Angola tem, doravante, responsabilidades na gestão dos recursos hídricos internacionais em prol do desenvolvimento económico sustentável, depois de ter assumido na sexta-feira, em Casablanca, Reino do Marrocos, o estatuto de membro de pleno direito da Comissão Hidrográfica do Atlântico Leste (EATHC, sigla inglesa).
Longe vai o tempo em que Angola exportava todo o tipo de produtos alimentares, do açúcar à carne, tendo sido o quarto maior produtor mundial de café. Hoje, o cenário inverteu-se. As importações crescem (perigosamente) mais que as exportações, fazendo com que todo o dinheiro que entra sai. Primeiro, em remessas dos imigrantes. Segundo, em bens necessários, sobretudo alimentares. Em apenas alguns produtos, o país é auto-suficiente: cerveja, farinha de milho, legumes (tomate e pimento), batata e pouco mais. Quanto ao restante, tudo é importado. Mais de metade do feijão consumido é proveniente do exterior. Isso vale para leguminosas (grão-de-bico, lentilhas, ervilhas, etc.), cereais (trigo, arroz), a maioria das frutas, carnes e peixe.
E tem mais: dos seus 100 milhões de hectares com água, Angola explora, actualmente, apenas cerca de três por cento, o que equivale, por exemplo, a dez por cento da área agrícola argentina.
Deve ter sido isso que levou o Executivo angolano,nos últimos anos, a falar, amiúde, da substituição de importações, e, há sensivelmente duas semanas (3 de Abril), fazer vigorar a nova Pauta Aduaneira-versão 2022.
Ao novo documento, que agrava as taxas de importação para alguns produtos de amplo consumo, como o arroz, açúcar, óleo, feijão, entre outros, o Governo tem uma justificação: proteger a produção nacional e incentivar o seu aumento.
Entre várias personalidades que se mostraram, assumidamente, cépticas ante a iniciativa governamental está Heitor de Carvalho: "A pauta aduaneira não pode ser um instrumento de arrecadação de receitas, tem que ser um instrumento da política comercial. Vai encarecer os preços e favorece os monopólios”, atirou
Esta opinião, defendida pelo director do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada, não é partilhada pelos economistas contactados.
O economista Osvaldo Cruz, por exemplo, prevê que, no início, a aplicação do documento será difícil, pois "obrigará as famílias realizarem ajustes nos seus orçamentos e redefinição de prioridades nas despesas”, mas crê que a situação deva reverter-se com o "aumento da competitividade das empresas de produção nacional por via da protecção nacional e mudanças nos padrões de consumo”. Augusto Fernandes alerta: "Este instrumento deve ser capaz de contribuir para a diversificação das exportações e substituição das importações".
O pior cenário, avisa Paulo Santos, é a garantia do conjunto certo de medidas: "A implementação airosa dessa política deverá ser acompanhada de outras medidas, como a disponibilização de créditos para aquisição de equipamentos, insumos, e formação, medidas para distribuição estruturada dos produtos, e sempre que necessário intervenção para equilíbrio do mercado”
Por sua vez, o professor de Marketing Internacional Stover Ezequiel avalia o impacto que pode causar no mercado internacional: "É capaz de fazer com que as empresas internacionais procurem mercados mais flexíveis em termos de taxas ou implicará um reajuste do negócio por parte do investidor estrangeiro”, sublinha.
Os participantes do debate concordaram que seja fundamental estimular a produção nacional.
A versão 2022 da Pauta Aduaneira inclui a isenção de 37% nos direitos de importação, o que representa um equilíbrio dentro da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O documento inclui um total de 5.953 linhas tarifárias distribuídas em quatro grupos de acção, sendo o primeiro relaccionado a insumos agrícolas e matérias-primas para o sector produtivo.
"Vai gerar uma fonte adicional de receita”
Com a nova pauta aduaneira aprovada pelo Decreto Legislativo Presidencial nº 1/24, de 3 de Janeiro, assistiremos a várias alterações na performance ou comportamento dos agentes económicos na economia, nomeadamente as empresas, famílias e Estado.
Para as empresas importadoras assistiremos a um aumento dos custos de importação, afectando o comércio nacional, a redução de competitividade das mesmas, o aumento da competitividade das empresas de produção nacional por via da protecção nacional, mudanças nos padrões de consumo, alterações nos preços dos produtos importados, etc.
Para as famílias angolanas, com as alterações das taxas de importação terão incidência nos preços dos produtos importados e representarão no curto prazo o aumento do custo de vida, alterações nos padrões de consumo devido aos preços mais altos e obrigará as famílias realizarem ajustes nos seus orçamentos e redefinição de prioridades nas despesas.
Para as finanças públicas podemos assistir a impactos positivos e negativos. Por um lado, o aumento das taxas de importação pode gerar uma fonte adicional de receita para o Estado, ajudando a financiar programas e projectos públicos. Por outro lado, se as taxas forem muito altas, isso pode diminuir o volume de comércio internacional e, consequentemente, a arrecadação de impostos sobre importação.
