Por conta de algum ajuste da pauta aduaneira, concretamente relacionada com a taxação dos produtos de uso pessoal, nos últimos dias, a Administração Geral Tributária (AGT) esteve, como se diz na gíria, na boca do povo. A medida gerou uma onda de insatisfação e, sendo ou não apenas a única razão, foi declarada a suspensão daquela modalidade de tributação, nova na nossa realidade.
Persigo, incessante, mais um instante para privilegiar o sossego. Para a parte maior da raça humana, pondero tratar-se da necessidade que se vai evidenciando quando a tarde eiva as objectivas da vida. Rastos de águas passadas há muito direccionam o moinho para a preciosidade do tempo.
Rodé e Laura, no Luvili, são mães vendedeiras. Os filhos são, ainda, pequenos, entretanto têm os irmãos e outros parentes, infantes e adolescentes, a vender produtos agrícolas e sacaria à beira da estrada, que liga o Wambu ao Kwanza ao Sul.
A beleza do monolítico estendida na sua grandeza aos olhos e a expressividade da praça rural em que se expõem ao automobilista e passageiros produtos do campo, como cebola, alho, tomate, abacates, kapungu-pungu, milho, cenouras, mel, banana, rabanete, pimentos, mangas, etc, quase forçam a paragem até dos mais apressados.
- Esses meninos não estudam? - Indaguei preocupado com o número de crianças vendedeiras em dia e horário escolar.
Um dos rapazes que cantarolava buscando fregueses tentou mesmo ludibriar-me.
- Tio, eu fui de manhã à escola e vendo à tarde para ajudar os meus pais.
A um desatento, sua alocução parecia carregada de razão. Passei a mão sobre o cabelo dele, em jeito de carinho, e notei que há muitas semanas não recebia a visita de um pente, nem mesmo uma lavagem cuidada.
- Ó filho, não mintas! Se tivesses ido à escola o teu cabelo estaria limpo e ainda penteado, pois o professor não deixa entrar assim na sala de aula. Ou é mentira? - Atirei ao julgamento popular.
- É verdade! - Responderam as manas, assim como os seus comparsas.
Dito isso, o rapaz recolheu-se e fez-se desaparecer na multidão, indo apregoar o "ó pai, me compra lá só manga” em outra freguesia.
As duas manas (na aldeia quem nasce primeiro é mano) tentaram, ainda, sair em sua defesa.
- Ó pai, neste tempo, você pode estudar muito, sê padrinho na cozinha, você no é nada e nó vai a quarquer lugar.
Abri o livro da minha vida, desde tenra idade no Lubolu. Mostrei-lhes imagens reais (no telefone) do sítio em que nasci e imagens gravadas na memória, nunca levadas a texto. Preguei sobre o quanto a escola, mesmo sem padrinhos e tios, levou-me aos areópagos lubolenses.
- Minhas filhas, sem padrinhos, também, se pode ser grande. Por outra, o padrinho na cozinha pode aparecer lá em frente, mas se você não souber comer, para nada valerá. Mandem sempre os vossos filhos à escola, pois também poderão ser administradores e governadores do Wambu.
Informadas e sentindo-se convencidas, pediram-me uma foto para perpetuar o momento. Fui ao carro pegar um livro que conta parte de minhas peripécias e deixei-as a ler "Kitotas: recuos e avanços”.
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