Opinião

Uns tabefes e uns vinténs e a vida continua

Carlos Calongo

Jornalista

Recentemente, um cidadão foi sumariamente julgado e condenado pelo Tribunal da Comarca de Luanda, acusado dos crimes de desobediência, ofensa simples contra a integridade física e condução em estado de embriaguês.

18/02/2024  Última atualização 08H05

Foi-lhe aplicada uma pena suspensa, com a obrigação de pagar pouco mais de meio milhão de kwanzas, aos quais adiccionaram-se 300 mil, em benefício dos ofendidos.

O julgamento, como tal, é um acto normal em função da incumbência dos tribunais de administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

Até aquí tudo bem. Porém, o que considero negativo que é o fundamantal desta abordagem prende-se com a razão de ser uma das partes do crime, composta por agentes reguladores da Polícia Nacional, agredidos pelo cidadão condenado, que beneficiou de uma pena branda, - este também foi o entendimento da Polícia, que viu vilipendiado o "poder simbólico”, que se atribui à farda ostentada pelos efectivos dos órgãos castrenses.

Além dos detalhes tornados públicos, não conheço muito mais os meandros do caso, tão pouco os argumentos do Juíz de Direito, - aliás, isso é o que pouco me interessa nesta altura -, mas nada justifica a agressão de um agente da ordem, quanto mais investido de "poder”, no cumprimento da missão.

O caso em referência não é, nem de longe nem de perto, o primeiro em que cidadãos, depois de ingerirem quantidades de bebidas alcoólicas fora das permitidas no Código de Estrada, ante a exigência legal de serem submetidos ao teste do bafómetro, partem para a agressão e, na sequência, as sentenças redundam em bagatelas.

Fica a ideia de que o crime compensa, ou seja: rasgo-te a farda, levas uns tabefes, o Tribunal ordena o pagamento de uns poucos vintés, e manda em paz o agressor que, sente renovado o sentimento de intocável que o habilita a proprietário de um ilimitado poder, ao ponto de humilhar agentes fardados, em pleno exercício da missão.

Brado aos céus para que não emerja, das repetidas penas brandas, um sentimento de repulsa por parte dos agentes da Polícia Nacional que, ao não verem salvaguardada a honra e a nobreza da missão patriótica que a Constituição a eles atribui, com singular perfil, decidam optar por uma resolução à margem dos manuais da corporação.

Confesso ter escrito o presente texto com uma forte carga emocional marcada por profundo descontentamento pela decisão do tribunal que a considero branda demais, se atendermos que o Código Penal Angolano estabelece, no número um do artigo 159 que, "Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 1 ano ou com a multa até 120 dias.

Por definição, ofensa à integridade física, normalmente designada agressão, é o crime praticado por quem ofende o corpo ou a saúde de outra pessoa. Por ofensa ao corpo entende-se todo o mau trato através do qual a vítima é prejudicada no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante.

Tendo, por hipóteses, os agentes da corporação agredidos,adquirido lesões prejudiciais significantes, não entendo a razão de um aplicador da Lei, que até usufrui da segurança de agentes da Polícia Nacional, agiu com leviana sensibilidade, ante a gravidade da situação, capaz de criar um profundo sentimento de repulsa da sociedade.

É certo que nem sempre os polícias optam pelas melhores práticas no dia-a-dia laboral, mas, convenhamos, nada justifica que um cidadão coloque as impressões digitais na farda envergada na base de um juramento pela defesa da população e manutenção da ordem e tranquilidade públicas, quanto mais em missão de serviço.

É necessário desencorajar este tipo de más práticas por via de todas as expressões possíves. A propósito, caso o juíz tenha decidido com base nos melhores dos argumentos que a lei permite, pode ser aproveitada a Proposta de Lei de Alteração ao Código Penal Angolano que o Conselho de Ministros, recentemente, decidiu enviar à Assembleia Nacional para correcções e supressão de imprecisões, "gralhas” e insuficiências registadas no conteúdo do diploma, para rever, pontualmente, a forma exemplar de responsabilizar os cidadãos que, em conflito com efectivos dos órgãos castrenses, optam por actos de violência, que têm sido recorrentes.

Os cidadãos devem ser educados que, pertencer aos órgãos castrenses não é exactamente uma coisa muito comum ou simples. Isto impõe um treinamento específico e apurado. Ser membro de uma comunidade militar ou para militar é, em certas sociedades, um privilégio com alto sentido de responsabilidade e orgulho para todos, o que mostra que aquela pessoa conseguiu um grande destaque entre os concorrentes e se mostrou digna da sua posição.

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