Opinião

“Saia de casa, a empregada agora é a minha esposa”

Guida Osvalda

Sim! Já havia ouvido centenas de histórias sobre traições. Histórias de maridos descarados e sem carácter. Armanda olhava boquiaberta para a cena grotesca diante dos seus olhos: o marido enroscado no edredom com a empregada.

07/04/2024  Última atualização 12H13

Um sujeito que era esposo, pai, sogro, avô e com um cargo de responsabilidade numa instituição pública com um comportamento reles, de tamanha pouca vergonha. Num flash-back, Armanda lembrou-se das vezes em que o marido, na presença até de visitas, implicou com a sua secretária do lar. Embirrava com a empregada porque não arrumava a casa em condições, porque não conseguia acertar na disposição das camisas e dos fatos no guarda-roupa, seguindo a sequência das cores. Antipatizava com a empregada porque a comida ou estava muito gordurosa ou porque faltava tempero. A máscara de bom marido tinha caído. Naquele dia, Armanda, que era enfermeira, como em outras ocasiões, saiu de casa antes do marido, logo depois da empregada ter chegado às 7h00 em ponto. Kátia, a empregada, parecia um relógio suíço. pontualissima! Com chuva, sol, indisposta, ela raramente faltava e era muito competente no que fazia. No entanto, Armanda tinha se esquecido de um documento em casa e regressou, deparando-se com aquela imagem que nem nos seus piores pesadelos imaginou que um dia fosse acontecer. O primeiro instinto foi dirigir-se à cozinha e apanhar uma faca para assassinar os amantes. Ambos estavam num tão profundo sono que  nem se aperceberam que ela estava na porta do quarto a observá-los. Depois de quase cinco minutos, com muito controlo, Armanda começou a bater as palmas com a intenção de despertá-los, e, para a sua estupefação o marido sentou-se na cama e perguntou: - Oh, estás aí? Pensei que já tinhas saído para o trabalho – a frieza e o descaramento do homem com quem estava casada há mais de 30 anos eram chocantes. A amante, aquela que Armanda um dia considerou como alguém de confiança, puxou o edredom até ao queixo, lançando, no entanto, um olhar de vitória para a dona da casa. 

- Eu estou sem entender o que se está a passar neste quarto – Armanda tentava a todo o custo manter-se calma, manter a sanidade mental intacta - Sei que o teu instinto de galinha é forte, mas fazer da empregada amante e trazê-la no nosso leito é demais.

Armanda afastou-se da porta do quarto e procurou pelo telefone e ligou para os filhos, que naquela hora também já deviam estar a caminho dos seus locais de trabalho. Depois de algum tempo a empregada passou por ela e, desavergonhadamente, foi à cozinha para os seus afazeres, enquanto o marido sentou-se ao lado dela, e com a maior cara-de-pau, disse:

- Sim, é verdade, nós estamos juntos há já um ano e muita gente sabe do nosso caso -confirmou a sua traição como se estivesse a falar com um amigo – decidi fazer da Kátia a minha segunda mulher.

Se encontrar o marido na cama com a empregada foi um grande choque, saber que ele a queria como segunda mulher, como concubina, era demais para Armanda.  A enfermeira teve um ataque de histeria.

- Não aceito isso! Ou eu ou ela! Desde quando é que uma empregada se torna rival da dona de casa? Eu não aceito…

Pausadamente o marido decidiu informá-la que a sua decisão não estava em discussão: -Eu quero ficar com vocês as duas, mas se não concordares, podes abandonar a casa. Eu e a Kátia vamos viver aqui, e este é um ponto final.

"Decididamente o homem perdeu o juízo”, Armanda pensou em choque. Onde tinha ido parar o seu amado? Companheiro de muitas batalhas? Seria uma crise de meia-idade? Ele até já tinha passado, há anos, dos 55.

Quando os quatro filhos, uma mulher e três homens feitos, chegaram, Armanda soluçava profundamente, depois de ter chorado baba e ranho."É muita humilhação, meu Deus, é muita vergonha”, repetia ainda em choque.  

Rapidamente a filha do casal preparou uma mala para retirar a mãe de casa. Os filhos tentavam entender as motivações que levaram o pai a tomar a decisão de ter uma segunda mulher e, pior, exigir que a esposa abandonasse a casa por ter se recusado a fazer parte de uma relação poligâmica. 

- Mas não é muito radical, nesta idade, tornar-se polígamo? – O primogénito do casal questionou. – E logo a empregada?  Papá… também já é demais.

