Opinião

Moxico, aflição e gargalhadas de alívio

Tazuary Nkeita

Jornalista e Escritor

Desde muito cedo, o Robot faz-tudo do Luena exibiu credenciais de um ser terrestre verdadeiramente excepcional, em forma humana. Reunimos, e foi fácil explicar-lhe o programa do dia. “À tarde, teremos de sair às 16:35 para um compromisso de alto nível”, disse-lhe. Não foi necessário exigir mais, para me dar conta de que tudo iria dar certo.

05/05/2024  Última atualização 10H29

À hora marcada, entravámos no pátio do Seminário Maior de Filosofia São José, da cidade do Luena, com extraordinária pontualidade. Os anfitriões estenderam-nos as mãos com alegria, para cumprimentos, abraços e perguntas que nos transmitiram grande expectativa à volta do evento:

"Seja bem-vindo”, disse um jovem cicerone, antes de perguntar meio admirado: "Veio sozinho?”.

"Sim. Tivemos programas diferentes, mas a restante comitiva vem a caminho. Ainda temos tempo, não?”.

Era verdade e tudo correu às mil maravilhas, excepto à hora exacta para o início do evento, mas já sem culpas para o impecável Robot, nem para nenhum de nós, incluindo três dos convidados que foram chegando.

Na verdade, à hora marcada - 17h00 - faltava o mais importante: a convidada de honra, oradora do dia!  Além desta ausência tão substancial, anunciada à ultima hora, com um atraso para além do tempo de tolerância, a cerimónia teve cenas verdadeiramente pitorescas.

Por extrema generosidade do Director do estabelecimento, esperamos mais trinta minutos, mas tudo foi em vão. Impunha-se uma saída.

"Só estaremos livres depois das vinte horas…”, dizia o interlocutor, do outro lado.

A hipótese de esperarmos mais três horas era inadmissível e, o cancelamento do evento, também recebeu um "Não” quase unânime da organização.

"O senhor está preparado para substituir a convidada de honra?”.

A pergunta à queima roupa não constituiu surpresa: "Coragem!”, disse a mim mesmo, sem ninguém que me aconselhasse. Apesar de ter o potente Robot quase colado a mim, sabia que ele não seria eficaz naquele instante. Olhei para ele e o seu olhar era inexpressivo, envolto no mais absoluto silêncio. Certamente que compreendeu a aflição geral, mas faltava-lhe o aplicativo para ditar um discurso à altura de um Prémio Camões da Literatura com um ranking compatível com as cem mulheres mais influentes do mundo, segundo a BBC.  Nada mais se podia tentar fazer, senão um improviso. Por tudo isto, sem tempo nem bondade para receber conselhos, respondi de imediato:

"Sim, estou pronto!”.

Iniciada a cerimónia, e para além mesmo do período de perguntas e respostas, houve um súbito corte de energia, por mais de 30 minutos.

Senti arrepios, mas continuei o improviso sem sinais de maior aflição. "Coragem e mais coragem. Muita coragem…”, era o lema. Vi então que aparentemente ninguém se mostrava incomodado porque, rapidamente, foi colocada uma lanterna incandescente na mesa de honra, com voltagem capaz de iluminar as nossas faces e reduzir a escuridão da sala.

Praticamente no fim,      enquanto o padre superior do Seminário do Luena fazia o encerramento, a luz voltou e vi rostos a transbordar de alegria, à nossa frente.

"Oh…, luz!”, e ouviram-se palmas e suspiros de alívio, com o fim da escuridão.

"Lamentamos os transtornos com este corte de energia”, disse o padre superior!

"Não houve transtorno! As ideias estavam na cabeça e não na tomada de electricidade”, comentei, mais à vontade!

E, acto contínuo, eclodiram gargalhadas pela sala e novos aplausos voltaram a ser ouvidos.

Horas mais tarde, já depois de o irrepreensível Robot me deixar no hotel, o episódio não escapou aos comentários do Bispo do Luena, Dom Martin Lasarte, que em mensagem enviada pelo WhatsApp, escreveu o seguinte:

"Foi uma honra acolher tão importante evento. Que Deus vos abençoe…”.

Amei!

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