Opinião

Os desafios eleitorais do ANC trinta anos depois

Faustino Henrique

Jornalista

Nada indica que o ANC venha ser apeado do poder, independentemente de algumas sondagens apontarem para uma eventual perda da maioria que tem alcançado e mantido nas últimas três décadas. Mas as possibilidades de perder a maioria parlamentar são reais, embora não se traduzam, para já, numa perda total do poder

28/02/2024  Última atualização 07H05
Escreve a Associated Press que "há uma probabilidade muito pequena de o ANC estar completamente fora do Governo”, numa altura em que o maior partido da oposição, a Aliança Democrática, apresentou, durante o lançamento do manifesto político para as eleições de 29 de Maio, um plano para desalojar do poder o ANC.

Diz-se que estas eleições serão as mais disputadas, na medida em que está em jogo um conjunto de factores, que ameaçam a hegemonia do ANC, nomeadamente os escândalos de corrupção que afectam figuras de proa do partido, o aumento da pobreza, o desemprego, a criminalidade e uma crise eléctrica paralisante, além do desempenho político eleitoral, cada vez mais, decrescente.

A reputação do ANC tem sido, também, manchada por uma série de alegações de corrupção, especialmente sob a liderança do antigo Presidente Jacob Zuma, entre 2009 e 2018. Estima-se que a corrupção desenfreada, durante esse período, tenha custado milhares de milhões de dólares, facto que levou à instauração de um inquérito  para descobrir a extensão do fenómeno. E estas variáveis acabaram por jogar um papel determinante nos resultados eleitorais, sobretudo nas autárquicas.

O maior sinal de alerta ocorreu nas eleições locais de 2021, quando o desempenho do ANC caiu abaixo dos 50 por cento, um dado que permitiu concluir que mais sul-africanos votaram em outros partidos e não o ANC, um verdadeiro "turning point”, que leva a muitos a encarar como certa a perspectiva de uma eventual derrota, em Maio.

No Estádio Moses Mabhida, em Durban, onde foi lançado o manifesto eleitoral do ANC, no sábado, dia 24, Cyril Ramaphosa disse que, entre os vários objectivos do partido no poder, constam a criação de dois milhões e quinhentos mil empregos, um valor que vai ficar muito aquém dos números da taxa de desemprego, estimada em 32 por cento, correspondentes a mais de 20 milhões de sul-africanos, num universo de 62 milhões de habitantes.

Grande parte do grosso que vota nas sucessivas eleições, locais e legislativas, em que o ANC tem vindo a perder algum terreno, é a chamada geração "born free”, nascida na era pós-Apartheid, que espera mais do que a narrativa e história de luta e conquistas do partido no poder. Esta pode ser a razão pela qual Cyril Ramaphosa, como fez questão de sublinhar, no sábado, no acto de lançamento do manifesto eleitoral, que não se iria focar no que o ANC fez, mas nos planos que envolvem o futuro imediato, para resolver o problema do desemprego, do elevado custo de vida, do défice de fornecimento de energia, defesa da democracia, entre outros.

Obviamente, o ANC vai à luta e, independentemente dos indicadores que mostram o desempenho da governação, as sondagens e os estudos de opinião,  o partido no poder na África do Sul pode ainda ter a seu favor a possibilidade de negociar uma maioria parlamentar com as formações políticas de menor expressão e viabilizar a reeleição do Presidente Cyril Ramaphosa.

Embora o maior partido da oposição, a Aliança Democrática, liderada por John Henry Steenhuisen, tenha crescido muito, nos últimos tempos, a ponto de se afirmar como principal força política na África do Sul, na verdade, dificilmente conseguirá derrotar, caso isso ocorra, sozinha o ANC, razão pela qual no lançamento da sua rentrée, o líder do partido apresentou um plano em que quer contar com outros partidos para formar maioria parlamentar que esvazie a do partido no poder.

Diz-se que a Aliança Democrática tem um acordo de coligação pré-eleitoral com outros partidos para combinar os seus votos numa tentativa  para derrubar o ANC, mas todos eles terão de melhorar, consideravelmente, o seu desempenho eleitoral para que essa aspiração da oposição sul-africana, de apear o ANC do poder, se efective.

Provavelmente, a equação estaria resolvida se o terceiro maior partido da oposição, o Economic Freedom Fighters (EFF), os combatentes pela liberdade económica, de Julius Malema entrasse nos cálculos da Aliança Democrática, uma posição privilegiada para, eventualmente, determinar o curso pós-eleitoral na formação da maioria parlamentar.

Jacob Zuma, cuja intenção de criação de partido com a designação da "Lança da Nação”, antiga denominação do braço armado do ANC, parece inviável em função da disputa legal quanto ao nome, quer, também, ter uma palavra a dizer nas próximas eleições gerais.

Para o ANC, se depender só de si é muito provável que o desempenho seja incapaz de preservar a maioria parlamentar que viabilize um Governo de maioria e a reeleição do Presidente Cyril Ramaphosa, atendendo ao sistema sul-africano, mas se contar com outros partidos que poderão estar interessados em negociações pós-eleitorais, o ANC poderá manter a maioria.

O ambiente pré-eleitoral, mesmo a faltar cerca de 60 dias para o pleito, é apocalíptico para as hostes do partido no poder e o legado governativo não ajuda a fazer um prognóstico favorável para o então movimento fundado pelo ensaísta, político e poeta sul-africano, John Langalibalele, em Janeiro de 1912, na cidade de Bloemfontein.

Depois de Mandela, Mbeki e Zuma, que prometeu que o "ANC governaria até  à segunda vinda de Jesus Cristo”, resta esperar para ver se vai ser com a liderança de Cyril Ramaphosa que o ANC vai, trinta anos depois, conhecer a sua primeira derrota ou, ao menos, ter um desempenho eleitoral abaixo dos 50 por cento dos votos.

            *Jornalista

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