Opinião

Ndungidi é património de Angola Independente

Honorato Silva

Jornalista

Ndungidi Gonçalves Daniel está para Angola e os angolanos, como Eusébio da Silva Ferreira esteve para Portugal e os portugueses. Ambos romperam os limites impostos pelo clubismo, para o firmamento à escala nacional. Os tratados que assinaram com a bola no pé os guindaram à condição de pertença de todo um povo, independentemente da cor da camisola por que se torcia.

01/03/2024  Última atualização 06H10
Adeptos de várias idades, renderam-se, nos primeiros anos da Independência nacional, ao fascínio do craque que fazia do drible em progressão, da ginga e do remate potente e colocado as suas melhores armas, no ataque às balizas contrárias. Reza a história que, numa noite memorável, no engatinhar do Girabola, Ndungidi forçou o desaparecimento de Paulo Cassule, defesa do Progresso Sambizanga, ao ser mimoseado com um recital de fintas para todos os gostos e feitios, cujas imagens foram repetidas dias a fio, na televisão que viu nascer o país.

Dono de um imenso talento, temperado ainda na Angola colonial, sob a batuta de Fernando Peyroteo, até crescer como o dono da bola e ganhar, no despontar da juventude, a alcunha de Pelé do Luanda, numa alusão à estrela maior do futebol mundial, o brasileiro Edson Arantes do Nascimento. Aliás, foi com naturalidade que se tornou no rosto do 1º de Agosto, porque "aquela bola que o Ndungidi batia/tinha embora uma mania/de inventar em mim/a tal da felicidade”, conforme registou para a imortalidade, o músico Paulo Flores.

Ainda teve tempo de exibir o seu futebol superlativo com as cores do Petro de Luanda, o arqui-rival, quando se viu desamparado pelo seu grande amor desportivo, sem, contudo, cortar o cordão umbilical. Na idade de "pai de família”, brilhou com a camisola dos petrolíferos, nas Afrotaças, ao ponto de provocar subida de tensão arterial ao técnico Carlos Queirós, que desacordou ao testemunhar, na Cidadela, momentos de fina arte.

Jogou em Angola o suficiente para fascinar clubes europeus, como foi o caso do Sporting de Portugal. Mas não saiu, porque o jovem Estado em construção precisava dos seus filhos. Doutros pontos do continente, chegava o reconhecimento de mágicos de fino trato, casos dos camaroneses Manga Onguéné e Théophile Abega, pois craque reconhece o semelhante ao longe.

Então, é este senhor da bola esdrúxula, a quem devemos dignidade. Que não deve, muito menos pode ficar carente de cuidados médicos. Por todas os pedaços de história, escritos nos pelados e relvados deste imenso país, legados à nossa memória colectiva, é obrigação das instituições intercederem no sentido de ser confortado com assistência à altura da demanda do seu quadro clínico.

O 1º de Agosto é o expoente máximo da sua rica carreira futebolística. É um facto. Mas, de tão grande no jogar, Ndungidi elevou-se à condição de património nacional. Escultor de obras-primas com a bola no pé e ombros descaídos, para o lado do drible. O apelo do renomado jornalista Amílcar Xavier criou um estado de preocupação geral, em defesa do bem maior. A vida!

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