- Nós não concordamos com a decisão do kota de tirar a velha de casa – o filho cassule estava revoltado. -  Se o kota quer ter uma outra relação tudo bem, só acho que não deve obrigar a velha a fazer parte deste relacionamento.

O marido de Armanda estava irredutível.

– Se ela não aceita que a Kátia seja a minha segunda mulher, então ficamos num impasse, uma coisa é certa: ela sai e nós ficamos.

- Pai…- o terceiro filho tentava manter-se sereno. - Numa relação onde um homem tem mais de uma mulher, uma delas vai sofrer. Uma coisa é as duas concordarem em fazer parte desta poligamia, outra é o velho exigir que a nossa mãe faça parte desta palhaçada.

- Palhaçada? – O senhor colocou-se de pé e com dedo em riste dirigiu-se ao filho:- Não admito faltas de respeito, ouviu?

- O pai sabe qual é o problema da poligamia? – A filha chorosa questionou. – Geralmente são as mulheres que correm o risco maior de danos físicos e psicológicos e enfrentam taxas mais altas de violência doméstica e abuso, incluindo abuso sexual.

O diálogo perdeu a urbanidade e Armanda e os filhos foram escorraçados de casa. Não conseguiam entender que tipo de paixão era aquela. O que tinha acontecido com o homem? Geralmente era um ser sensato, conselheiro, com discernimento e cheio de sabedoria…

Se os filhos tentavam a entender o pai, a filha estava decepcionada ao extremo. Seria preferível que ele tivesse arranjado uma outra casa, porque enxotar a mãe do lar era demais.

A filha de Armanda lamentava o facto de muita gente achar a poligamia algo normal quando também é uma forma de violência doméstica. Provavelmente esses defensores da poligamia não sabem que nenhuma mulher fica psicologicamente confortável quando sabe que o marido mantém uma relação com outra mulher.

Seis meses depois, ainda tentavam entender por que carga d’água o chefe de família não tinha tirado a empregada de casa para manter uma relação discreta com ela ou arranjado uma outra casa onde pudessem viver sem prejudicar a esposa. Ficar com a casa e tudo o resto era o cúmulo da maldade.

E a Kátia então? Com 45 anos de idade e tratada pela família como se fosse um dos familiares,a trair assim as pessoas que tinham muita consideração por ela! Era falta de carácter, maldade, inveja ou o nível sócio-económico era tão baixo que lhe fez perder o norte? Bem dizem que paixão depois dos 50 anos de idade é um perigo.

O acto do homem provocou a desestruturação da família, a relação de amizade entre eles desapareceu e a mãe continuava a lamentar, por onde quer que andasse, sobre a grande vergonha que passou pelo facto de ter sido enxotada da sua vivenda decorada com esmero, para ser ocupada por uma oportunista.

Os parentes dele e de Armanda acreditavam que ele estava enfeitiçado.

- Para ter duas mulheres também tem de saber - diziam alguns entendidos no assunto. – Não é pegar a empregada de casa para lhe tornar dona de tudo que a outra trabalhou.

-Se quer ter duas mulheres, procure a segunda fora de casa, mas mesmo assim é com cuidado para não destruir a família que você formou na juventude – apontavam outros.

- Não… o mano errou muito quando decidiu ficar com a Kátia na casa da Armanda. E ainda por cima foi fazer pedido à família da segunda com os amigos dele. – Os cunhados de Armanda repudiavam o comportamento do irmão.

Os filhos pediram que a mãe consultasse um psicólogo e este, com profissionalismo, orientou que Armanda recomeçasse a vida, afirmando que possivelmente o ex-marido permanecia num estado emocional infantil. Num meio-termo que combina duas atitudes incompatíveis, a de fugir da responsabilidade madura e o anseio espiritual pelo preenchimento por uma nova companhia e pelo prazer que o relacionamento lhe proporcionava.

A consulta com o psicólogo foi benéfica para Armanda, que decidiu agir, com a cumplicidade dos filhos. "A vingança é um prato que se come frio”, Armanda repetia constantemente. Quando se apercebeu que o ex, em companhia da concubina, viajaria para o exterior por dois meses, pediu ajuda aos filhos.Os rapazes dirigiram-se à antiga casa da mãe e apoderaram-se dos documentos da propriedade.

Armanda vendeu imediatamente a vivenda e com parte do dinheiro comprou uma outra para si em um condomínio onde as habitações, de dois pisos, eram caríssimas. Um terço do dinheiro depositou na conta do marido e enviou uma mensagem com o seguinte teor: "Veja o saldo da tua conta no banco e seja feliz. Obrigada porque finalmente estou livre da tua má companhia”.  

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião