar a tomada de certas medidas no âmbito da reestruturação da economia ou do agravamento da carga fiscal.
O conceito de Responsabilidade Social teve grande visibilidade desde os anos 2000, e tornou-se mais frequente depois dos avanços dos conceitos de desenvolvimento sustentável. Portanto, empresas socialmente responsáveis nascem do conceito de sustentabilidade económica e responsabilidade social, e obrigam-se ao cumprimento de normas locais onde estão inseridas, obrigações que impactam nas suas operações, sejam de carácter legal e fiscal, sem descurar as preocupações ambientais, implementação de boas práticas de Compliance e Governação Corporativa.
As makas de feitiçaria, reais ou imaginárias, entre os angolanos, acabam quase sempre da mesma forma nas comunidades urbanas e rurais: nunca debatidas, consideradas um “não assunto” e quase que tabú, realidade que não impede que um segmento significativo da população, no campo e na cidade, continue a rever-se em tais práticas e nos seus efeitos.
Tudo isto a propósito de informações que, de certeza e lamentavelmente, passaram como mais um faits-divers e, seguramente, despercebidas para muitos, sobre a morte de 50 pessoas, alegadamente por envenamento.
O referido caso das mortes, confirmadas pela Polícia Nacional, noticiado pela imprensa angolana, ocorreu entre Janeiro e Fevereiro do presente ano, na localidade de Camacupa, na província do Bié, em que foram protagonistas supostos curandeiros, que administraram o "veneno”.
Em determinadas localidades de Angola, como na Região Songo, envolvendo os municípios de Quirima, Cambundi Catembo, Loquembo, na província de Malanje, partes das regiões fronteiriças dos citados municípios malanjinos, (Norte do Bié, Nordeste com a Lunda-Norte e Sudoeste com o Cuanza-Sul), denominam "mbambu” ao suposto medicamento administrado a pessoas tidas como praticantes de bruxaria.
Geralmente, esse procedimento, precedido por morte que "precisa de ser esclarecida”, é feito como parte de uma prática e concretização aceites por todos, em que as famílias alegadamente lesadas e as sob suspeita, acabam por "beneficiar” com a "eliminação” de um mal que pode prejudicar os membros de ambos os lados.
Trata-se de um acto de "justiça” no qual as famílias, ao longo de centenas de séculos sempre se reviram, independentemente da natureza macabra que o envolve e que, ultimamente, tende a ser questionado com as crescentes denúncias.
Noutras localidades, como partes do Bié, chamam de "mbulungu”, líquido que as pessoas são "convidadas” a beber para provar alegada inocência ou culpabilidade. Obviamente que noutras regiões do país recebem outras designações, provavelmente até distinguindo-se na substância ou matéria administrada, como recurso para apurar ligações pessoais à bruxaria.
Em tais casos, a referida ferramenta que alguns chamam de juramento em português, faz parte de um conjunto de regras seculares nas quais as famílias, nas localidades em que a prática existe, se revêm e usam como método para aferir, culpar e responsabilizar eventuais autores da prática de feitiçaria, sobretudo nos casos em que precedam às mortes que precisam "de ser esclarecidas”. Diz-se que os inocentes acabam sempre por sair incólumes da ingestão do que se convencionou chamar agora de "veneno”, um dado que leva a perguntar porque é que as famílias nunca denunciaram antes ou por quê nunca o fazem quando morrem entes de outras famílias?
Esta prática de "beber” o "mbambu”, "mbulungu” ou juramento é tão antiga e ainda hoje "tão generalizada”, segundo fontes policiais no Bié, que nunca as famílias vieram a público denunciar, mas ultimamente as pessoas, sobretudo as visadas, cujos entes acabam mortos, vêm a público.
O facto de algumas famílias começarem a denunciar a prática revela não apenas que se deixaram de rever nos resultados da iniciativa em que, vale dizer, muitos ainda tendem a se rever, fundamentalmente por falta de resposta do lado institucional. Ou seja, que resposta as instituições do Estado têm para os casos de feitiçaria, para regular os eventuais excessos, preencher um suposto vazio ou evitar que as comunidades sejam deixadas à sua sorte a regular ancestralmente as makas de bruxaria?
Compreende-se que as instituições do Estado angolano não queiram ser apanhadas a reconhecer uma prática que conflitua com o direito positivo, desafia parte do senso comum, é encarada com indiferença e rejeição pela ciência e, para muitos, convém que a feitiçaria não seja levada a sério.
Obviamente que por aqueles pressupostos todos, a prática de recorrer ao "mbambu”, "mbulungu” ou juramento não deixará de existir, na medida em que, por um lado, as famílias que se julgarem vítimas de feitiço vão continuar a encarar os artifícios místicos como recurso para efeitos de "justiça” e, por outro, as instituições se demarcarem de tais práticas.
No fundo, o vazio que decorre da ausência de uma resposta do Estado às questões de feitiçaria, que não seria necessariamente suposto esperar pelas razões já evocadas, levam as comunidades a "proceder como de costume”, recorrendo ao "mbambu”, "mbulungu” ou juramento para resolver as makas de feitiçaria entre as famílias.
Mas as contínuas denúncias representam uma viragem, que interessa acompanhar até onde as famílias, em companhias das instituições do Estado, poderão ir para reverter um quadro que divide opiniões.
Por mais que se ignore a eficácia das práticas de que as instituições do Estado se demarcam, que as pessoas defendam que se trata de um assunto que não vale a pena nem abordar, tudo isto não erradica o recurso aos procedimentos ancestrais para resolver problemas que o Estado, pelo menos, espera que as comunidades o façam, no estrito cumprimento das leis.
*Jornalista
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