Opinião

Que África teremos em 2024? (Primeira parte do Eixo sobre Segurança)

Osvaldo Mboco

*Professor de Relações Internacionais e mestre em Gestão e Governação Pública, na especialidade de Políticas Públicas

Depois da abordagem feita sobre as questões políticas e as suas implicações para o continente africano, hoje, no segundo episódio da série de 4 artigos de opinião, a abordagem é sobre os aspectos ligados à segurança.

06/02/2024  Última atualização 07H03

As questões ligadas à segurança sempre foram preocupação dos Estados desde os primórdios da humanidade, a defesa pela soberania é um dos principais objectivos dos Estados, desta feita, como já foi feita referência acima, este capítulo vai abordar os assuntos ligados ao eixo de segurança.

A primeira ideia que surge quando se aborda sobre segurança fica intrinsecamente ligado à defesa do território contra as ameaças à soberania que podem ser detectadas quer por terra, ar e quer por mar, mas importa fazer referência que hoje os riscos e as ameaças à soberania dos Estados decorrem, também, no ciberespaço que parece que os Estados africanos são ainda mais sensíveis no controlo e combate aos crimes cibernéticos atendendo à estrutura deficitária sobre esse ponto.

Poderíamos abordar sobre a segurança económica, segurança alimentar entre outras dimensões do campo de actuação de segurança, mas para esse artigo a abordagem é reservada para os seguintes aspectos: conflitos e guerra civis; crimes transfronteiriços e cibernéticos; pirataria e terrorismo em África.

Conflitos e guerras civis 

O Relatório do Departamento de Paz da Universidade de Uppsala de 2023 reportou que, actualmente, existem 22 conflitos armados activos em África. Esses conflitos são divididos em duas categorias: conflitos armados intra-estatais e conflitos armados inter-estatais. Este relatório não aborda sobre os conflitos esquecidos ou adormecidos em África que, volta e meia, podem recrudescer.

Os conflitos, as guerras civis, as crises políticas e militares, que são fenómenos quase que permanentes na presente contemporaneidade devido ao vazio de poder e/ou à fragilidade das instituições dos Estados, em muitos casos, resultado em parte das questões constitucionais, pobreza e desigualdade económica e social, factores étnicos e religioso, a disputa pelos recursos naturais e as interferências externas, provocam a imigração ilegal, o crime organizado e os fluxos de refugiados no continente africano.

E quanto a este último elemento, os dados são claros e muitos deles apontam que a saída forçada de indivíduos de um Estado para o outro aumentou consideravelmente nestas últimas décadas, devido ao recrudescer de novos conflitos no interior das fronteiras nacionais e com o intuito de regionalizar-se devido às fragilidades de algumas fronteiras limítrofes, o que vem a constituir um sério risco e ameaça à soberania das nações.

É do domínio público que os conflitos e as guerras civis têm impactos negativos para os Estados, para a região e em muitos casos para o Sistema Internacional, desde as mortes, refugiados, destruição de infra-estruturas, podem originar a sessão do território nacional e o controlo de grupos armados em terminadas regiões do país.

A par destas consequências importam ainda que os riscos que os conflitos e as guerras civis acarretam para a consolidação do Estado de Direito e Democrático, a liberdade de circulação das populações, entre outros constrangimentos.

Os conflitos e guerras civis tornam os Estados frágeis e propensos aos crimes transnacionais (tráfico de seres humanos e órgãos, armas, drogas) devido à porosidade das fronteiras e permitir o surgimento ou deslocação de grupos terroristas para o Estado em conflito devido à fragilidade do Governo em controlar e defender toda a extensão territorial dos riscos e as ameaças a soberania do Estado.

A pacificação do continente, num primeiro plano, depende do entendimento dos contendedores ou dos autores primários, daí ser ilusório em pensar que a solução de um conflito depende simplesmente dos blocos regionais, União Africana ou da ONU, apesar que podemos subscrever a ideia se existir embargos de armas pode desequilibrar a correlação de forças no teatro das operações, e forçar que as partes desavindas sentem a mesma mesa para encurtar as diferenças, mas a grande questão é que o Governo pode estar sobre o embargo, mas os grupos rebeldes por norma adquirem armamento pela via do contrabando, por isso, em muitos casos, assistimos que a capacidade combativa de determinados grupos rebeldes seja a ser superior do Exército do Estado.

Subscrevemos a ideia que a paz não se traduz simplesmente com o calar das armas, mas devemos afirmar que o calar das armas é determinante para o início para se encontrar a paz estrutural que permite a discussão de questões ligadas ao crescimento e desenvolvimento sócio-económico e melhorar as condições dos africanos. Prefaseando o Presidente João Lourenço "(...) A paz e segurança do nosso continente, deve estar no topo das nossas preocupações e, para ela, devemos despender o tempo, a atenção e os recursos humanos, financeiros e materiais necessários, porque o terrorismo e os golpes de Estado minam a estabilidade política e o desenvolvimento económico e social de África(...)”. Extraído do seu discurso na 16.ª Cimeira Extraordinária da União África, sobre Terrorismo e Mudanças Inconstitucionais de Governos em África, em 2022, em Malabo.

Temos de afirmar que os caminhos para paz normalmente são complexos em função dos interesses antagónicos das partes e a percepção dos factos que os motivam para se degladearem, nesta ordem de ideia se ajusta a visão do Ministro das Relações Exteriores Tete António, quando defendeu que "a paz não é uma linha recta, existem sempre variações (...)”.

As guerras civis em África afastam o investimento privado, nenhum empresário desloca uma unidade fabril ou exporta mercadorias para um país onde o risco de perder o investimento é bastante alto. Os conflitos dificultam a economia de qualquer Estado, quer pela via do investimento e quer pela via de arrecadação de impostos e essas consequências têm implicações para o sector social que agudiza a pobreza e a desigualdade social, trauma, entre outros males que podem acarretar para os Estados.

(Continuação da parte de segurança no próximo artigo)

 

*Professor de Relações Internacionais e mestre em Gestão e Governação Pública, na especialidade de Políticas Públicas

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