Finalmente, quero aqui realçar que é importante equilibrar os interesses voltados à captação de receitas e a pressão que pode ser exercida sobre as famílias e empresas, por forma a promover o crescimento sustentável da economia.
" Importante para a diversificação das exportações
A pauta aduaneira em versão harmonizada não traz muitas novidades, é um instrumento de política externa, moldado a duas velocidades, por um lado as tarifas aduaneiras e por outro lado as instruções preliminares da pauta, sem esquecer as questões que tem que ver com as tarifas preferenciais que podem viabilizar a entrada de Angola para zonas de comercio livre, como é o caso da SADC, nesta última Angola precisa de desarmar cerca de 5.619 linhas tarifárias.
Este importante instrumento de política fiscal deve ser capaz de contribuir para a diversificação das exportações e substituição das importações, olhando caso a caso, para lá onde for necessário, proteger a produção nacional, promover a indústria nascente, promover a empregabilidade e contribuir para o crescimento sustentável do Produto Interno Bruto.
Dito de outra forma, o Decreto Legislativo Presidencial que aprova a pauta aduaneira, sempre que actualizado, quer por razões de tempo, quer por razões extraordinárias, não pode ter disposições protectoras repetitivas "ab-aeterno” de produtos de produção nacional.
Sempre que o país se torna autossustentável de um dado bem, e ao mesmo tempo o referido bem se tornam competitivo a nível internacional, não faz qualquer sentido continuar a proteger o referido bem, neste contexto, a análise e a decisão de alteração de todas as disposições da pauta aduaneira cobra uma verificação transversal e fora da caixa, onde o legislador deve analisar linha tarifária por linha tarifária, antes de decidir fazer política fiscal com a pauta aduaneira”.
"A implementação dessa medida exigirá arte”
A pauta aduaneira aprovada em Janeiro de 2024 agrava algumas taxas de importação como medidas proteccionistas que visam mitigar o fenómeno de dumping, e dar espaço para crescimento da produção nacional.
Angola vive uma crise de dependência de importação de quase todos os bens de consumo, incluindo os produtos da cesta básica, o que impõe incentivar e proteger a produção local.
Entre outros, o actual aumento das taxas aduaneiras afectou a farinha de trigo, que variou de 10% para 50%, o arroz, que era livre e passou a 20%, e o açúcar, de 10% para 30%, o que cria espaço para esses bens produzidos localmente, e certamente levará à gradual substituição das importações dos mesmos.
Entretanto, a implementação dessa medida alfandegária exigirá arte enquanto a produção nacional não satisfizer ao menos metade das necessidades de consumo.
Dados do Ministério da Agricultura e Florestas divulgados pelo Jornal de Angola no dia 19 de Janeiro do ano corrente indicam que na campanha agrícola de 2022/2023 o país produziu cerca de 30 mil toneladas de arroz, 21 de trigo, e 3.214 de milho, o que alcança uma média de apenas cerca de dez por cento das necessidades, ficando claro que a produção interna de cereais está muito aquém da demanda.
A implementação airosa dessa política deverá ser acompanhada de outras medidas, tais como a disponibilização de créditos para aquisição de equipamentos, insumos, e formação, medidas para distribuição estruturada dos produtos, e sempre que necessário, intervenção para equilíbrio do mercado.
"Um dos objectivos é dinamizar a estrutura produtiva do País”
O principal objectivo desta medida é dinamizar a produção nacional, diversificando a estrutura produtiva e estimulando a criação de novos postos de trabalho através da imposição de tarifas mais elevadas.
A nova pauta aduaneira visa garantir maior controlo de produtos, tendo como base a crescente globalização e internacionalização da economia angolana.
Tendo em conta a actual situação económica e social de Angola, esses aumentos aparentemente excessivos poderão trazer impactos negativos não só à economia angolana, pois os angolanos pagarão mais pelos produtos importados e, consequentemente, os países que têm Angola como destino dos seus produtos precisarão de mais recursos financeiros para exportarem, contudo as vendas destes produtos diminuirão forçosamente.
Esta política ou estratégia económica no contexto angolano não é nova; lembro-me de 2007 e 2014, e curiosamente a grande diferença consiste apenas na quantidade de produtos que foram alvo das alterações aduaneiras, que na altura era de 2%, com isenção de taxas para alguns produtos. Actualmente, assiste-se a um certo agravamento em determinados produtos, contrariando assim a ideia de que estas taxas devem ser reduzidas para facilitar as transacções comerciais entre os países.
Esta medida, em termos de mercado internacional, terá repercussões negativas e transformar-se-á num rolo compressor de redução de investidores, fazendo com que as empresas internacionais procurem mercados mais flexíveis em termos de taxas ou implicará um reajuste do negócio por parte do investidor estrangeiro.
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