Opinião

Superlotação das cadeias

Bernardino Manje

Jornalista

Os direitos e garantias fundamentais dos detidos estão assegurados na Constituição da República de Angola. Pois, não obstante a sua condição, quer detidos, quer presos, são, também, cidadãos como todos os outros e, por outro lado, ser detido, arguido ou mesmo preso, é algo que pode acontecer com qualquer pessoa, sendo que a vida em sociedade encerra sempre a susceptibilidade de se cometerem falhas.

18/02/2024  Última atualização 08H00

Portanto, independentemente do facto criminoso, a prisão ou detenção deve respeitar os ditames da Constituição, não podendo o detido ou recluso ser maltratado ou ver violados os direitos que a Lei Magna lhes garante.

A superlotação dos estabelecimentos prisionais é um dos casos em que alguns direitos dos reclusos podem ser violados, pois se trata de um assunto que coloca em causa a sua dignidade enquanto pessoa humana. Por isso é que se considera a superlotação das cadeias uma violação aos direitos humanos, já que pode chegar a constituir uma forma de trato cruel, desumano e degradante, tornar vulnerável o direito à integridade pessoal e outros direitos humanos reconhecidos internacionalmente.

Por exemplo, a Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de integridade pessoal e privação de liberdade do ano 2010 aponta que a detenção em condições de superlotação, com falta de ventilação e luz natural, sem cama para o descanso, nem condições adequadas de higiene, em isolamento e sem comunicação, com restrições ao regime das visitas, constitui uma violação à integridade pessoal do detido.

A superlotação das cadeias é, por isso, em nosso entender, um problema que deve ser resolvido. O assunto, entre nós, tem merecido a devida atenção do Executivo angolano, que projecta a construção de mais estabelecimentos prisionais para mitigar o problema. Com mais espaços, não restam dúvidas de que haverá melhor gestão e qualidade de assistência aos reclusos.

Enquanto os novos estabelecimentos prisionais não surgem, têm sido adoptadas algumas medidas. Uma delas, por exemplo, é a aprovação da Lei da Amnistia (Lei 35/22, de 23 de Dezembro), que, entre outros objectivos, visa aliviar o volume de processos a cargo do Serviço de Investigação Criminal (SIC), bem como reduzir o número de reclusos nas instituições prisionais do país, que, na sua maioria, registam marcados níveis de superlotação.

Entretanto, outros factores continuam a contribuir para que a situação não seja invertida. Um deles é a defesa do princípio de que se deve "prender para depois investigar”. Como resultado, 10 a 20 pessoas são detidas diariamente no país, como referiu, no ano passado, um jurista em entrevista a um órgão de comunicação social. Por isso, não terá surpreendido o dado avançado, também no ano transacto, pelo Serviço Penitenciário, segundo o qual, só no ano anterior, foram detidas mais de 40 mil pessoas.

Outro factor, que chega a ter relação com o primeiro, é a pouca celeridade processual, que, por sua vez, provoca casos de excesso de prisão preventiva.

A provedora de Justiça apresentou, na semana passada, uma sugestão que pode concorrer para a mitigação da superlotação dos estabelecimentos prisionais. Trata-se da adopção de mecanismos de simplificação e agilização processual.

Socorrendo-se do novo Código Penal, em vigor desde Fevereiro de 2021, Florbela Araújo defendeu que, do ponto de vista administrativo, devem ser simplificados os procedimentos para a concessão da liberdade condicional, "uma vez que a lei não coloca muitos ritos burocráticos”. A jurista e docente universitária sugere, igualmente, a aplicação de medidas menos gravosas, como alternativas à prisão preventiva de pessoas que aguardam pelo julgamento.

Em caso de aplicação da prisão preventiva, defende que os prazos sejam respeitados e o cumprimento da pena devidamente fiscalizado. Faz todo o sentido a recomendação da provedora de Justiça, pois há o relato de vários casos de excesso de prisão preventiva. "Há casos em que, mesmo lá nos serviços prisionais, os reclusos ficam um a dois anos sem serem acusados”, exemplificou, no ano passado, o jurista Ezequiel Candeeiro.

A morosidade processual é um dos males que deve ser combatido. E a responsabilidade não deve ser atribuída apenas aos órgãos judiciais. Sendo assim, perfilhamos o posicionamento segundo o qual o Estado deve continuar a criar condições sociais e económicas para os tribunais e todos os operadores de Justiça, aumentando o número de técnicos e magistrados para enfrentar a procura processual. Só assim haverá celeridade processual que contribuirá, em grande medida, para a redução dos casos de excesso de prisão preventiva e o fim da superlotação das cadeias.                                     * Director Executivo-Adjunto

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