Em Angola, como em muitos países do mundo, o 1º de Maio é feriado nacional e costuma ser celebrado com marchas e comícios, em que se fazem discursos reivindicativos de direitos dos trabalhadores. Não é uma data qualquer.
Hoje, a nossa Nação e, particularmente, a comunidade jurídica assinala um ano da entrada em funções dos juízes de garantias, magistrado com dignidade constitucional que, entre nós, passou desde 2 de Maio de 2023 a ter a responsabilidade de salvaguardar os direitos individuais de qualquer pessoa alvo de investigação por um suposto acto criminal derivado da sua conduta.
O grande “Gabo” (Gabriel Garcia Marquez) escreveu o romance “O amorem tempos de cólera”. Em Caxito, estamos envoltos no mesmo sentimento que une humanos, mas desta em tempos de enxurradas, um constrangimento que não impede a união de seres que apostam na proximidade passional para cumprir a missão inicial adiantada pelo Ngana, “Ides e multiplicai-vos”, e continuar com a vida.
Amar é dos actos mais sublimes. Torna os homens mais humanos e com empatia fora do comum. Sentir o outro como ente próximo e receber deste o recíproco, num compromisso que roça a própria existência é algo já eternizado em "Romeu e Julieta”, do grande William Shakespeare. Actos idênticos ao protagonizado pelo casal ocorrem um pouco por todo o lado e testemunham que a vida é relegada a segundo plano quando primeiro está mesmo o "I love you.”
A condição afectiva que muitos de nós sentimos no âmago, não admite condicionalismos, faça chuva, sol ou vento. As enxurradas que caem em Caxito estão aí para fazer jus.Terrenos enlameados, ruas alagadas, casas destruídas e possibilidade de mudança de bairro não atropelam o processo romântico de Quina Justa e Zeca Adão, comprometidos e com casamento marcado para breve. O enxoval "foi com a chuva”, a casa alugada encharcada; o bairro virou lagoa, mesmo assim, dizem, "nos amamos mesmo.”
O jovem casal vai superar o estado actual e cumprir com a parte final dos deveres. Há luz no fundo do túnel, há esperança. Ainda bem que a nossa ilustre Pérola, em jeito de aviso: "diga pra ela que quem ama espera”.
Aqui no Dande, as chuvas não são o trampolim para a ruptura do amor.
O comportamento passional que vigora em tempos de enxurradas em Caxito não se restringe aos humanos. Longe disto. Os choros e lamentos em surdina tocam também o capital físico. Muito boa gente perdeu casas, lavras e animais de criação e estimação. Em Caxito, as gajageiras e mangueiras plantadas ontem, no tempo, hoje feitas árvores frondosas e preenchidas de frutas suculentas, também são levadas em consideração na hora da desgraça. "Ai as minhas árvores, meus amores, vão ficar mesmo? Este ano não vou ter lucro na venda. É dinheiro perdido. Antes cortá-las que morrerem encharcadas”.
Amor e choros andam de mãos dadas. Vi, com os meus olhos de ver, mais velhos de bem, a olhar para o céu em pose interrogatória sobre as razões do "dilúvio”. Alguns prometiam não arredar pé do sítio que os viu nascer, agora inundado com quantidades excessivas do precioso líquido. Os que preferem Kitonhe, Cauango, Kitongola, Quixiquela e outros bairros submersos, a outras paragens geograficamente melhor posicionadas, são a expressão do amor em tempos de enxurradas.
Quem ama deve ser forte. Criar outras condições de vida, habitabilidade, para seguir em frente é um dom dos humanos, que são seres sociais e, por isto, vivem em sociedade. O grande combate agora está ao virar da esquina. O tempo de maldizer os atropelos das enxurradas está a ficar para trás para Quina Justa, Zeca Adão e outros amantes anónimos independentemente da idade. À frente está o desafio de manter a chama que queima mais que o fogo.
Amar em tempos de enxurradas é condição de vida em Caxito, igualmente, um posicionamento dos valentes, quer sejam homens, quer sejam mulheres, dois seres interventivos no crescimento das sociedades, hoje ante o dilema de superar o empecilho provocado pelo excesso de água nas suas vidas.
Agostinho Neto, num dos seus poemas já nos tinha alertado que "ninguém impedirá a chuva”, numa alusão ao virar da página colonial, para a nossa autodeterminação. O lembrete vale para os que prezam o amor, comportamento adverso ao ódio, contudo condenado à supremacia, porque os amantes têm fragilidades que só mesmo a união fortalece e aponta caminhos para o amanhã promissor, pleno de compromissos e realizações.
O livro de recordações dos mais velhos inscreve 1968 como o ano em que ocorreu um fenómeno idêntico em Caxito, com água em demasia, rompimento de diques, pessoas em debandada, campos agrícolas encharcados e prejuízos de bradar aos céus. Ainda assim casais desavindos de outrora contornaram barreiras e comprometeram-se com a união. Multiplicaram a prole e as juras de I love you por toda a vida, até que a morte os separe ou separou. Os sobreviventes daquela situação trágica, hoje, contam histórias dos medos e receios. Fortes e decididos ultrapassaram o menos bom e hoje estão aí, plenos de experiências.
O amor, de tão íntimo, produz magia capaz de ultrapassar catástrofes de qualquer ordem. Hoje, Caxito vive momentos menos conseguidos. No curto espaço de tempo, já há sentimentos nostálgicos em relação à estabilidade de meses atrás, quando havia sorrisos em demasia, inclusive para oferecer. Em tempos de luta, como o actual, a relação a dois vai, como em diferentes situações do passado, superar os momentos maus, e qual ave fénix, ressurgir das cinzas, quer seja no Cauango, Kitonhe, Kitongola, Quixiquela, enfim, em todo o Bengo, onde a esperança ultrapassa a invasão das águas. O amor vai, uma vez mais, prevalecer mesmo em tempos de enxurradas.
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